Os dispositivos: questões documentárias1
Viviane COUZINET2
1 COUZINET, Viviane. Les Dispositifs : questions documentaires. In: GARDIÈS, Cécile. Approche de l’information-documentation: concepts fondateurs. Toulouse: Cépadues, 2011. ch. 2-1, p. 117-130.
2 Professora titular de Ciências da informação e da comunicação. Universidade de Toulouse, Laboratório de Estudos e Pesquisa Aplicada em Ciências Sociais, LERASS EA 827 Universidade de Toulouse, Laboratório de Estudos e Pesquisa Aplicada em Ciências Sociais, LERASS EA 827; Equipe de pesquisa Mediações em informação- comunicação especializada (MICS) 115 B, route de Narbonne, 31077 Toulouse – França. viviane.couzinet@iut-tlse3.fr
3 Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Universidade Federal de Sergipe. Pesquisadora CNPq. Membro da Rede MUSSI. marthasuzana@hotmail.com
4 Professora titular do Instituto de Ciência da Informação da UFBA, integra o Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação do Instituto de Ciência da Informação da UFBA. Membro da Rede MUSSI. Kcarvalho560@gmail.com
INTRODUÇÃO
Etimologicamente, o termo dispositivo relaciona-se, em primeiro lugar, com a lei e diz respeito "ao enunciado final de uma sentença que contém a decisão do tribunal". Depois passou para a linguagem militar para designar todos os meios arranjados de acordo com um plano (1797, sistema de defesa); seu significado comum "a maneira como os órgãos de um aparelho são arranjados (por volta de 1860) deu origem ao sentido figurativo de arranjo", ao contrário de "a diferença na disposição, é relativamente independente do verbo dispor" (REY, 1995)5.
Aqui, trata-se de favorecer o ingresso pela documentação, entendida como um processo de mediação que visa facilitar o acesso ao documento e ao seu conteúdo em um determinado contexto. Completar a comunicação entre o conceito de dispositivo com a introdução da função informacional permite posicioná-lo como um conceito fundamental nas Ciências da Informação e da Comunicação. Após um conjunto de definições, faremos a distinção entre dispositivo primário e dispositivo secundário e, em seguida, retornaremos às noções de sociedade da informação e dispositivo documental para mostrar suas possíveis interseções.
DEFINIÇÕES
A partir da definição histórica, podemos considerar que um dispositivo é essencialmente um agrupamento de elementos. Contudo, tem também a particularidade de ser sustentado por uma
5 REY, Alain. Dispositif. Dictionnaire historique de la langue française, 1995. p. 613.
intenção de "articular meios até um fim" (MEUNIER, 1999), ela própria ligada a uma situação que impõe restrições e limites. Além disso, um dispositivo faz parte de um conjunto composto por objetos "da mesma natureza que o precedem e o seguem" (METZGER, 2002). É, portanto, constituído por ligações e objetos que se articulam entre si.
O conceito de dispositivo
O conceito de dispositivo está presente em muitas ciências e principalmente nas ciências da engenharia, onde ocupa um lugar central. Designa um elemento de um sistema, ou seja, um elemento de um conjunto, com uma finalidade muito específica, que permite a esse conjunto produzir uma ou mais ações próprias. Estes são sustentados pela lógica organizacional específica para as profissões das quais dependem, seus padrões e seu saber fazer. É, portanto, o aspecto técnico e instrumental que predomina.
Em geral, os meios e mecanismos que garantem o funcionamento de um dispositivo dependem do contexto em que ele se "organiza" e "se coloca à disposição" (BERTEN, 1999) É dependente e inseparável de um ambiente, que é simultaneamente um local de emergência e um local de dependência para a reunião de recursos. Também possui dimensões humanas ligadas ao contexto social de sua construção, sua implantação e as problemáticas que representa, pois tem a “função primordial de responder a uma emergência” (FOUCAULT, 1977).
Certas ciências, portanto, mantêm a abordagem social. A maioria dos sociólogos admite que o comportamento dos indivíduos depende das estruturas nas quais eles se encaixam. As pessoas
pertencem, de fato, a categorias, mas também a redes de relações e restrições nas quais ocorre o processo de troca (DEGENNE; FORSÉ, 1994). Um dispositivo é, então, um quadro de ação dotado de características que o estruturam. O constrangimento, o controle e a relação de poder exercidos sobre o povo foram destacados por Michel Foucault (FOUCAULT, 1975). Em contrapartida,
os debates contemporâneos em semiótica (ciência dos signos) tendem, ao contrário, a fazer do dispositivo um conjunto de condições de comunicação que, longe de restringi-lo estritamente, só adquirem sentido pleno quando interpretado e apropriado pelos atores sociais (JEANNERET, 2005).
No contexto documental, um dispositivo pode ser abordado como um conjunto de elos que unem aquele que produz a informação, aquele que permite sua circulação, aquele que intervém para facilitar a distribuição e finalmente aquele que é capaz de se apropriar dela como conteúdo, permitindo que seja disseminado. Baseia-se, então, em uma rede "estrutura de interconexão instável, composta por elementos em interação, e cuja variabilidade obedece a alguma regra de funcionamento" (MUSSO, 2001). Visto que nela as relações entre "pessoas e objetos, sujeito e objeto, as relações se estabelecem de forma interdependente", a noção de dispositivo permite levar em conta essa dimensão dos fenômenos sociais (PEETERS, CHARLIER, 1999). Em seguida, é necessário substituí- lo no campo de referência a que se refere a documentação.
Dispositivo nas Ciências da Informação e da Comunicação
Se nos referirmos à definição do conceito de informação tal como foi colocado em um capítulo anterior deste trabalho6, enfocar a noção de dispositivo nas Ciências da Informação e da Comunicação implica considerar suas formas, seus conteúdos e nos "meios pelos quais emprega e os mecanismos que garantem o seu funcionamento” (MEYRIAT, 1983). Nesse processo comunicacional, a informação é o conteúdo cognitivo da comunicação. A informação pode, de fato, ser definida, segundo Jean Meyriat, como conhecimento comunicado. É "o conteúdo da comunicação a partir do momento em que os atores nela reconhecem um significado, atribuem a ela uma forma mental inteligível" (MEYRIAT, 1983). A passagem do estado de informação latente para o de informação ativada é efetuada pela "forma dada pela atividade mental dos comunicadores". Este sentido, atribuído ao conteúdo da comunicação, em constante mutação, é possível estudá-lo como um processo, o de sua construção sucessiva ligada à apropriação, ou como "um momento arbitrário privilegiado dessas transformações" (MEYRIAT, 1983). É esta definição de informação que permite abordá-la como “conhecimento comunicado ou comunicável” e que nos convida a perceber a “íntima ligação da noção de conhecimento com a de informação” (MEYRIAT, 1986). Para Jean Meyriat, um dispositivo de informação seria, portanto, um dispositivo cognitivo que transporta informações latentes que podem ser transformadas em conhecimento. Isso pode ser completado destacando-se o papel mediador do dispositivo, "uma forma de considerar o ambiente natural ou construído do homem como um lugar, não para a aquisição e transmissão de conhecimento, mas como uma rede de mediação
6 Nota da tradutoras : Senié-Demeurisse Josiane, Couzinet Viviane. Information. Chapitre 1, p. 20-35
de conhecimento, a partir da qual, é claro, podem surgir aquisições e transmissões” (BERTEN, 1999).
Nas Ciências da Informação e da Comunicação, a dimensão humana é essencial, aqui até mais do que nas outras noções porque, na linguagem do dia-a-dia, predomina o aspecto técnico. De fato,
não se pode imaginar um dispositivo que não seja concebido e arranjado pelos homens por meio de suas relações de comunicação; inversamente, são os dispositivos que dão forma às relações de comunicação e isso de acordo com os diferentes aspectos sob os quais podem ser considerados (MEUNIER, 1999).
O processo de comunicação é um processo social, onde:
os motores são os atores que se comunicam: por isso é essencial conhecê-los, compreender as suas motivações e os seus comportamentos, possivelmente para atuar sobre eles para os otimizar e, assim, facilitar informativo abordagens (MEYRIAT, 1985a).
As dimensões sociais e técnicas deste dispositivo particular, dedicado ao agrupamento de informações e ao compartilhamento de conhecimentos, são constituídas por atores, técnicas e objetos materiais em permanente interação e em um contexto definido, todos ligados entre si. Estudar um dispositivo é identificar e compreender "a natureza do vínculo que pode existir entre esses elementos heterogêneos" (FOUCAULT, 1977). Assim, encontramos a noção na forma de “dispositivo de mídia”, “dispositivo de televisão”, “dispositivo documental”, “dispositivo de comunicação” ou mesmo “dispositivo editorial”. Estes vários qualificadores que o complementam sublinham que “a comunicação pressupõe organização, assentada em recursos materiais, envolve saber-fazer técnico, define quadros de intervenção e expressão” (JEANNERET, 2005).
As duas formas "dispositivo comunicacional e informacional" têm um significado genérico. Recentemente, eles foram reunidos sob a expressão "dispositivo info-comunicacional", para evidenciar a interdependência entre informação e comunicação (COUZINET, 2009). Partindo da posição de Jean Meyriat, que considera a informação e a comunicação como “objetos interdependentes, mas distintos do conhecimento científico” (MEYRIAT, 1983), o hífen que une “info” e “comunicacional” foi mantido para significar essa independência. Associado à consideração de "elementos do ambiente cognitivo (no sentido lato do termo) como um ambiente potencial para o desenvolvimento de habilidades, conhecimentos, saber-fazer" (BERTEN, 1999), o sistema nas Ciências da Informação e da Comunicação é estudado como um objeto material mediador. A noção é, então, usada para designar "todos os substratos materiais da comunicação" (JEANNERET, 2005) e "carrega consigo a ideia de que a ferramenta de comunicação não é neutra" (JEANNERET, 2005). O dispositivo info-comunicacional é o lugar onde humanos, objetos materiais e lugares são organizados para implementar interações. Como eles se formatam na documentação?
DISPOSITIVO DOCUMENTAL PRIMÁRIO E DISPOSITIVO DOCUMENTAL SECUNDÁRIO
É possível separar dois tipos de dispositivos específicos para a atividade documental. Um focado na produção documental, um dispositivo documental primário, o outro na informação sobre os documentos disponíveis, um dispositivo documental secundário.
Esses dois dispositivos acompanham a história intelectual desde a antiguidade (ver capítulo 3)7.
Dispositivo documental primário
O "dispositivo documental primário" corresponde ao que é chamado de "documento" na linguagem cotidiana. Parte-se da ideia de que a informação (ver capítulo informação) e o meio que permite o seu transporte constituem um todo indissociável, devendo o conteúdo ser fixado para ser fiável e poder ser divulgado. No entanto, o suporte não é neutro. Ele exerce fortes restrições sobre o conteúdo. Por exemplo, a mesma informação será mais ou menos desenvolvida dependendo se está em um livro ou em um "slide" do Power point. Da mesma forma, outras informações serão mais ou menos ilustradas ou simplificadas conforme se destinem a ser divulgadas por meio de uma revista científica para pesquisadores ou de uma revista popular, seja esta última impressa ou eletrônica. Como podemos ver, “dispositivo documental primário” é semelhante a “dispositivo editorial”.
No entanto, também podemos distinguir, como fazem os historiadores, por exemplo, “documento de primeira mão” e “documento de segunda mão”. O "documento de primeira mão" é o documento a partir do qual o historiador fabrica a história, o "documento de segunda mão" é aquele que traz a história fabricada pelo historiador. Se o primeiro não tem necessariamente a ver com um "dispositivo editorial" (ver capítulo do documento)8, o segundo
7 Nota das tradutoras : Couzinet Viviane. Des pratiques érudites à la recherche : bibliographie, bibliologie. Chapitre 3, p. 167-186.
8 Nota das tradutoras : Fraysse Patrick, Document. Chapitre 1.2, p. 36-74.
pode ser considerado como sendo um, tornando a história imponente para escrevê-lo. No entanto, ambos permanecem dispositivos documentais primários.
Os objetos materiais singulares que carregam informações como o livro, a resenha, o jornal, a revista, ou seu reagrupamento em uma coleção, que também pode estar em vários suportes filme, videocassete, disco compacto, são inseridos em um conjunto de outros objetos, lugares, processos e escritos com os quais se articulam. Assim, o autor, o projeto editorial, a organização em comitês de pessoas que tomam as decisões, os circuitos de impressão e distribuição constituem o dispositivo editorial que dá origem ao dispositivo documental primário, seja o processo artesanal ou industrial. A atividade editorial da Documentação francesa, centro de documentação ligado ao Primeiro-Ministro, é um mecanismo institucional que visa a produção de documentos primários públicos para informar aos cidadãos sobre as notícias sociais, políticas, administrativas e, mais raramente, culturais.
No domínio industrial, normas e procedimentos internacionais, europeus e nacionais pertencentes a um conjunto de atividades profissionais (construção, automobilístico, aeronáutica, madeira e derivados, documentação, eletricidade, indústria alimentar, etc.) ou para garantir melhores condições de saúde e segurança, definindo ponto a ponto a implementação de uma abordagem (qualidade, monitoramento, certificação, etc.), também são sistemas editoriais. Eles constituem um conjunto resultante de negociações entre representantes de dispositivos técnicos - as organizações responsáveis pela padronização - e representantes dos profissionais envolvidos. Os documentos a que dão origem na fase provisória de textos submetidos a inquérito público, ou definitivos em momento
preciso, texto aprovado, assemelham-se aos livros ou revistas de sistemas primários info-comunicacionais (COURBIÈRES, 2009). Porém, permanecem pouco estudados na disciplina.
Dispositivo secundário de documentação
Em contraste, a noção de "dispositivo secundário" pode ser definida a partir do processamento da informação. A inflação da produção documental e a necessidade de organizar sua distribuição, para atender às demandas da indústria e da pesquisa científica, têm levado ao processamento de dispositivos primários. Essa operação é realizada "extraindo informações do meio [...] e processando-as para si mesmas, representando-as simbolicamente" (MEYRIAT, 1985b). O operador, então, introduz uma mediação que Jean Meyriat designou por informação sobre a informação, “ele fabrica instrumentos que são chamados de secundários porque fornecem ao usuário não a informação de que ele precisa, mas a informação necessária para acessar esta última” (MEYRIAT, 1985a). O sistema secundário de informação, cuja missão é essencialmente tornar a informação visível é, portanto, também um produtor de conhecimento.
A obra de reescrita e o "substrato material da comunicação" em que se insere constituem o dispositivo secundário. É necessário aprender as várias formas de reescrever. Eles pressupõem a prática da análise documental (ver capítulo análise)9 na perspectiva da condensação da informação. O objetivo é esclarecer o usuário sobre o conteúdo - usando diferentes tipos de resumos -, e sobre o
9 Nota das tradutoras: Courbières Caroline. L’analyse documentaire. Chapitre 2, p. 151-164
recipiente, - usando os diferentes padrões de descrição de metadados -, para permitir que ele encontre indexação - usando léxicos documentais - e localize fisicamente os documentos em um espaço (ver capítulo sobre linguagens documentais)10. Bancos de dados são dispositivos secundários, assim como catálogos de bibliotecas ou exposições. Alguns dos últimos, altamente valorizados pelos bibliotecários, conseguem se manter, apesar da competição das ferramentas digitais. Mémoire de trame por exemplo, é um dispositivo secundário desenvolvido pela livraria Teckné (Paris), especializada em comunicação de informação, distribuída em papel aos seus assinantes e acompanhada por pesquisadores da disciplina.
Além disso, se os poderes públicos incentivaram, nos anos 1980, com a criação da Delegação para Bibliotecas, Museus e Informação Científica e Técnica (DBMIST), a criação de bancos de dados nas universidades, em especial com a abertura do servidor universitário para fins científicos e informação técnica (SUNIST), rapidamente um reagrupamento se mostrou necessário. Foi imposto pelos custos associados à evolução da quantidade de estoques de dados, da mão de obra qualificada empregada e pela renovação de equipamentos. A distribuição em território nacional de temas semelhantes, que por vezes se sobrepõem, a chegada do CD-ROM, depois do Minitel e por fim da Internet conduziram a uma reorganização da oferta. Os grandes dispositivos científicos associados a estabelecimentos de investigação e amplamente abertos à indústria, como o Instituto de Informação Científica e Técnica (INIST) subsistem à custa da diferenciação dos serviços e
10 Nota das tradutoras : Courbières Caroline. Les langages documentaires. Chapitre 2,
p. 131-149
também da eliminação das bases menos rentáveis (COUZINET; SENIÉ-DEMEURISSE, 2009).
Os provedores de informação online são menos numerosos, eles funcionam no modelo industrial. Para responder à complexidade da investigação documental especializada, à sua atualização permanente, à necessidade de fazer face à massa crescente da produção de documentos, à sofisticação dos modos de interrogação, mas também à situação de concorrência global a que estão submetidos, eles propõem medidas e serviços de acompanhamento11. Além disso, um mecanismo secundário induz o desenvolvimento de ferramentas, como dicionários, léxicos, nomenclaturas, tesauros e produtos de informação como as bibliografias seletivas, boletins analíticos, guias de usuário, programas de treinamento, guias de atualização, concebidos como os intermediários facilitadores da pesquisa até a apropriação da informação. Todos esses elementos fazem parte do sistema documental.
No entanto, a distinção que nós operamos entre dispositivo primário e dispositivo secundário pode ser pouco aparente. Ele ocorre, com efeito, quando a revista, que nós temos qualificado como dispositivo primário, inclui resenhas de artigos ou análises de livros, elementos secundários. Da mesma forma, alguns entre eles, principalmente designados por "boletim", embora menos numerosos atualmente, são uma versão impressa parcial, publicada em intervalos regulares, de uma base de dados. Igualmente, alguns bancos de dados podem permitir acesso ao texto completo. Enfim, os dispositivos institucionais podem ser por vezes primários e
11 La note 68 dans le texte en français n’est pas traduite.
secundários. A Documentação francesa é particularmente polimórfica, visto que são associadas à edição - dispositivo editorial - o centro de documentação e o Banco de Informação Política e da atualidade (BIPA) que permite o acesso ao texto integral dos discursos do Presidente da República - dispositivo secundário e primário -, e uma livraria, dispositivo comercial.
O papel do dispositivo documental secundário é, de maneira geral, facilitar o acesso à informação. No entanto, o trabalho de condensação, realizado pelos documentalistas, evidencia os elementos que validam o conteúdo e especificam a sua acessibilidade, dando, especialmente nos resumos, as condições de exploração. Essas diversas operações permitem a apropriação social do conhecimento. Podemos, portanto, considerar que existe uma forte ligação entre o dispositivo documental e a sociedade da informação.
“SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO” E DISPOSITIVO DOCUMENTAL
O dispositivo documental parece estar no centro das preocupações da sociedade da informação. No entanto, essa evidência permanece superficial, especialmente dentro da educação.
“Sociedade da Informação”
Muitos pesquisadores em Ciências da Informação e da Comunicação se debruçaram sobre o fenômeno conhecido na linguagem corrente como "sociedade da informação". Porém, na esfera pública, “os debates [...] consistem, em grande parte, em interpretações sobre os efeitos das modificações que afetam os dispositivos midiáticos” (JEANNERET, 2005). O que é, de fato,
privilegiado é o equipamento material. Os centros de formação, desde a escola à universidade, passando pelas organizações associativas, fornecem máquinas conectadas à Internet.
As coletividades locais se lançaram em vastas operações de conexão de maneira a desenvolver o uso familiar da rede e propondo serviços e formações visando a inclusão nesta sociedade (LABELLE, 2007). Na vida cotidiana, os serviços bancários, os serviços públicos
- distribuição de água, eletricidade, gás - e os serviços sociais - a previdência social por exemplo - ou fiscais preconizam o uso do monitoramento de contas pela Internet, para citar apenas alguns exemplos.
No ensino secundário, as pesquisas mostraram que a criação de um certificado de aptidão para o ensino secundário em documentação resultou na programação da iniciação à pesquisa documentária e na "especialização" do professor documentalista em métodos de utilização dos suportes eletrônicos (GARDIÈS, FABRE, 2009). A missão dos documentalistas, como professores capazes de transmitir os conhecimentos baseados cientificamente em uma disciplina de referência e em métodos que lhe são próprios, foi assim desviada (COUZINET, 2002; COUZINET; GARDIÈS, 2009;
GARDIÈS, 2006). No ensino superior para os estudantes, quando as suas instalações o permitem e se elas dispõem de pessoal suficiente, as bibliotecas universitárias asseguram de longa data a aprendizagem de consulta dos arquivos, incluindo os digitais.
Assim, a “cultura da informação” ou information literacy ainda parece fazer parte, desde a sua origem, nos anos 1970, de culturas baseadas no saber-fazer (skills based literacies) (COUZINET, 2008). Não estamos longe, mas com meios técnicos diferentes, da instrução bibliográfica, tanto a aprendizagem de pesquisa documentária em
biblioteca e a aprendizagem de referenciamento de livros, e do saber- fazer em biblioteca, library skills, ou library instruction and user education, formation des usagers (CAMPBELL, 2004), Podemos aproximar igualmente de uma cultura das tecnologias da informação, (information technology literacy), "technology" entendida aqui no sentido dado pela linguagem cotidiana.
Portanto, tudo parece estar a postos para contribuir para facilitar o acesso à informação. A denominação “sociedade da informação”, à qual podemos associar information literacy, é de fato uma sociedade de dispositivos materiais e de cultura de acesso à informação. Os aspectos técnicos do dispositivo são privilegiados e dependem dos aspectos sociais de compreensão da matriz de informação.
Dispositivo documental
As pesquisas realizadas sobre os dispositivos têm permitido:
libertar-se de uma abordagem da comunicação reduzida à relação, ao conteúdo, aos signos para levar em conta os pesos dos recursos materiais e técnicos, mas também a intervenção dos atores que configuram e controlam esses recursos (JEANNERET, 2005).
Aplicado ao campo da documentação e ao lugar que ela ocupa na formação de um cidadão autônomo, uma parte importante deve ser dada ao saber-fazer. Porém, se o uso de um dispositivo documental pressupõe a aquisição de um saber-fazer, podemos nos surpreender com a recorrência da iniciação ao longo da vida de um aluno e depois como estudante. Tudo se passa, de fato, como se uma progressão fosse pouco possível, além da adaptação às novas possibilidades oferecidas pelos softwares e pelas máquinas.
A participação na formação dos estudantes revela as lacunas importantes em matéria de dispositivos primários ou secundários disponíveis para conduzir os estudos superiores ou para a vida quotidiana. Os locais documentais institucionais são frequentemente pouco conhecidos fora da biblioteca universitária, mesmo se esta é pouco frequentada no primeiro ciclo. As questões subjacentes aos sistemas documentais são mal percebidas e as missões específicas de cada um desconhecidas.
No entanto, no campo da educação, por exemplo, o dispositivo info-comunicacional da educação, tal como é constituído hoje através do Serviços da cultura de edição de recursos da educação nacional- Centro nacional de documentação educacional (SCEREN-CNDP) tem uma missão de produtor, mediador e prescritor de ferramentas, documentação e recursos (FRAYSSE, 2009). Essa missão é muito diferente da atribuída ao serviço de informação dos arquitetos, o que lhes permite assumir o seu “dever documental” (COURBIÈRES, 2009). Da mesma forma, o papel de valorização e de estudo do posicionamento da produção científica dos centros documentais associados à pesquisa (ZAFRILLA-PAVAN, 2009) está muito distante daquele associado à documentação e à pedagogia em uma grande escola (RÉGIMBEAU, 2009).
Essas diferenças mais ou menos acentuadas são pouco perceptíveis se não receberem a devida atenção. Realizar bem os estudos universitários, uma vida profissional, familiar ou cívica é, no entanto, mais fácil quando se é capaz de compreender e dominar os meios de informação à disposição. A denominação "sociedade da informação" parece fundada sobre uma confusão entre meios materiais disponíveis e a aprendizagem da matriz dos conteúdos. Parece-nos que o interesse pelos dispositivos documentais daria a
esta nova sociedade, prometida ou anunciada como já dito, toda a consistência que lhe é necessária para alinhar sua denominação e o que ela implica.
CONCLUSÃO
Se o conceito de “dispositivo” está presente em várias disciplinas, lançar o olhar a partir das SIC12 convida a qualificá-lo como info-comunicacional e a dar-lhe um lugar central. Insistir mais particularmente em suas dimensões documentárias, introduzindo uma distinção entre primário e secundário, conduziu a se debruçar sobre a expressão "sociedade da informação", sem esgotar neste texto todo o significado desta última.
Além disso, é possível evidenciar que limitar a noção de dispositivo aos seus aspectos técnicos restringe consideravelmente o seu interesse. Aspectos humanos e aspectos técnicos se cruzam, de fato, em um jogo de trocas forçadas ou facilitadas, eles próprios inseridos em mundos que exercem sua própria influência.
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12 Nota das tradutoras. SIC: Sciences de l’information et de la communication, Ciência da informação e comunicação
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