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DOI: 10.33467/conci.v3i3.14936 ARTIGO ORIGINAL


A Cultura Afro-Brasileira e a Ciência da Informação: um diálogo entre memória, identidade e informação


The Afro-Brazilian Culture and the Information Science: a dialogue between memory, identity and information


La Cultura Afrobrazileña y la Ciencia de la Información: um diálogo entre memoria, identidade e información


Paloma Israely Barbosa de SÁ1 Ana Lúcia Tavares de OLIVEIRA2 Leilah Santigo BUFREM3


Correspondência

Autor para correspondência: Paloma Israely Barbosa de Sá Endereço completo: Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.

E-mail: paloma_juazeiro@hotmail.com

ORCID: ORCID do autor para correspondência, com https://orcid.org/0000-0003-2070-8893


Submetido em: 08/12/2020 Aceito em: 28/12/2020 Publicado em: 31/12/2020



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1 Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutoranda em Ciência da Informação na Universidade Federal de Pernambuco.

2 Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba. Doutoranda em Ciência da Informação na Universidade Federal de Pernambuco.

3 Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo e Pós-Doutora pela Universidad Autónoma de Madrid. Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Pernambuco.


RESUMO

Considera aspectos representativos da relação mediada pela literatura científica entre a cultura afro-brasileira e a área da Ciência da Informação. Apresenta referencial teórico baseado nos conceitos de memória, identidade e informação em pesquisas nessa área, incluindo aquelas relacionadas às manifestações e práticas da cultura de matriz afro-brasileira, evidenciadas nas Ciências Humanas, tendendo a se tornarem objetos de estudo na Ciência da Informação, haja vista que essa ciência busca ampliar o diálogo com outras ciências e áreas do conhecimento. Realiza estudo exploratório, pautado na literatura sobre a temática estudada, utilizando como apoio teórico a Constituição Federal Brasileira de 1988 e a Lei nº 10.639/2003, configuradas como formas de legitimação e fundamentais para disseminar as manifestações e práticas da cultura de matriz afro-brasileira, garantindo o direito ao pluralismo e diversidade cultural. Defende essas formas de potencializar a memória e a identidade da população afrodescendente, a efetivação de direitos básicos, bem como fomentar a produção científica sobre o tema. Conclui que a produção, a avaliação, a organização e a disseminação da informação, enquanto processos constituintes da Ciência da Informação, em certa medida se relacionam e contribuem com as produções nas diversas áreas do conhecimento sobre os mais variados temas, de modo especial a cultura afro-brasileira.

Palavras-chave: Ciência da Informação. Cultura afro-brasileira. Identidade. Informação. Memória.


ABSTRACT

It considers representative aspects of the relation mediateted by scientific literature between the Afro-Brazilian culture and the area of Information Science. It shows theoretical references based in the concepts of memory, identity and information in researches in this area, including those related to the manifestations and practices from the Afro-Brazilian matrix culture, evidenced in Human Sciences, tending to become objects of study in the Information Science, due to that Science aims at broadening the dialogue with other sciences and areas of knowledge. It carries out an exploratory study, guided by the literature on the studied theme, using as a support the Brazilian Federal Constitution of 1988 and the law number 10.639/2003, set as forms of legitimizing and fundamental to disseminate the manifestations and practices of the Afro-Brazilian matrix culture, ensuring the right to pluralismo and cultural. It defends these forms of potentializing the memory and the identity of the Afrodescendant populace, the realization of basic rights as well as fostering the scientific production about the theme. It concludes that the production, the evaluation, the organization and the dissemination of the information, as constituting processes of the Information Science, to a certain extent, relate between them and contribute to the productions in the diverse areas of knowledge on the most diverse themes, especially the Afro- Brazilian culture.

Keywords: Afro-Brazilian culture. Identity. Information. Information Science. Memory.


RESUMEN

Considera aspectos representativos de la relación mediada por la literatura científica entre la cultura afrobrasileña y el área de la Ciencia de la Información. Presenta un marco teórico basado en los conceptos de memoria, identidad e información en la investigación en esta área, incluido aquellos relacionados con las manifestaciones y prácticas de la cultura de matriz afrobrasileña, evidenciada en las Ciencias Humanas, tendiendo a convertirse en objetos de estudio en Ciencias de la Información, dado que esta ciencia busca ampliar el diálogo con otras ciencias y áreas del conocimiento. Realiza un estudio exploratorio, basado en la literatura sobre el tema estudiado, utilizando como soporte teórico a la Constitución Federal Brasileña de 1988 y la Ley nº. 10.639 / 2003, configuradas como formas de legitimación y fundamentales para difundir las manifestaciones y prácticas de la cultura de matriz afrobrasileña, garantizando el derecho al pluralismo y la diversidad cultural. Defiende estas formas de potencializar la memoria e la identidad de la población afrodescendiente, la efetización de los derechos básicos, así como promover la producción científica sobre el tema. Se concluye que la producción, la evaluación, la organización y la difusión de información, como procesos constitutivos de la Ciencia de la Información, en cierta medida se relacionan y contribuyen a las producciones en las diversas áreas del conocimiento sobre los más variados temas, especialmente la cultura afrobrasileña.

Palabras clave: Ciencia de la Información. Cultura afrobrasileña. Identidad. Información. Memoria.


  1. INTRODUÇÃO


    A cultura afro-brasileira é tema recorrente na contemporaneidade, suscitando a produção e disseminação de fontes subsidiárias às discussões inerentes ao assunto, sobretudo por conta da Lei nº 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas instituições de ensino públicas e particulares do Brasil.

    A partir da aprovação da Lei, ampliou-se a necessidade de fontes de informação como ferramentas válidas para reconstituir a história dos antepassados afro-brasileiros. Além dos materiais existentes a serem reunidos e organizados, foi surgindo o interesse na produção de novos conhecimentos tanto sobre a temática abrangida pela Lei, quanto para responder às questões relacionadas a sua implantação, o que movimentou a dinâmica da disseminação e do fluxo informacional no que tange ao tema.

    Pensar essas questões é dialogar com os estudos em Ciência da Informação (CI), área dedicada aos processos, instrumentos e produtos que envolvem a informação registrada. Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo apresentar reflexões iniciais sobre os aspectos que direcionam para uma relação direta entre a cultura afro- brasileira e a CI.

    Compreende-se que o estudo de qualquer fenômeno da realidade implica percebê-lo a partir da sua conjuntura, e não o tomar como abstração da realidade, pois o objeto só é apreendido na sua totalidade se observados e analisados seus elementos constitutivos em suas relações. Assim, ao reconhecer a Lei nº 10.639/2003 como objeto de estudo, pretende-se explorá-la no contexto da CI, pois “o aprofundamento nas questões permite identificar meandros,


    variáveis ou características capazes de provocar novas

    interrogações” (BUFREM, 2011, p. 5).

    Este trabalho, trata de uma forma de análise pautada em livros e artigos de periódico sobre as questões apresentadas para o entendimento e fundamentação do debate, como um movimento inicial de levantamento informacional relacionando estes aspectos, para, somente então, aprofundar tal debate.

    Considerando que as representações dos temas presentes no campo da CI, assim como as questões mobilizadoras dos diversos pesquisadores e pesquisadoras, e de seus modos de produzir conhecimentos especializados, influenciam-se reciprocamente, percebem-se as implicações dessa reciprocidade quando se analisa o processo e seu entorno. Ao se tornarem objeto de estudos analíticos de conteúdo, os conhecimentos fundamentados em teoria apropriada ocupam espaços e formas concretas conjunturais, podendo ser interpretados não apenas em suas dimensões técnicas e morfológicas, mas também em seus aspectos políticos e éticos, motivando questionamentos relativos aos conceitos e às práticas vigentes.

    Constitui-se, assim, a problemática deste estudo, no sentido de fomentar a discussão dos aspectos pertinentes à construção de conhecimento sobre a cultura afro-brasileira, reconhecimento e visibilidade da memória e identidade desse povo, apresentando contribuições mútuas e significativas para a cultura e para a CI, bem como a Arquivologia e a Biblioteconomia.

    Nesse sentido, este estudo se inicia com uma seção contextualizando os aspectos da cultura afro-brasileira no que tange à Lei nº 10.639/2003; outra seção com uma breve descrição da CI, seu objeto e interesses e, por fim, a contribuição inicial dessa área


    para o acervo e a disseminação das manifestações e práticas da cultura de matriz africana.


  2. CULTURA AFRO-BRASILEIRA: UM DIÁLOGO ENTRE IDENTIDADE, MEMÓRIA E ORALIDADE


    Em diversas partes do mundo começaram a ser reivindicadas a presença e a devida menção dos grupos que foram oprimidos ou considerados derrotados na construção da história e cultura universais. Essas reivindicações envolvem o dever de memória e direitos de reparação, os quais devem ser garantidos pelo Estado de modo que determinados fatos, acontecimentos, sujeitos e cenários não sejam esquecidos pelas sociedades (ABREU; MATTOS; VIANNA DANTAS, 2010). A riqueza cultural do povo negro acabou sendo quase invisibilizada e pouco reconhecida. Reivindica-se a possibilidade de destacar a presença e a contribuição dessa população na formação do país, considerando a dimensão política alcançada pelas pesquisas nesse sentido.

    A partir desse reconhecimento, o Estado passa a proteger as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras (art. 215 e 216 - Constituição Federal4), fomentando a história e a cultura destes grupos étnicos e objetivando visibilizar e ressignificar sua contribuição para a história e a cultura do Brasil. Nessa direção,


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    4 O Artigo nº 215 da Constituição Federal de 1988 dispõe: “1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes de processo civilizatório nacional; 2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais”. O Artigo nº 216 da mesma Constituição dispõe: “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. (BRASIL, 1988).


    possibilita o igual direito de compor as histórias e culturas que constituem a nação brasileira, bem como o direito de acesso às diferentes fontes de informação da cultura dos afrodescendentes para todos.

    A informação ético-racial também integra as estruturas e processos relacionados à CI, haja vista que tal informação, quando acessada e usada de forma individual, pode contribuir na produção de conhecimento e construção da memória, inclusive podendo promover o fortalecimento da identidade/subjetividade dos sujeitos (SANTANA; OLIVEIRA; LIMA, 2016).

    Pode-se constatar que a cultura em questão vem, em certa medida, sendo tanto constituída, como silenciada e, até mesmo, marginalizada em detrimento à cultura disseminada pela mídia, com ampla visibilidade no âmbito cultural (ADORNO; HORKHEIMER, 1982). A crítica dos filósofos de Frankfurt à atuação da mídia é ilustrada por Fonseca (2001), para quem a cultura da população negra é marcada pela ocultação das suas manifestações, em processo pautado pelo discurso do eurocentrismo de expor a memória da negritude a partir de aspectos provenientes do continente europeu. Esta visão europeia interfere no reconhecimento identitário dessa população, pelo fato desse discurso subjugar as manifestações culturais do povo negro.

    Vale ressaltar que a cultura brasileira tem uma expressiva influência da cultura africana. É através das manifestações culturais desses povos e de outras expressões culturais, como a dos indígenas, que o Brasil constrói e constitui sua própria história. Nesse contexto, a cultura de matriz afro-brasileira precisa ampliar suas fontes informacionais, para promover de forma contínua a difusão e disseminação de suas manifestações e práticas, abarcando ações


    que almejem a visibilidade e o fortalecimento dessa cultura em todo território brasileiro.

    Compreende-se que a cultura de matriz africana não pode ser considerada, simplesmente, como uma cultura à margem dos parâmetros culturais mercadológicos, postulado construído socialmente pela cultura do capitalismo exacerbado pela lógica neoliberal (LAZZARATO, 2006), mas sim como uma cultura que reconstitui a memória e identidade da população negra e, por conseguinte, capaz de evidenciar a diversidade cultural do Brasil. Deste modo, avalia-se que, as manifestações e práticas dessa população podem influenciar no processo memorialístico e identitário da cultura brasileira.

    Esta cultura vem se constituindo paulatinamente como uma das preocupações das instituições universitárias e consequentemente do governo, no tocante ao financiamento de pesquisas nessa área (AQUINO, 2013). Todavia, essas ações ainda são elementares, fazendo-se pertinente ampliar as discussões em torno desta temática, inclusive como ação de fortalecimento contra possíveis retrocessos quanto às conquistas já alcançadas nesse sentido.

    É possível verificar uma lacuna nas discussões sobre a difusão e disseminação das manifestações e práticas dessa cultura (FLORES, 2006), por apresentarem um caráter ainda permeado pelo viés de um discurso que tende a desconsiderar, em certa medida, as fontes informacionais que abarcam a memória e identidade da cultura de matriz afro enquanto legitimadas pelas instituições.

    Essa cultura tende não somente a promover a difusão e disseminação das manifestações e práticas culturais, como também a salvaguardar a memória e identidade da população negra, fortalecendo o sentimento de pertencimento dessa população em


    relação às suas origens e ancestralidade. É importante ressaltar que tais manifestações e práticas também são transmitidas através da oralidade, de geração para geração, o que enriquece seus sentidos e ao mesmo tempo causa enfraquecimento de seu valor em termos de legitimação.

    A informação sobre manifestações afro-brasileiras contribui com a constituição da memória e identidade da população negra. Percebe-se que as alterações culturais ocorridas ao longo dos séculos interferiram, mesmo que indiretamente, nas manifestações culturais e na forma como a cultura de matriz afro-brasileira é compreendida no âmbito da memória, da identidade e do pluralismo cultural (CANDAU, 2014).

    De acordo com Hall (1997), identidade é um conjunto de sedimentações culturais aceitas pela sociedade e com as quais se vive naturalmente. Elas são, justamente, as lembranças das memórias de momento peculiar, envolvendo aspectos do passado, os quais podem ser reconfigurados, conforme a percepção coletiva e individual.

    Afere-se que memória e identidade têm uma intrínseca relação com a oralidade, sobretudo, a memória, visto que, por muito tempo, a única forma de se comunicar antes do surgimento da escrita era através da memória dos sujeitos, construída a partir das suas ações individuais e coletivas. E no que tange às narrativas da população negra, este foi um dos elementos que contribuiu para a salvaguarda desses saberes e práticas ao longo dos tempos: o que não era escrito, era contado, cantado, rememorado pelos sujeitos de geração a geração.

    Observa-se, entretanto, que estes grupos que possibilitaram a salvaguarda de seus saberes por meio da memória e oralidade foram


    marginalizados em detrimento dos povos com desenvolvimento da escrita, uma vez que estes puderam registrar e disseminar de forma mais abrangente seus conhecimentos. Segundo Zumthor (1997), a oralidade não é inferior à cultura escrita, mesmo tendo sido compreendida de forma equivocada durante muitos anos pelos estudiosos e defensores dos registros validados/legitimados a partir da escrita. Para o autor, ao mesmo tempo em que é instrumento de expressão e construtora de memória, a oralidade é portadora de uma linguagem.

    Sendo assim, estima-se que, no campo da oralidade, também são descobertas informações tão preciosas quanto aquelas que estão registradas como oficiais, ou seja, no campo da escrita.

    Nesse sentido, defende-se o fortalecimento dos estudos de memória, identidade e oralidade, uma vez que esses conceitos se conjugam em interdomínios da informação, para o abarcamento do sujeito enquanto ser social ativo e reflexivo. É importante ressaltar que memória, identidade e oralidade colaboram efetivamente com a preservação dos registros das práticas desses sujeitos.

    Seguindo esses aspectos, ajuíza-se que a cultura afro- brasileira tende a ser refletida como objeto de pesquisa para preservar a memória e identidade da população negra. Tal população, a partir das suas manifestações e práticas culturais (religiosa, culinária, música, dança, tradições, artefatos e indumentárias/vestuários), desempenha proeminente papel na preservação, conservação e disseminação da cultura de matriz afro- brasileira. Nessa configuração, visibilizando e fortalecendo as manifestações e práticas, tanto as culturais como as religiosas, dos afrodescendentes.


    A religião afro-brasileira, conforme Iyagunã (2019, p. 3), “é uma religião de herança em que os herdeiros recebem o legado dos seus ancestrais, e que só sobreviveu no Brasil pela oralidade e a hierarquia, sendo esses, portanto, os fatores primordiais para a resistência”. Para a autora, os fundamentos religiosos do candomblé são transmitidos pela oralidade e pela hierarquia, considerando ainda que a oralidade para a população negra é compreendida como estratégia de sobrevivência, para essa população perpetuar seus saberes culturais e religiosos.

    A memória, a identidade e a oralidade têm escalado significativos voos no espaço acadêmico. Identificam-se distintas e colaborativas pesquisas sobre essas temáticas. Esses estudos almejam a preservação e conservação das culturas dos sujeitos, entre elas a cultura de matriz afro-brasileira proveniente dos hábitos, crenças e costumes da população negra, bem como a sua legitimação a partir do poder das instituições.

    Avalia-se que a oralidade na disseminação desses hábitos culturais tem uma função importante na visibilidade e fortalecimento da cultura afro-brasileira, uma vez que mestres e mestras dessa cultura, forjados nesse contexto, transmitem seus conhecimentos de forma oral para expressarem seus costumes, tradições e vivências adquiridos com os seus ancestrais. A oralidade tende a constituir/construir e possibilitar um reconhecimento de pertencimento no que diz respeito à memória e identidade cultural em tela.

    Entretanto, considerando o valor que a sociedade confere aos registros da informação para sua legitimação e maior visibilidade, torna-se necessário desenvolver mecanismos e instrumentos que amparem esse propósito. São políticas de reparação, ações


    afirmativas e projetos nacionais e internacionais para coleta e divulgação da memória do povo negro, os quais evidenciam uma crescente produção de fontes informacionais nesse sentido.

    É preciso levar em consideração, nesse processo, o fortalecimento do movimento negro no país com a proposta de revisão da história, de inserção de novos elementos e de visibilidade desse povo, bem como as pesquisas acadêmicas, em História principalmente, sobre a temática e conjuntura histórica, colocando o negro também como protagonista. Mattos (2006, p. 105-106), ao falar sobre a memória dos remanescentes das comunidades quilombolas, afirma que:

    A partir de uma perspectiva que propunha pensar o escravo como ator social relevante para a compreensão histórica da sociedade brasileira, uma revisão historiográfica se produziu no país em relação ao tema. A demografia, a cultura, as relações familiares e a sociabilidade escrava passaram a ser estudadas por inúmeros pesquisadores [...] desde suas estratégias de organização de famílias, de formação de organizações religiosas para obtenção de alforria, até as diferentes formas de sua inserção no mundo do trabalho.


    Posto isso, pode-se afirmar que este é um movimento necessário e crescente. Nota-se que mais informações vão surgindo ou sendo organizadas ao longo do tempo, na produção de novos materiais e fontes sobre os mais diversos aspectos do passado e presente do povo de raízes africanas.

    Dos projetos desenvolvidos que suscitaram novas fontes de informação sobre a temática, merece destaque a Lei 10.639/2003 sancionada pelo governo federal em 2003 que altera a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e estabelece as Diretrizes Curriculares para sua implementação na educação nacional. Esta Lei institui a obrigatoriedade da inserção da História da África e dos Africanos no currículo escolar do ensino fundamental e médio, possibilitando o


    resgate histórico e contribuição da população negra na formação e construção do Brasil. Conforme descrição a seguir:


    Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.


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    § 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.


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    § 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.


    Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’ (BRASIL, grifo do autor, 2003).


    Desse modo, ao estabelecer a obrigatoriedade do ensino sobre as temáticas e inclusão de data comemorativa no calendário escolar, fica evidente a necessidade de materiais informacionais que deem suporte a tais ações. A lei por si só já traz consigo novas informações sobre o tema, uma vez que, a partir dela, instrumentos e mecanismos devem ser pensados para sua efetivação, além de suscitar discussões acadêmicas sobre todo o processo, delas gerando novos materiais.

    Estando em vigor esta Lei, segue-se a produção de materiais didáticos, literários e a busca por documentos e fontes históricas para darem subsídios a essa nova necessidade. É nesse contexto, que se faz pertinente a aproximação dos profissionais da CI com sua competência em informação no que concerne aos processos que giram em torno do armazenamento, organização e acesso da informação, pensando tanto na produção quando na recuperação de informação pertinente.


  3. OBJETO DE PESQUISA E INTERESSES DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO


    Considera-se a CI uma Ciência Social Aplicada, que apresenta como objeto de estudo a informação em sua produção e socialização, lançando sobre ela diversos olhares. A CI investiga a informação nos mais variados aspectos científicos e sociais, bem como suas formas de registro e reprodução.

    Para Saracevic (1996, p. 47), a CI é vista como:


    [...] um campo dedicado às questões científicas e à prática profissional voltadas para os problemas da efetiva comunicação do conhecimento e de seus registros entre os seres humanos, no contexto social, institucional ou individual do uso e das necessidades de informação.


    Aceitando essa definição, observa-se organicamente a dimensão concreta da CI enquanto campo de conhecimento, portanto, espaço de processos e de produtos a partir de construções cognitivas, estruturadas por meio da informação como registro ou objeto de conhecimento e capazes de gerar informação como produto desse processo, em contextos caracterizados por distintas naturezas, espaços ou modos de produção.

    A CI se desenvolveu em razão dessas necessidades e dos problemas surgidos ao longo dos anos, decorridos da explosão informacional para a sociedade, uma vez que transmitir o conhecimento para aqueles que dela necessitam é uma responsabilidade social, constituindo-se, desse modo, como uma preocupação dessa área (WERSIG; NEVELING, 1975). Posteriormente, os ambientes virtuais e digitais tornaram-se também artefatos de interesse para as investigações da área, com ênfase nas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), contemplando a


    ideia de preservação e recuperação das informações em ambiente eletrônico.

    A CI compreende a informação como um fenômeno social advindo das distintas relações humanas. Nessa perspectiva, toda e qualquer manifestação humana tem a capacidade de informar, uma vez que está revestida do potencial informativo indireto, diferente do potencial tradicional dos documentos, livros ou quaisquer outros meios diretos de difusão e disseminação da informação. Para Brookes (1979), nas ciências têm-se reconhecido que a fonte primária da informação não é a literatura das ciências, mas sim a observação relevante do fenômeno natural.

    Como fenômeno natural, pode-se destacar as manifestações culturais, caracterizadoras da identidade e determinantes das características de grupos sociais, que advêm pelas experiências e interação dos sujeitos, sofrendo as modificações esperadas pelo agir desses atores sociais.

    Por meio desses processos interativos, sobretudo, as vivências experimentadas pelos sujeitos, são armazenadas e transmitidas às futuras gerações como fontes informacionais que, em certa medida, são moldadas pelas experiências, (re)contextualizações e mutações ao longo do tempo, formando assim, a memória social, a partir das relações estabelecidas na sociedade, entre esses sujeitos sociais.

    Segundo Rodrigues (2012), citando Halbwachs (1992), a memória, como fenômeno social, é construída de forma coletiva e reproduzida ao longo do tempo. A memória social, assim como o patrimônio cultural, é dinâmica, mutável e seletiva; seletiva porque nem tudo o que é importante para um determinado grupo fica gravado na memória ou fica registrado para as gerações vindouras.

    Rodrigues (2012, p. 5) afirma ainda que:


    [...] a identidade reflete todo o investimento que um grupo faz, ao longo do tempo, na construção da memória. Portanto, a memória coletiva está na base da construção da identidade. Esta reforça o sentimento de pertença identitária e, de certa forma, garante unidade/coesão e continuidade histórica do grupo.


    Partindo dessa concepção de Rodrigues (2012), a identidade dos agentes sociais é construída paulatina e constantemente, posto que consolida a memória coletiva desses agentes. Logo, para o sujeito ter o sentimento de pertencimento de uma cultura, ele precisa se identificar, ou seja, se sentir parte dela, para, assim, estar inserido de maneira única e conectada com a trajetória do grupo, fortalecendo a constituição da memória coletiva.

    Entende-se que as manifestações e práticas da cultura afro- brasileira se tornam exemplos materializados da identidade e memória da população negra. Os elementos que constituem essa cultura têm uma relevante contribuição na preservação, conservação, difusão e disseminação da história desse povo. Dessa forma, os registros e produtos advindos dessas manifestações e práticas perpassam as demandas da área da CI.

    No texto “Information as thing”, Buckland (1991) apresenta a informação como tangível, o que inclui textos, documentos e objetos. Para o autor, a informação tem a qualidade de conhecimento comunicado. Por isso, aqui a informação pode ser classificada como tangível e nesse sentido pode ser tratada nas Unidades de Informação: as bibliotecas que tratam os livros, os objetos pelos museus e os documentos administrativos pelos arquivos.

    É importante destacar que, no contexto atual, essas unidades de informação utilizam e se empenham em salvaguardar, preservar e disseminar objetos diversos, não se limitando aos livros e


    documentos arquivísticos mas, também documentos audiovisuais e artefatos relacionados a toda sorte de informação produzida.

    No que se refere à informação, Le Coadic (2004, p. 5) afirma que esta é “um conhecimento inscrito (gravado) sob a forma escrita (impressa ou numérica), oral ou audiovisual”. E acrescenta:

    A informação comporta um elemento de sentido. É um significado transmitido a um ser consciente por meio de uma mensagem inscrita em um suporte espacial-temporal: impresso, sinal elétrico, onda sonora, etc., essa inscrição é feita graças a um sistema de signos (a linguagem), signo este que é um elemento da linguagem que associa um significante a um significado: signo alfabético, palavra, sinal de pontuação (LE COADIC, 2004, p. 5).


    A discussão do autor sobre CI e seu objeto de estudo pauta-se na ideia de que informação é algo passível de ser captado, registrado e representado pela linguagem. Informação é uma forma de comunicação através de um sistema de símbolos que possibilitem a transmissão de mensagens de um sujeito para outro, ou entre grupos.

    É partindo dessas concepções que a CI historicamente tem voltado suas atenções prioritariamente para a informação registrada e, como já foi representada, responde aos problemas informacionais da sociedade, voltando-se à produção e ao uso da informação nos diferentes contextos humanos (SARACEVIC, 1996). Entretanto, ao contrário do que possa parecer, suas demandas ultrapassam as barreiras da escrita e contribuem, ou podem contribuir, para a manutenção de aspectos também intangíveis.


  4. CONTRIBUIÇÕES DA CI PARA AS MANIFESTAÇÕES E PRÁTICAS DA CULTURA DE MATRIZ AFRICANA


    O termo cultura significa todas e quaisquer manifestações, hábitos, lendas, costumes e tradições de um povo (ABREU, 2003;


    LARAIA, 2002). Debater sobre a cultura afro-brasileira configura-se um desafio por demandar reflexões sobre as contribuições da referida cultura na constituição da memória e na formação da identidade cultural, social e política da sociedade.

    A cultura afro-brasileira é um tema que tem despertado interesse nos pesquisadores das Ciências Humanas e Sociais, cujos olhares se voltam a determinadas expressões dessa cultura, sua relação com o espaço e sujeitos, bem como sua importância e necessidade de manutenção. Estudiosos da área já escreveram e continuam escrevendo sobre a sua origem e especialmente perspectivas de ensino e aprendizagem, todavia, a prática de discuti- la na perspectiva do registro e disseminação da informação ainda é tarefa incipiente.

    Torna-se necessário, e ao mesmo tempo uma tarefa desafiadora, versar sobre a temática em questão, sobretudo na perspectiva da Lei nº 10.639/2003.

    No Brasil, a partir da promulgação da Lei nº 10.639/2003 e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, foi estabelecido um marco legal, político e pedagógico de reconhecimento e valorização das influências africanas na formação da sociedade brasileira e do protagonismo da população afro-brasileira na formação social, política e econômica do país (BRASIL, 2014, p. 7).


    Nessa direção, os interesses sobre essa temática sofreram intensificação por conta da promulgação da lei citada anteriormente, nomeadamente, no que diz respeito à produção e disseminação das manifestações e práticas relacionadas ao conhecimento e fazer da população afro-brasileira.

    Dessa população surge o anseio de tornar públicos os materiais impressos e digitais sobre a cultura de matriz afro-brasileira, bem como os projetos executados pela comunidade escolar, associações, organizações não-governamentais e pelos movimentos sociais


    relacionados à constituição da memória e identidade da população afrodescendente. Tais ações tendem a reconstituir e ressignificar a identidade e memória dessa população. Tornando-se ações socioculturais centradas na integração de todos os sujeitos sociais, é possível avaliá-las como ferramenta de transformação e inclusão social, que possibilitam firmar o cenário do pluralismo cultural, consolidando sua contribuição histórica através da integração e disseminação das manifestações e práticas culturais dos afrodescendentes.

    A CI, em relação às propriedades, comportamentos, usos, transmissões e processos de informação, objetiva armazenar e consequentemente recuperar a informação ideal (BORKO, 1968). Nesse sentido, a documentação como fonte de informação, seja ela oral, escrita ou audiovisual, consiste em uma ferramenta primordial na construção de sentidos e conhecimento sobre determinados temas e no que tange à cultura afro-brasileira não seria diferente.

    Segundo Saracevic (1995), na CI existem três propriedades genéricas: o fato de ser interdisciplinar; a inexorável conexão à tecnologia da informação e, uma participação ativa na evolução da sociedade da informação. Essa ciência tem uma significativa extensão social e humanizada, estando inclusive mais à frente da tecnologia, para melhor compreender o passado, presente e futuro da sociedade, abarcando de modo peculiar a documentação existente nos vários suportes, sejam físicos ou digitais.

    Nessa configuração, a documentação como fonte de informação requer um gerenciamento eficaz, de modo a contribuir para a visibilidade e promoção dos artefatos informacionais. No âmbito da cultura afro-brasileira, otimizar o fluxo informacional na recuperação da informação apresenta-se como condição


    imprescindível para o fomento e disseminação de suas ações culturais e educacionais.

    Em relação à CI, é pertinente sinalizar sua intrínseca relação com a cultura afro-brasileira, haja vista que essa ciência é interdisciplinar e plural, já que perpassa por todas as áreas do conhecimento, uma vez que volta seu olhar para os aspectos de interesse à produção e disseminação da informação.

    González de Gomez (2003), com o objetivo de melhor conceituar o domínio de construção do objeto da CI, incorpora à sua definição alguns aspectos, os quais merecem ser levados em consideração, a saber: a) os estratos da ação de informação; b) suas assimetrias e interfaces; c) as modalidades da ação de informação;

    d) os sujeitos das ações de informação; e) os encaixes e enfeixamento entre as ações de informação e os regimes de informação.

    Pode-se afirmar que estas interfaces, segundo a concepção da autora, dialogam com as questões culturais, constituindo-se num interdomínio, conforme os movimentos motivados por interesses e necessidades similares de estabelecimento de relações entre concepções e práticas de origens distintas. Forja-se, portanto, um espaço de representação de relações presentes em um campo de produção científica, passível de ser reconhecido a partir da constituição de um corpus de conhecimento produzido e registrado (BUFREM; FREITAS, 2015).

    Dessa forma, a CI se torna área essencial para auxiliar na tarefa de produção, avaliação, organização e disseminação da mensagem, ou informação, nas instituições públicas e privadas que


    têm em seu acervo vários gêneros documentais5, entre eles os artefatos relacionados à cultura afro-brasileira.

    A produção de informação fica a cargo dos entusiastas, profissionais, pesquisadores e pesquisadoras que se propõem a investigar sobre as temáticas e têm aval da comunidade acadêmica, ou em que estão inseridos, para o exercício de tal tarefa. Podem ser trabalhos iniciais que se caracterizam pelos primeiros passos de exploração do assunto, atualização de conteúdos já investigados que tiveram novas descobertas ou transformações sofridas ao longo do tempo, além disso, podem ser produzidos materiais de mesmo conteúdo, mas com diferentes formatos, seja no que diz respeito à linguagem ou à forma de apresentação no intuito de valorizar as diversas linguagens ou possibilitar o amplo acesso e visibilização.

    Essa produção resulta no que podem ser chamadas de fontes de informação, cuja definição se refere a:


    Todos os materiais ou produtos originais ou elaborados, que trazem notícia ou testemunhos, através dos quais se acessa o conhecimento, qualquer que seja este. [...] tudo aquilo que forneça uma notícia, uma informação, ou um dado. [...] se encontram todos aqueles elementos que, submetidos à interpretação, podem transmitir conhecimento, tais como um hieróglifo, uma cerâmica, um quadro, uma partitura musical, uma fotografia, um discurso, uma tese doutoral e outros (CARRIZO SAINERO, 1994, p. 30 apud MORIGI; BONOTTO, 2004, p. 144).


    Essas fontes, para que seja atestada sua qualidade enquanto transmissoras e geradoras de conhecimento, devem ser submetidas a um processo de avaliação. A avaliação é realizada a partir de critérios preestabelecidos que incluem, principalmente, autoria, atualidade e precisão das fontes. No âmbito da avaliação científica,


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    5 Gêneros documentais são a reunião de espécies documentais que se assemelham por seus caracteres essenciais, particularmente o suporte e a forma de registro da informação, como documento audiovisual, documento bibliográfico, documento cartográfico, documento cinematográfico, documento iconográfico, documento eletrônico, documento micrográfico, documento textual (DICIONÁRIO BRASILEIRO DE TERMINOLOGIA ARQUIVÍSTICA, 2005, p. 89).


    Teixeira (2004) assevera que a produção de informação faz parte, intrinsecamente,

    [...] da metodologia e da prática científica. A avaliação assegura, ainda que seja discutível, a qualidade do trabalho de pesquisa: dos pesquisadores, da equipe, da organização, e de todas as outras instâncias que envolvem o mundo da pesquisa (...) pode também representar um momento positivo do processo de pesquisa. Isto é, um momento de reflexão sobre a evolução de uma discussão, de uma questão, de um método. A questão da avaliação científica é um problema incontornável e deve, por isso, ser enfrentado pela pesquisa interdisciplinar (TEIXEIRA, 2004, p. 65).


    A organização da informação, que também é uma parte importante nesse processo, se dá por meio de mecanismos e instrumentos sistemáticos pensados para que a informação seja disposta e disponibilizada de forma que seu acesso seja rápido, fácil e adequado. É a atividade prática inerente ao fazer profissional relativo ao tratamento da informação, cuja finalidade é possibilitar o encontro e a recuperação da informação como e quando for necessário sem grande dificuldade (CAFÉ; SALES, 2010).

    A disseminação da informação, por conseguinte, é realizada por meio de estratégias pensadas para divulgar os produtos e serviços de determinado espaço, neste caso a unidade de informação; é a etapa em que se faz o percurso entre a informação e o interagente. De acordo com Lara e Conti (2003, p. 26),


    Disseminar informação supõe tornar pública a produção de conhecimentos gerados ou organizados por uma instituição. As tecnologias de informação permitem ampliar o universo de disseminação das informações [...]. A noção de disseminação é comumente interpretada como equivalente à de difusão, ou mesmo de divulgação. Assume formas variadas, dirigidas ou não, que geram inúmeros produtos e serviços, dependendo do enfoque, da prioridade conferida às partes ou aos aspectos da informação e dos meios utilizados para sua operacionalização.


    Nesse sentido, a produção de materiais a respeito da cultura afro-brasileira, legitimada pela Lei nº 10.639/2003, evidencia a importância dos estudos e práticas dos profissionais e das


    profissionais da CI quando se voltam para os processos de produção, avaliação, organização e disseminação da informação. Na concretização do que solicita a lei, estes profissionais passam a ser imprescindíveis nesse contexto, trabalhando em conjunto com outros agentes sociais (arquivistas, historiadores e historiadoras) que são responsáveis pela coleta e armazenamento de informações históricas e documentais que subsidiam a construção dos saberes.

    Para o historiador Chartier (1995), é impossível saber (ou mesmo não interessa descobrir) o que é genuinamente do povo pela dificuldade ou mesmo impossibilidade de se precisar a origem social das manifestações culturais, em função da histórica relação e intercâmbio cultural entre os mundos sociais, em qualquer período da História. As intensas alterações culturais ocorridas ao longo dos séculos interferiram nas ações culturais da humanidade.

    Nesse aspecto, tornam-se pertinentes as ações de visibilidade e fortalecimento da cultura de matriz afro-brasileira, através de aspectos ligados à música, dança, ao culto religioso e aos artefatos que compõem essa cultura, a exemplo do coco de roda, ciranda, maracatu, samba, ijexá, perré, maculelê, candomblé, umbanda, entre outros hábitos, costumes e tradições da população afrodescendente.

    Vale ressaltar que se faz pertinente a realização de pesquisas e ações para a preservação, conservação, disseminação e ressignificação das manifestações e práticas da cultura afro- brasileira, construídas dentro de uma atmosfera cultural, resgatando, preservando, visibilizando e fortalecendo os valores dessa cultura e como consequência, a valorização e construção da cultura do Brasil.


  5. CONSIDERAÇÕES FINAIS


As reflexões realizadas para a produção deste artigo, mais do que concluir, ampliaram os questionamentos sobre a temática em questão, requerendo olhares mais aprofundados, especialmente relacionados aos movimentos que aproximam os domínios da cultura com os da CI e que já vêm sendo debatidos por outros estudiosos. Entretanto, não se pode negar que certas conquistas podem sofrer retrocessos devido a conflitos e contradições, assim como direitos que podem ser regredidos. Daí a importância de manter e trazer à tona a discussão em tela o quanto possível, evidenciando e aproximando campos e grupos que possam construir e contribuir mutuamente.

O estudo, ao apresentar aspectos relacionados à cultura afro- brasileira e a área da CI, mediados pela produção científica, resulta de uma construção interdominial, envolvendo a compreensão das dinâmicas das relações e práticas sociais. Em formas de expressão diversificadas, essas relações envolvem registro, organização, disseminação, acesso, uso e apropriação de produtos informacionais.

Evidenciam-se as ações legais sobre aspectos históricos, manifestações e práticas da cultura de matriz afro-brasileira que forjam e visibilizam, em certa medida, a produção de fontes de informação para preservar, conservar, disseminar e fortalecer a memória e identidade da população negra. Importa ressaltar que a trajetória histórica da população afrodescendente, bem como sua religiosidade, suas manifestações e práticas culturais, compõem a cultura do Brasil.

Seguindo esta direção, destacam-se a Constituição Federal Brasileira de 1988 e a Lei nº 10.639/2003 como fontes de informação fundamentais para disseminar as manifestações e práticas da cultura


de matriz afro-brasileira, garantindo o direito ao pluralismo e diversidade cultural. Essa dimensão legal potencializa, visibiliza e fortalece a memória e identidade da população afro-brasileira, aspirando possibilitar a essa população a ampliação e efetivação de direitos, muitas vezes em discordância com a cultura do capitalismo, acentuada pela lógica neoliberal que, em certa medida, tende a invisibilizar os afrodescendentes.

Enquanto marcos legais, políticos, sociais, econômicos e pedagógicos de reconhecimento e valorização das influências histórico-culturais africanas na formação da sociedade brasileira e do protagonismo dessa população nesse contexto, essas leis são elaboradas em concordância com os direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros, motivos de intensificação dos interesses sobre os temas em questão, neste caso, no que diz respeito à produção e disseminação das manifestações e práticas relacionadas ao conhecimento e ao fazer da população afro-brasileira.

Portanto, ensejando o próprio reconhecimento dessa população por meio da ação de tornar públicos os materiais produzidos sobre sua cultura, bem como os projetos executados pela comunidade, tais ações tendem a reconstituir e ressignificar manifestações e práticas culturais da população negra.

Importa reconhecer que os estudos da cultura de matriz afro- brasileira são evidenciados nas Ciências Humanas e Sociais, tendência também observável na CI, haja vista que essa ciência busca ampliar o diálogo com outras ciências e áreas do conhecimento, bem como contribuir com o desenvolvimento de estudos interdominiais. Além disso, faz-se pertinente a realização de pesquisas e ações para a preservação, disseminação, visibilidade e fortalecimento das manifestações e práticas da cultura afro-brasileira,


levando em consideração a valorização dos elementos históricos, sociais, econômicos, políticos, ideológicos, identitários e memorialísticos da população negra.

Nesse sentido, reforça-se a ideia de que a produção, a avaliação, a organização e a disseminação da informação, são processos constituintes da CI, relacionam-se com o que é produzido nas diversas áreas dos conhecimentos, sobre os mais variados temas. E, a partir desse entendimento, evidenciam-se as possíveis contribuições da área aos estudos da cultura de matriz afro-brasileira, bem como a colaboração com outros profissionais que seguem nesta empreitada. Espera-se, ainda, com essa reflexão inicial, conservar acesas as discussões sobre o tema, considerando a conjuntura social vigente.


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