Planejamento e tendências de marketing para bibliotecas
Marketing planning and trends for libraries Planificación de marketing y tendências para bibliotecas
Planification et tendances du marketing pour les bibliothèques
Correspondência
Autor para correspondência. Jorge Moisés Kroll do Prado E-mail: jorge.exlibris@gmail.com
ORCID: ORCID do autor para correspondência, com
https://orcid.org/0000-0002-7287-8133
Submetido em: 06/12/2021 Aceito em: 10/02/2022 Publicado em: 01/05/2022
1 Doutor em Ciência da Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação na Universidade Federal de Santa Catarina (PGCIN/UFSC).
Objetiva apresentar reflexões sobre o conceito do marketing a partir da perspectiva de seu planejamento e do elenco de tendências e estratégias para sua aplicação. Trata-se de um texto ensaísta construído a partir de revisão de literatura da Administração, mais especificamente da literatura clássica do tema, bem como apresentação descritiva dos conceitos. São apresentadas e detalhadas nove etapas para o planejamento de marketing em bibliotecas, a saber: diagnóstico da biblioteca, análise de ambiente, análise de concorrência, definição de público-alvo, definição de objetivos de marketing, uso e atribuição de métricas, identificação de estratégias, orçamento e elaboração do plano de marketing. Entre as tendências e estratégias de marketing, sabe-se que muitas estão alicerçadas pelo uso de tecnologias de informação e comunicação, portanto, o intuito não foi o de apresentar uma lista exaustiva das mesmas, mas apontar algumas possibilidades que possam ser alinhadas à realidade das bibliotecas. Infelizmente na Biblioteconomia brasileira, ao longo de dez anos pesquisando sobre o tema, é possível perceber uma relação conflituosa, no sentido teórico, da compreensão do que seja marketing. Isso impacta em planejamentos que são deficitários e que não conseguem sustentar por um período mais longo ações e canais utilizados para fins de promoção, como as mídias sociais. Pontua-se, por fim, que é necessário um olhar mais atento buscando compreender marketing a partir de uma perspectiva sistêmica e enquanto um processo que depende de diferentes atores, atividades e tarefas para seu sucesso. Palavras-chave: Gestão de bibliotecas. Marketing de bibliotecas. Planejamento estratégico. Tendências em marketing.
Presents reflections on the concept of marketing from the perspective of its planning and the list of trends and strategies for its application. It is na essay text built from a literature review on Management, more specifically from the classic literature on the subject, as well as a descriptive presentation of the concepts. Nine steps for library marketing planning are presented and detailed, namely: library diagnosis, environmental analysis, competition analysis, targeting, definition of marketing objectives, use and assignment of metrics, identification of strategies, budget, and preparation of marketing plan. Among the trends and marketing strategies, it is known that many are based on the use of information and communication technologies, therefore, the intention was not to presente an exhaustive list of them, but to point out some possibilities that can be aligned with the reality
of libraries. Unfortunately, in Brazilian Library Science, over tem years of research on the subject, it is possible to see a conflicting relationship, in the theoretical sense, in the understanding of what marketing is. This impacts on plans that are deficiente and that cannot sustain for a longer period actions and channel used for promotion purposes, such as social media. Finally, it is pointed out that a closer look is necessary, seeking to understand marketing from a systemic perspective and as a process that depends on different actors, initiatives and tasks for its success.
Tiene como objetivo presentar reflexiones sobre el concepto de marketing desde la perspectiva de su planificación y el listado de tendências y estrategias para su aplicación. Se trata de um texto ensayista construido a partir de una revisión de la literatura sobre Administración, más especificamente de la literatura clásica sobre el tema, así como una presentación descriptiva de los conceptos. Se presentan y detallan nueve pasos para la planificación del marketing bibliotecario, a saber: diagnóstico bibliotecario, análisis ambiental, análisis de competência, focalización, definición de objetivos de marketing, uso y asignación de métricas, identificación de estrategias, presupuesto y elaboración de plan de marketing. Entre las tendências y estrategias de marketing, se sabe que muchas se basan en el uso de tecnologias de información y comunicación, por lo que la intención no fue presentar una lista exhaustiva de ellas, sino señalar algunas posibilidades que se pueden alinear con la realidad de bibliotecas. Lamentablemente, en la Bibliotecología brasileña, a lo largo de diez años de investigación sobre el tema, es posible percibir una relación conflictiva, en el sentido teórico, en la comprensión de lo que es el marketing. Esto impacta en planes que son deficientes y que no pueden sostener por más tempo las acciones y canales utilizados con fines de promoción, como las redes sociales. Finalmente, se señala que es necesaria una mirada más cercana, buscando entender el marketing desde una perspectiva sistémica y como un proceso que depende de diferentes actores, atividades y tareas para su éxito.
Cet article vise à présenter des réflexions sur le concept de marketing du point de vue de sa planification et de la liste des tendances et des stratégies pour son application. Il s'agit d'un essai basé sur l'examen de la littérature de l'administration, plus précisément de la littérature classique sur le sujet, ainsi que sur la présentation descriptive des concepts. Neuf étapes pour la planification du marketing dans les bibliothèques sont présentées et détaillées, à savoir : le diagnostic de la bibliothèque, l'analyse de l'environnement, l'analyse de la concurrence, la définition du public cible, la définition des objectifs de marketing, l'utilisation et l'attribution des mesures, l'identification des stratégies, le budget et la préparation du plan de marketing. Parmi les tendances et les stratégies de marketing, on sait que beaucoup sont basées sur l'utilisation des technologies de l'information et de la communication. Par conséquent, l'objectif n'était pas d'en présenter une liste exhaustive, mais d'indiquer quelques possibilités qui peuvent s'aligner sur la réalité des bibliothèques. Malheureusement, dans la bibliothéconomie brésilienne, au cours des dix années de recherche sur ce thème, il est possible de constater une relation conflictuelle, au sens théorique, de la compréhension de ce qu'est le marketing. Cela a un impact sur la planification du déficit et ne permet pas de soutenir à long terme les actions et les canaux utilisés à des fins de promotion, tels que les médias sociaux. Enfin, il est souligné qu'il est nécessaire de porter un regard plus attentif en cherchant à comprendre le marketing dans une perspective systémique et comme un processus dont le succès dépend de différents acteurs, activités et tâches.
APROXIMAÇÕES INICIAIS ENTRE MARKETING E BIBLIOTECAS
As reflexões, questionamentos, articulações e proposições que aqui se apresentam seguem o fio condutor adotado nas palestras ministradas em oportunidade do “Seminário Inovação, Marketing e Mídias Sociais” ofertado na disciplina “Serviços de Informação” do curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Ceará.
Entretanto, o conteúdo dessas falas é uma construção dos últimos dez anos de pesquisa aos quais venho me dedicando.
Quando falamos de marketing na Biblioteconomia e Ciência da Informação, rapidamente nos remete à promoção de serviços e produtos oferecidos pelas bibliotecas. É salutar que este é um aspecto importante e demonstra o que vem sendo realizado pelos profissionais, mas não deve se limitar a isso. Em algumas edições do Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação e do Seminário Nacional de Bibliotecas Universitárias, bem como outros eventos, cursos e mesmo troca de e-mails e mensagens em mídias sociais com pessoas interessadas no tema, as dúvidas, dificuldades e até algumas limitações costumam ser as mesmas: “Não tenho tempo para marketing”, “Ninguém curte os posts da biblioteca”, “Só bibliotecários interagem nas mídias sociais de minha biblioteca”, “Não consigo alcançar engajamento com minha comunidade”.
O uso de mídias sociais para marketing tem sido uma grande tônica no trabalho das bibliotecas, entretanto, o que se percebe é uma busca desenfreada por um engajamento que não é orgânico e não representa de fato o interesse da comunidade atendida (ainda mais em tempos de algoritmos). É necessário retomar conceitos básicos sobre marketing, entendê-lo como um grande processo, que é construído e desenvolvido por técnicas, ferramentas e métodos. Enquanto nossas bibliotecas continuarem idealizando o marketing como promoção de seus serviços e produtos unicamente, estes equívocos e decepções profissionais continuarão a existir.
Desta forma, o intuito deste artigo, inicialmente, é elucidar o conceito de marketing a partir da literatura da Administração, mais especificamente da literatura clássica como base metodológica de levantamento bibliográfico e descritivo. Neste espectro, considera-se
como alvo que o leitor finalize este artigo compreendendo melhor as diferenças entre marketing e outros conceitos que se entendem como sinônimos de maneira errônea. Por conseguinte, apresenta-se a necessidade de planejar as etapas de marketing e como fazê-lo, indiferente de ser ambiente online ou não. Por fim, apresentam-se algumas tendências da área passíveis de aplicação no contexto das bibliotecas.
ASPECTOS CONCEITUAIS DE MARKETING
Podemos considerar que as primeiras menções ao termo “marketing” afluem do início dos anos 1900, em um contexto mercadológico predominantemente. Entretanto, atividades alusivas ao que hoje consideramos sobre o conceito podem ser pontuadas de diferentes períodos históricos, como o trabalho com marcas ainda da Idade Média, em que pequenos suinocultores diferenciavam seus animais para venda a partir de marcação a ferro quente na pele, geralmente as iniciais de seu nome; ou então os pregoeiros, na antiguidade clássica, que eram responsáveis por vendas de produtos e escravos ou ainda a partir das forças produtivas no século XV e o surgimento do capitalismo.
O desenvolvimento do marketing é alicerçado pelas relações interacionistas entre mercado e academia, acompanhando as dinâmicas políticas, culturais, sociais e econômicas ao longo dos anos. Desta forma, a literatura da área tem várias formas de explicar sua consolidação conceitual, seja a partir de eras, de marcos teóricos, escolas de pensamento ou fases. Com nomes diferentes, todas ainda assim retratam o contexto de cada época.
O primeiro argumento que é necessário destacar é a atuação da American Marketing Association, entidade de classe que desde 1937 consegue reunir as reflexões teóricas das universidades com o dinamismo de mercado. Ao longo dos anos, entre tantas ações realizadas, a instituição tem se dedicado a apresentar um conceito para marketing que possa ser utilizado globalmente. Na última versão, de 2013, marketing é uma “atividade, conjunto de instituições e processos para criar, comunicar, entregar e trocar ofertas que tenham valor para os clientes, parceiros e sociedade em geral”.
A evolução deste conceito reflete também os estudos desenvolvidos em torno do marketing. Wilkie e Moore (2003) apresentam quatro eras que agrupam as circunstâncias em torno do desenvolvimento da área. De 1900 a 1920 há o que se chama de Fundamentos de marketing, onde surgem os primeiros cursos e um foco das atividades dedicado à distribuição dos produtos comprados. Logo, o grande esforço estava em investigar todas as funções alinhadas a esta perspectiva, como a classificação dos produtos, as finanças, o transporte, as vendas, entre outras.
Após esta fase mais operacional e funcional, a área começa a ser formalizada com os primeiros periódicos científicos, eventos e entidades que trabalham em torno da base teórica do marketing. Este período é compreendido entre as décadas de 1920 e 1950 e é a primeira vez que o conceito é observado de maneira mais sistêmica, enquanto um processo com etapas relacionadas (ALDERSON, 1954). Algumas teorias econômicas também fecundam neste período para estudar as relações entre fornecedor, produtor e consumidor.
De 1950 a 1980 surge uma era de mudança de paradigmas, em que se vislumbram mudanças em torno do conceito, muito em virtude da influência de pensadores e profissionais oriundos de
outras áreas do conhecimento. É o primeiro momento em que o marketing perde seu enfoque no produto e direciona-se para o consumidor, em que tudo que é realizado dentro das organizações começa a alinhar-se às expectativas e necessidades daqueles que consomem. Andreasen (1977) destaca os aspectos relacionados ao comportamento do consumidor, ao seu poder de compra, ao consumo mais inteligente.
E por fim, a partir dos anos 1980, há um movimento de intensificação dessas mudanças do período anterior. Cresce o número de publicações e pesquisas para expandir o conceito, criar e fortalecer relações interdisciplinares, enquanto o mercado dedica-se a trabalhar em torno dos relacionamentos entre quem produz e quem consome. Organizações do terceiro setor e outras entidades sem fins lucrativos passam a se profissionalizar cada vez mais com seus trabalhos em torno do marketing, bem como as produções dedicadas a elas crescem vertiginosamente.
Outra forma de analisar e conhecer a evolução de marketing, inclusive pouco explorada pela literatura da Biblioteconomia e Ciência da Informação no Brasil (PRADO; PINTO, 2018), são as doze escolas de pensamento propostas por Sheth, Gardner e Garrett (1988) organizadas em quatro grupos (Quadro 1):
GRUPOS | CARACTERÍSTICAS | ESCOLAS |
Não-interativas e econômicas | Enfoque para o produto e em todas as atividades dedicadas à produção, entrega, comercialização e venda. Havia certa preocupação em como vender bastante, observando os pontos de entrega e como satisfazer clientes com baixo custo conforme localizações geográficas. |
Commodity;
Funcional;
Regional.
Autores de base das Escolas Não-Interativas e Econômicas: Rhoades (1927), Aspinwall (1958), Holton (1958), Weld (1917) | ||
Interativa e econômica | Instituições de ensino e pesquisa, bem como o mercado, começam a perceber as influências sociais nos comportamentos de compra, ou seja, as variáveis psicológicas envolvidas nas transações de marketing. Além desse aspecto, destaca-se uma busca por entender o marketing enquanto um processo em um organismo sistêmico. | |
Autores de base das Escolas Interativas e Econômicas: Alderson (1954), Levitt (1960), Borden (1954), Smith (1956) | ||
Não-interativas e não-econômicas | Envolve os estudos e práticas em torno do indivíduo e da sociedade como um todo. As escolas de pensamento dedicam-se a compreender como o marketing impacta as pessoas e como influenciam a economia, a política e até mesmo a psicologia das relações humanas em torno da aquisição de produtos e realização de serviços. | - Comportamento do consumidor; - Ativista; - Macromarketing . |
Autores de base das Escolas Não-Interativas e Não-Econômicas: Sheth (1967), Festinger (1957), Katz e Lazarsfeld (1955), Beem (1973), Andreasen (1977), Caplovitz (1963), Bartels e Jenkins (1977) | ||
Interativas e não- econômicas | Perspectiva interacionista, em que todos os atores envolvidos em cada função de marketing são peças essenciais para sua eficiência e eficácia. Busca compreender como cada um influencia na satisfação e no alcance das necessidades do consumidor. | |
Autores de base das Escolas Interativas e Não-Econômicas: Bertalanffy (1968), Kuhn (1963), Bell (1966), McInnes (1964), Kotler (1972), Bagozzi (1974). |
Institucional;
Funcionalista;
Administrativa.
Dinâmicas organizacionais;
Sistêmica;
Trocas sociais.
Fonte: Adaptado de Sheth, Gardner e Garrett (1988) e Miranda e Arruda (2004).
É importante compreender que estas doze escolas não possuem início e término definidos, pois justamente devem ser
entendidas como escolas de pensamento, como correntes teóricas. Anos mais tarde, um dos autores afirma que poderiam ser ainda acrescidas outras três novas escolas, que são Orientação de Marketing, Estratégia Competitiva e Marketing de Relacionamento (SHETH, 2011).
Quando observamos esta linha do tempo, é possível assimilar que o marketing está muito além do aspecto da promoção e divulgação, como infelizmente a Biblioteconomia brasileira vem limitando o termo. Agora, com o uso de mídias sociais, este equívoco ganha mais força, pois se estabelece uma ideia de que o marketing acontece nestes espaços, descaracterizando seu planejamento, avaliação e atuação sistêmica. Esta visão limitada pode ser prejudicial não somente para o campo, mas para os profissionais atuantes em bibliotecas e outros ambientes informacionais. Por conta disso, para ampliar e desmistificar esta visão, o próximo item deste artigo esmiúça as etapas do planejamento de marketing, a importância de cada uma delas e como as concebemos em nossa área de conhecimento.
PLANEJAMENTO DE MARKETING
A função do planejamento, em qualquer esfera, é essencial para qualquer tipologia de biblioteca e porte. Se equipada com mais recursos, munida de equipe e tendo à disposição recursos financeiros, ou então em um panorama mais próximo do real no Brasil, com a escassez de recursos (financeiros, tecnológicos e humanos); planejar com antecipação é estar mais preparado para o uso e gestão inteligentes da biblioteca.
Com o marketing não poderia ser diferente. Sendo um processo sistêmico, transdisciplinar e focado nas trocas que podem ser estabelecidas em um ambiente, ele é constituído de diferentes etapas. Na literatura específica da área, há várias abordagens e técnicas que podem ser utilizadas, inclusive variando conforme o nível (operacional, tático e estratégico) ou estratégia (transmídia, conteúdo, digital, guerrilha, produto, relacionamento, entre outras). Para este texto, serão apresentadas etapas gerais e comuns a todo planejamento, a partir das contribuições de Prado (2015), Magalhães e Sampaio (2007), Ambrósio (2007) e Kotler e Keller (2019).
A primeira etapa trata-se do diagnóstico da biblioteca, em que são elencados os produtos, serviços, estrutura, equipe e diferenciais que a contemplam. Uma descrição detalhada deve ser realizada, para que se tenha um número adequado de itens a se observar posteriormente em nível estratégico. Algumas ferramentas podem ajudar neste início, sendo a análise SWOT uma das mais conhecidas e simples de se aplicar, visto que ela pontua os pontos fortes e fracos, bem como as fraquezas e oportunidades.
Ao ter o reconhecimento escrito da biblioteca, a segunda etapa irá se dedicar para a análise de ambiente de negócios ou de mercado. Infelizmente, na Biblioteconomia não se costuma escrever ou utilizar termos como “negócio” e “mercado” pois aparenta trazer uma visão capitalista que não tem aderência para as bibliotecas. Entretanto, fora do Brasil, esta realidade é muito comum e as bibliotecas são geridas como negócios (mesmo as públicas e comunitárias). A construção de um olhar mais estratégico para a gestão da biblioteca pode ser algo oportunizado pelo marketing, se devidamente realizado e entendido não somente como sinônimo de promoção ou divulgação.
Desta forma, realizar a análise de ambiente proporcionará detalhamento sobre suas comunidades, seu público-alvo e potencial, bem como conhecer características econômicas, políticas, culturais e demográficas. Todos estes fatores podem interferir na atuação da biblioteca e ela os reconhecendo ofertará atividades mais assertivas a esta realidade. Além deste olhar mais amplo, a análise de ambiente pode ser mais pontual, observando outras bibliotecas com serviços semelhantes, ameaças de concorrentes (como livrarias virtuais, pirataria, novas tecnologias etc.), poder de negociação junto a fornecedores, entre outros.
Ao reconhecer o ambiente, é comum estabelecermos bibliotecas vistas como benchmarking (com as quais nos inspiramos) e concorrentes. Assim, a terceira etapa do planejamento de marketing dedica-se à análise de concorrência, que também é um termo pouco utilizado na Biblioteconomia por inúmeras razões, sendo uma das principais o entendimento de que bibliotecas não concorrem entre si. Por outro lado, esta concorrência não deve ser compreendida como um aspecto negativo, mas sim como antecipação de atuação, visando encontrar novos insights e tendências.
Após estas duas primeiras grandes etapas do planejamento de marketing, que são o diagnóstico e a análise de ambiente pelas perspectivas ampla e específica, é importante a biblioteca reconhecer o seu público (real e potencial). Esta quarta etapa pode ser alcançada por um instrumento muito comum na literatura da área que é o estudo de usuário.
As bibliotecas buscam conhecer suas comunidades a partir de questionários (algumas utilizam também entrevistas) que em seguida tem suas respostas tabuladas e analisadas. O formato pode ser
bastante rico, desde que o instrumento de coleta de dados seja construído de acordo com o propósito e objetivo daquele estudo (construção adequada das questões, questionários separados para público real e público potencial, período de coleta adequado). É necessário inclusive que as respostas coletadas direcionem não somente o planejamento de marketing da biblioteca, mas o seu próprio planejamento estratégico. Outra forma de conhecer seu público, principalmente o potencial (aquele que a biblioteca deseja alcançar), é pela construção de personas. É possível prospectar alguns perfis e criar produtos e serviços que atendam às necessidades de cada um.
A quinta etapa é mais direcionada à operação de marketing, de fato, em que se definem os objetivos do seu planejamento. Há várias formas de se fazer esta definição, que podem se alinhar a um produto específico, à imagem da biblioteca, à criação de algo novo, à atuação em ambientes digitais, entre outras. Os objetivos precisam ser adequados à realidade de cada biblioteca, para que possam ser alcançados ou mesmo que não seja possível, que ao final se encontrem as falhas que levaram ao não alcance.
Recomenda-se estipular objetivos mais diretos e que possam ser agrupados a uma meta maior. Se a biblioteca deseja ampliar sua presença digital (meta maior), ela pode definir como objetivos ter um acréscimo específico no número de seguidores nas mídias sociais, a construção de um site responsivo, mais visitas ao site, mais engajamento, entre outros.
Todo o planejamento precisa ser avaliado de tempos em tempos, visto que posteriormente ele precisará ser atualizado. Esta avaliação decorre do uso de métricas que apoiam na análise de como os objetivos vão sendo alcançados ou não. É possível atribuir
métricas distintas a cada objetivo, sendo esta a sexta etapa do planejamento estratégico, e de acordo com a natureza dos mesmos. Aqueles que são mais quantitativos, irão se atribuir de métricas com este alinhamento, já os qualitativos, com outras. Alguns exemplos de uso de métricas são o crescimento de audiência nas mídias sociais, movimentação do acervo, retorno sobre o investimento em novos produtos e serviços e feedbacks da comunidade.
As métricas precisam ser acompanhadas periodicamente e cada uma possui um período específico. Algumas, inclusive, são determinadas para um acontecimento pontual (como a organização de um evento pela biblioteca). Será a partir deste acompanhamento que o planejamento de marketing será avaliado e remodelado com novos objetivos e estratégias.
A sétima etapa busca apontar as estratégias e táticas que serão utilizadas de acordo com os objetivos elencados. É possível identificá-las a partir de tendências, técnicas e modelos (como marketing de conteúdo, inbound marketing, marketing de relacionamento, etc.) ou pela composição dos 4 Ps do marketing (preço, praça, produto e promoção). Ao optar por esta, definem-se as estratégias de elaboração de preço, a construção do produto com técnicas de branding, por exemplo, como ele será veiculado, entre outros elementos. Importante destacar que um objetivo de planejamento de marketing pode se atribuir de mais de uma estratégia.
Uma das etapas mais críticas de todo este planejamento, é a do orçamento (oitava etapa). Há uma certa insegurança em saber definir o valor que a biblioteca tem para a comunidade em que atua (ou até mesmo para os superiores imediatos) e a construção deste orçamento é alinhada com estes valores a serem entregues. Por
trabalhar com produtos que nem sempre são físicos e fáceis de medir, há um ciclo de retroalimentação de não conseguir justificar um investimento financeiro. Esta etapa deve estar alinhada com cada objetivo, mas observando as estratégias adotadas para alcançá-los. Algumas delas requerem um investimento maior para que possam ser executadas, já outras podem ser difíceis de acompanhar.
Por último, identifique todas as etapas em um documento construído e compartilhado com toda a equipe, chamado de plano de marketing. Este material precisa ter um prazo que embase as tomadas de decisão em torno da biblioteca e que novos objetivos possam ser alcançados. A figura 1 ilustra todas estas etapas:
Fonte: Elaborado pelo autor (2021)
O planejamento de marketing precisa ter os detalhes necessários para que possa ser bem executado, avaliado e acompanhado. Entretanto, ele precisa ter certa fluidez que permita a gestão realizar pequenas mudanças durante o percurso. Certos elementos do planejamento, principalmente quando não estão funcionando, podem ser readequados para permitir maior aderência e funcionalidade junto aos objetivos elencados.
TENDÊNCIAS E ESTRATÉGIAS DE MARKETING
Como visto na seção anterior, uma das etapas necessárias para o alcance de marketing é a definição de estratégias. Algumas delas, principalmente por influência do digital, costumam ser compreendidas como tendências, já que o uso de tecnologias de informação e comunicação apresenta-se como cerne. Aqui, apresento algumas delas sem a pretensão de ser uma lista exaustiva. São estratégias que conheci ao longo do meu percurso enquanto pesquisador, mas também em minha própria formação e atuação.
Marketing de conteúdo: chamado também de inbound marketing, busca atrair o público a partir de conteúdos gerados pela própria biblioteca. É importante ter o discernimento de que este tipo de marketing não contempla o compartilhamento de conteúdo unicamente, mas sim a sua criação para posterior disseminação. Os blogs são espaços bastante propícios para esta estratégia no caso de conteúdos que sejam mais textuais (REZ, 2016). As etapas que contemplam esta estratégia são o planejamento, a definição de público, criação de conteúdo, distribuição e mensuração.
Marketing de relacionamento: também com mais enfoque nas pessoas, esta estratégia coopera de maneira significativa para a consolidação de uma marca da biblioteca, que pode ser lembrada por um bom atendimento, por exemplo, ou na eficiência na entrega dos serviços realizados. Barreto e Crescitelli (2013) afirmam que quanto mais as ações deste tipo de marketing buscarem encontrar fãs da biblioteca, mais assertivo ele estará sendo. Alguns canais que podem ser utilizados para isso é o próprio serviço de referência, o atendimento, e-mail marketing, chatbots e mídias sociais.
Marketing de guerrilha: talvez uma das estratégias de maior impacto visual, visto que seu intuito é ser memorável e impactante. Ela foi criada na década de 1970, inspirada pela Guerra do Vietnã, em que o poder de guerrilha era muito menor, mas ainda assim conseguia causar bastante impacto. As características desta estratégia estão principalmente no uso da criatividade, com ações impactantes e alto teor publicitário (CAVALCANTE, 2012).
Marketing sazonal: provavelmente uma das estratégias mais utilizadas pelas bibliotecas, pois não é incomum vermos atividades relacionadas com datas comemorativas e mais atualmente com movimentos sociais. Esta estratégia busca promover algo da biblioteca ao se alicerçar em fatores externos (como por exemplo, dia da consciência negra, eventos culturais, estações do ano, entre outras).
Marketing digital: tem sido um dos mais presentes na literatura e no discurso da Biblioteconomia, visto o crescimento no uso de mídias sociais, mas esta estratégia contempla várias ferramentas e canais. Embora aconteça o equívoco de limitar o
marketing digital a posts em mídias sociais, esta estratégia vai além disso, pois envolve pesquisa de mercado, uso de métricas para avaliação, definição de público-alvo e praticamente todas as demais etapas de um planejamento offline.
Saber identificar as estratégias mais adequadas para o planejamento de marketing é essencial, bem como utilizar as ferramentas e tecnologias ideais para as perspectivas da comunidade atendida. Algumas tipologias de bibliotecas possuem relação mais estreita com certas mídias sociais, por exemplo, como a escolar com TikTok, especializada com mídias de segmentação, entre outras.
Tendências de técnicas e aparatos também são importantes para se considerar. Sites responsivos, com acessibilidade e adequados para cada tipo de tela são elementos básicos e servem como uma das primeiras fontes de contato entre o público e a biblioteca. Se equipados com funcionalidades sociais (como compartilhamento e demais ações de engajamento), bem como utilizando ferramentas como chatbots, os sites podem servir como um excelente espaço de ambientação da biblioteca, podendo inclusive ganhar tempo na solução de dúvidas simples.
Entre estratégias, ferramentas e técnicas, indiferente da escolhida, a equipe da biblioteca precisa considerar a disponibilidade que terá para as atividades de marketing. Infelizmente é muito comum a maioria destes espaços ficarem desatualizados por motivos que geralmente seriam solucionados ou evitados com um bom planejamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reflexões apresentadas neste artigo são oriundas das palestras ministradas em duas edições do Seminário “Inovação, marketing e mídias sociais”, da disciplina de Serviços de Informação do curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Ceará, oportunizada pela Profa. Dra. Gabriela Belmont de Farias. Por conseguinte, o que se explorou durante estes momentos nada mais foi que a construção coletiva de estudos, pesquisas, conversas e leituras sobre o tema de marketing ao longo destes dez anos.
Em quarenta anos de produção científica da Ciência da Informação Brasileira, o tema marketing tem sido recorrente desde 1985 somente, em virtude do primeiro artigo publicado sobre o assunto (PRADO; PINTO, 2018). Temos uma investigação e produção ainda tímidas, mas repleta de oportunidades para os profissionais que desejam ampliar a visão, atuação e articulação estratégica.
Pontuei neste texto uma limitação teórica que venho acompanhando, tanto no discurso dos profissionais, quanto nas publicações sobre marketing oriundas da Biblioteconomia brasileira e, por isso, fundamentei o objetivo deste artigo em trazer a importância, bem como as etapas de planejamento de marketing. Entretanto, longe de propiciar um passo-a-passo, uma “receita de bolo”, é desejoso que com a leitura destes parágrafos fique mais evidente que há um processo que precisa ser visto, trabalhado e compreendido de maneira sistêmica.
Arrisquei-me, por fim, em apresentar algumas tendências de estratégias de marketing que podem ser utilizadas facilmente em bibliotecas. Propus soluções mais atemporais de modo a não datar o artigo e não limitar o assunto somente ao uso de tecnologias. Saber
fazer escolhas no planejamento de marketing é uma competência a ser trabalhada e exercitada sempre.
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