O que dizem as revistas: da revista científica a uma tipologia das revistas1


Viviane COUZINET2


Tradução: Martha Suzana Cabral Nunes3 Margarida Sá Nogueira Lalanda4


1 Couzinet Viviane, 2015. Ce que disent les revues : de la revue scientifique à une typologie des revues. In : Couzinet, Viviane. Les revues : figures et cas. Toulouse : Cépadues, chapitre introductif, p. 9-32.

2 Professora titular de Ciências da informação e da comunicação. Universidade de Toulouse, Laboratório de Estudos e Pesquisa Aplicada em Ciências Sociais, LERASS EA 827 Universidade de Toulouse, Laboratório de Estudos e Pesquisa Aplicada em Ciências Sociais, LERASS EA 827; Equipe de pesquisa Mediações em informação- comunicação especializada (MICS) 115 B, route de Narbonne, 31077 Toulouse – França. viviane.couzinet@iut-tlse3.fr

3 Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Universidade Federal de Sergipe. Pesquisadora CNPq. Membro da Rede MUSSI. marthasuzana@hotmail.com

4 Professora aposentada da Universidade dos Açores e Investigadora Integrada do CHAM - Centro de Humanidades (NOVA FCSH e Universidade dos Açores). É autora de estudos, discutidos em congressos científicos e publicados, sobre os séculos XVI a XVIII, concretamente temas diversificados de História da sociedade, dos Açores, da cultura e da vida religiosa (em especial Clarissas e conventos femininos), História insular atlântica comparada, comportamentos e valores culturais, municipalismo, notariado, métodos qualitativos, a comunicação e a História. margaridalalanda1001@gmail.com


  1. INTRODUÇÃO


    Na França, como em outros países, a função da revista científica começa a ser questionada. Ela é criticada por sua rigidez, seu alto custo e pelo espaço exigido a um indivíduo ou a uma biblioteca para conservar unidades bibliográficas artificiais, cujos vários elementos são desigualmente úteis. O fato é que a revista é – e continuará sendo sem dúvida ainda por muito tempo — o meio de comunicação mais cômodo e mais utilizado entre membros da mesma profissão científica, e o principal órgão de expressão dos pesquisadores (MEYRIAT, 1967)


    Assim começava, em 1967, um artigo de Jean Meyriat na Revue internationale des sciences sociales. Pelo que sabemos, esta é a primeira pesquisa sobre revistas realizada em ciência da informação na França, quando ainda não existia a disciplina acadêmica “Ciências da Informação e da Comunicação”.

    Em Toulouse, os trabalhos acerca das revistas começaram em 1992, numa equipe de pesquisa do Laboratoire d'Études et de Recherches en Sciences Sociales (LERASS, EA 827), denominada “Information Communication entre Chercheurs” (ICC)5, então dirigida por Robert Boure. No entanto, alguns trabalhos sobre as utilizações da revista, em particular por médicos de clínica geral e economistas6, tinham sido anteriormente realizados no âmbito da Universidade de Toulouse. Alguns anos depois, em 1995, a equipe reconfigurada focou-se na mediação em suas variações científicas e profissionais e nas hibridações entre as duas. Em 1999, passou a


    5 Nota das Tradutoras: Em português, Informação-Comunicação entre Pesquisadores.

    6 doctorat de 3ème cycle, Sciences de l’information et de la communication; Couzinet, V., 1988. «Production et utilisation des périodiques par les médecins généralistes». In L’Informazione per tutti: un obiettivo comune, Bologne (Italie). Londres: K-G Saur, 1989, p. 235-239. ; Devillard, J., 1991. La communication scientifique entre spécialistes : le cas de six revues anglo-américaines de science économique. Thèse de doctorat NR en Sciences de l’information et de la communication, Université Toulouse 2.


    designar-se “Médiations en Information-Communication Spécialisée”7 (MICS). A multiplicação de análises que tem desenvolvido em vários campos permite propor algumas conclusões generalizáveis, nomeadamente sobre a revista científica como suporte mediador da ciência que se vai construindo. Porém, a revista não se limita a dar a conhecer pesquisas: ela está presente também na difusão da experiência, no dar visibilidade a um patrimônio, na vulgarização da técnica, o que induz diferenças na forma e na redação do conteúdo. Como definir essas várias categorias? Para dar uma contribuição significativa a essa questão, era necessário proceder a trabalhos empíricos baseados em análises qualitativas de campos suficientemente variados para encontrar algumas generalidades aplicáveis em análises de outros campos do conhecimento. Por isso, cada membro da equipe, em função do seu centro de interesse e da perícia que adquiriu na análise das mediações e dos seus objetos, desenvolveu pesquisas para tentar responder a esta questão.

    Antes de apresentar esses diversos trabalhos e explicar o que eles permitem perceber da circulação dos conhecimentos, é necessário fazer um balanço dos avanços propostos pela equipe sobre as revistas científicas e sua adaptação ao seu contexto. Em outras palavras, trata-se de fazer um balanço de como o periódico, ao se tornar visível por outros ou por si mesmo, expressa o lugar que ocupa em uma disciplina. Sem pretender ser exaustiva neste breve capítulo introdutório, será referido o trabalho de professores- pesquisadores que por um tempo pertenceram, ainda pertencem ou se juntaram recentemente à equipe MICS. Depois virão as aberturas para outras categorias de revistas examinadas neste livro.

    7 Nota das tradutoras: Mediações em Informação-Comunicação Especializada.


  2. SOBRE A CIRCULAÇÃO DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA: A MEDIAÇÃO PELA REVISTA


    Os avanços tecnológicos da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1957 levantaram a questão da circulação dos avanços da ciência e da tecnologia. Aquilo que se denominou "primeiro choque informacional mundial" (PINHEIRO; THIESEN; COUZINET, 2008)8 levou à multiplicação de iniciativas para a criação de revistas e para o desenvolvimento do processamento da informação. Aparecem, então, coleções de revistas secundárias em Ciências Técnicas e Medicina (STM) e depois em Ciências Humanas e Sociais (SHS)9. Jean Meyriat estará na iniciativa da criação de muitas dessas revistas, e será o redator principal de muitas delas, como os International Political Science Abstracts ou o Bulletin analytique de documentation politique, économique et sociale contemporaine (COUZINET, 2001). Posteriormente, com o desenvolvimento da informática, a retransmissão será feita pelas bases de dados, que terão como foco a análise dos artigos como vetores do avanço das pesquisas certificadas, ou seja, revisada por pares. A revista científica, que se diferencia do periódico aberto a um grande público, passa a ser o meio privilegiado de mediação da ciência para difundir seus avanços no círculo estreito dos pesquisadores. A revista, espaço de interação, se torna igualmente, em muitas disciplinas, o meio de acompanhamento da atividade de pesquisa. Surge, então, a questão do valor atribuído a este suporte e da forma como ele próprio se torna visível.



    8 O “segundo choque informacional mundial” teve origem no discurso do vice- presidente Al Gore, dos Estados Unidos, em 1994.

    9 Nota das tradutoras: O “S” inicial corresponde à palavra francesa “Sciences”.


    1. A revista pelos outros


      Para conseguir uma determinada valorização, todas as revistas desejam ser incluídas em listas que se destinam a grupos específicos. Os sites de revistas, que cumprem uma função de arquivamento, oferecem um ambiente que se enquadra em um grupo disciplinar e que permite por isso romper o isolamento (COUZINET, 2012; SENIÉ-DEMEURISSE, ROUX, COUZINET,

      2007). Esse tipo de dispositivo facilita o trabalho do pesquisador em busca de referências. Porém, nem todas as listas são iguais, cada uma responde a questões e a funções diferentes. As mais seletivas e relacionadas com um trabalho de indexação são também as mais cotadas (COUZINET, 2015).

      É necessário fazer um balanço do que significa “indexação”. O advento dos motores de busca e das redes alterou a compreensão, pelos públicos não informados, do vocabulário básico de tratamento da informação. No entanto, tais públicos usam sem conta termos cujo significado acreditam que dominam. Parece-nos que devemos isolar dois casos, um que podemos classificar como "indexação descritiva"10 e o outro como "indexação analítica", assumindo qualificadores bem conhecidos dos bibliotecários e documentalistas que estavam reservados aos catálogos e às bases de dados que se lhes seguiram. A expressão "indexação analítica" provém da análise documental, formulação que se utiliza na forma "analisado em ..." 11 nas páginas ocupadas pelo editor de uma revista, enumerando, a seguir, as bases de dados que se dedicam a esse exercício de forma recorrente; são disso exemplo as revistas internacionais


      10 Nota das traduroras: Em francês, "indexation signalétique".

      11 Nota das tradutoras: Por vezes vem “avaliado em …”.


      Knowledge Organization e El Profesional de la Información. Esta operação, demorada, que supõe uma seleção preliminar, uma escolha de descritores para cada artigo do volume, ferramentas de pesquisa eficazes e que permitem combinações complexas de recuperação da informação, agrega valor ao artigo. É necessário, também, distinguir as bases de dados comerciais, pertencentes às grandes editoras científicas que analisam apenas a sua própria produção (como a editora científica Elsevier), daquelas que não selecionam apenas em função da editora.

      A falta de conhecimento das várias formas de indexação, e especialmente das baseadas em uma análise documental, contribui para a confusão. O Vocabulaire de la Documentation distingue dois tipos de indexação. Em primeiro lugar, a indexação que se insere no âmbito da documentação: “processo destinado a representar, por meio de termos ou índices de uma linguagem documental ou de elementos de uma linguagem livre, as noções características do conteúdo de um documento”; segue-se-lhe a indexação que se enquadra no domínio da informática, terminologia que “é utilizada para qualquer campo associado a um índice” (BOULOGNE, INTD- ER, 2004). A indexação documental, portanto, pressupõe um trabalho de análise de conteúdo. Isso pode ser complementado especificando-se que existem dois níveis de análise: por um lado, a que se baseia na revista como unidade documental, e, por outro, a que se baseia no artigo como unidade documental. O primeiro destaca a revista analisada como “revista de referência”. Por exemplo, o diretório de revistas produzidas nos países de língua espanhola e de língua portuguesa da Europa e da América Latina, Latindex, é estabelecido com base em um trabalho de análise das revistas que permite diferenciar entre as simplesmente listadas (ou


      repertoriadas) e as selecionadas de acordo com critérios pré- estabelecidos e que são avaliadas (revisões analisadas). O mesmo sucede com a análise baseada nos artigos. É a operação que, no vocabulário profissional e no intercâmbio científico, recebe o qualificativo de "revista indexada" ou "revista avaliada"12. Essa análise dos artigos dá origem à elaboração de índices de citações por domínios como os que podemos encontrar no Web of Science & Social Sciences Citation Index (WoS-SSCI), de resumos como em Library and Information Science Abstracts (LISA, Grã-Bretanha) ou em Information Science Abstracts (ISA, Estados Unidos). Essas duas formas de indexação estão incluídas na indexação analítica; ela é elaborada por pessoal altamente qualificado e por organizações que concentram o trabalho em um único local ou o distribuem por Centros13 de investigação. Na França este é o caso, por exemplo, do Institut de l’Information Scientifique et Technique (INIST)14, onde a alimentação das suas várias bases de dados assenta-se na colaboração de cientistas e documentalistas, espalhados pelo território, com engenheiros deste Instituto. O acréscimo assim trazido ao artigo garante maior visibilidade para ele e para a revista que o veicula; ele coloca revistas indexadas como revistas de referência em uma área do conhecimento. O mesmo não acontece com as revistas listadas ou repertoriadas que correspondem a um recenseamento de todos os periódicos disponíveis (“indexação” no sentido informático e não no sentido documental). Ser uma revista reconhecida em uma das categorias


      12 Nota das tradutoras: Em francês, “revue analysée”.

      13Nota das tradutoras: No original, “laboratoires”, termo francês aplicado a qualquer tipo de Centro de investigação.

      14 Note-se que o INIST propõe, como o Latindex, revistas apenas listadas e revistas indexadas.


      ou na outra não dá a mesma importância aos trabalhos aí divulgados. A indexação documental contribui para a construção do estatuto de objeto mediador da ciência e, ao mesmo tempo, de "revista de referência", mas qualquer atribuição desse nome deve levar em conta o método de elaboração da lista que a classifica.


    2. A revista por ela própria


      É, então, grande a tentação de se autodenominar "revista de referência"15 utilizando critérios exclusivamente formais, como são propostos por listas elaboradas em um quadro institucional que, como sabemos, deve ter em conta a utilidade, o contexto e as forças em presença. Frequentemente, com efeito, baseiam-se em um projeto político para promover certos títulos junto de uma "comunidade" definida.

      Podemos propor uma “indexação” interpretada como listagem em documentos secundários que se incumbiram de disponibilizar títulos sem avaliarem o interesse do seu conteúdo, apenas levando em consideração o seu suporte - há, por exemplo, muitos repertórios de revistas em versão eletrônica ou que também possuam versão eletrônica - ou sua afiliação temática. O mesmo se aplica à indicação do local de conservação dos números, como a lista de centros, bibliotecas ou institutos que possuem a coleção. Estas são apenas listas para orientar para o site adequado. Citemos, ainda, os repertórios de revistas, ferramentas de trabalho destinadas principalmente aos profissionais da informação, como é o caso do Ulrich’s Periodical Directory, por exemplo, que assinala a

      15 Não usamos aqui a designação “revistas qualificantes”, que remete para uma tomada em consideração que pode parecer automática e que se aplica apenas à qualificação dos autores no quadro de procedimentos institucionais.


      existência e os locais de disponibilidade para facilitar, em particular, as operações de empréstimo entre bibliotecas e centros de documentação. Todos esses casos, que muitas vezes são rotulados pelas revistas como "indexação", não correspondem a uma indexação no sentido documental e científico do termo; trata-se de uma simples indexação no sentido informático, que visa sinalizar a existência de um título.

      No entanto, a prioridade em bancos documentais internacionais é dada às revistas anglo-saxónicas, e certas disciplinas estão lutando para terem seu próprio lugar. É o caso das Ciências da Informação e Comunicação (CIC)16 que, enquanto tal, não correspondem a um domínio internacional específico. Além da barreira do idioma, a fragilidade da indexação documental das revistas francesas explica a dificuldade que os pesquisadores têm em fazer com que seus trabalhos sejam reconhecidos, exceto Culture et Musées que, embora francófona, soube encontrar seu lugar e, por conseguinte, a indexação correspondente, no cenário internacional.

      Através de um projeto editorial de poucas linhas ou mesmo alguns parágrafos, uma revista apresenta a sua ambição, a sua inserção numa corrente, em disciplinas, nos domínios que quer cobrir, as temáticas que deseja tratar, os leitores a que se dirige e a forma que assume (generalista, temática, com ou sem varia). No melhor dos casos indica, em uma breve lembrança de sua história, o nome de seus fundadores e seus projetos iniciais, as mudanças de título ou de orientação temática. Um protocolo de redação especifica as modalidades de avaliação, as normas de


      16Nota das tradutoras: Em francês, “Sciences de l’Information-Communication (SIC)”.


      apresentação das referências e o que se espera dos artigos, às vezes sob a forma de uma estrutura imposta e padronizada.

      Projeto, protocolo e comitês dizem o lugar que uma revista quer ocupar em uma disciplina. A inclusão em um tema relacionado a uma ou mais especialidades participa da definição dos contornos desta(s) última(s). A composição das comissões marca o desejo de demonstrar reconhecimento ou, pelo menos, interesse no exterior, o protocolo de redação e as modalidades de avaliação indicam a intenção de seguir o modelo dominante de redação científica. Tudo isso é confirmado, ou não, pelas análises em bancos documentais, pela inclusão em listas institucionais, pela notoriedade dos autores que são publicados, pelo respeito das modalidades descritas e pela duração da sua vida.

      Por meio daquilo que a revista diz sobre si mesma, e daquilo que os outros dizem dela, podemos perceber a maneira como uma disciplina, ou uma temática, constrói seu perímetro, seus métodos, seus modos de abordagem e como administra a proximidade e as interações com os outros. Diz, também, a maturidade que atingiu, o nível que reivindica e o que lhe é atribuído. Por fim, a revista constrói e expressa o lugar daquilo que ela traz em um contexto em que o reconhecimento da atividade científica passa pela colocação em circulação dos resultados que obtém.


  3. SOBRE A CONSTRUÇÃO DE UM PERÍMETRO: REVISTAS CIENTÍFICAS E DISCIPLINAS


    A revista, como meio de difusão do conhecimento, passa por crises, como evidenciam as críticas a ela dirigidas, apontadas por Meyriat (1967). Para Bruce Bennion (1994), a crise das revistas


    científicas tem uma explicação histórica. Desde a criação dos primeiros periódicos de divulgação da pesquisa na França e na Grã- Bretanha, a partir de 1665, as funções mudaram. A velocidade e a extensão da distribuição para suplantar gradativamente a correspondência epistolar entre pesquisadores não podem mais ser mantidas.


    1. Fragilidades e forças


      Mesmo que a divulgação dos resultados em muitos campos de investigação utilize canais menos formais, nomeadamente o intercâmbio oral entre investigadores, a revista garante acima de tudo a prioridade das descobertas, a sua qualidade, a sua conservação e o arquivamento dos seus vestígios. A evolução para uma maior especialização dos títulos deve-se à profissionalização da pesquisa e à grande especialização do trabalho. Esta especialização cada vez mais apurada tem repercussões na circulação de publicações que acabam por atingir apenas um pequeno número de leitores. Por isso os periódicos só podem realmente contar com assinaturas institucionais para durar, mesmo que no início de sua vida o crescimento seja rápido, conforme relatado pela editora comercial Elsevier (BENNION, 1994).

      Aqui também, uma nuance deve ser introduzida entre Ciências Técnicas e Medicina (CTM) e Ciências Humanas e Sociais (CHS). Nas CHS, os pesquisadores durante muito tempo assumiram por meio de um comitê editorial o trabalho de preparação dos textos. Esse traço característico das revistas científicas desta área, sublinhado por Robert Boure em 1993, tende agora, quanto a alguns títulos, a passar a ser assumido diretamente


      pelo autor; estes tornam-se assim mais próximos dos processos de edição em vigor nas CTM. O editor Lavoisier, por exemplo, fornece aos autores uma matriz e um protocolo de publicação que eles devem seguir ao fazer sua proposta. O trabalho científico é acompanhado pela participação em tarefas técnicas, seja a publicação final impressa ou em formato digital. O fato é que, para ser duradoura, uma revista deve ser veiculada por um grupo convencido de sua utilidade, portador de um projeto e de uma ambição científica de desenvolvimento coletivo da pesquisa, e que lhe dedique tempo e energia.

      As revistas também passam por crises internas e, com o tempo, ganham vida própria. Elas acabam escapando de seus fundadores. A emancipação nem sempre é, para o projeto inicial, um sinal de mudança. Ela pode provir de uma adaptação a uma evolução da disciplina de afiliação, da necessidade, muitas vezes econômica, de se ajustar a um público mais alargado ou, mais simplesmente, a uma direção exercida por portadores de uma visão diferente. Uma maior longevidade também não é necessariamente uma mudança de orientação. Se um projeto editorial é identificado pelo título que a revista se dá, qualquer transformação não implica uma evolução do título. Na verdade, é essencialmente a variação do projeto editorial que diz as mudanças.

      As alterações também podem ser um sinal da aquisição de uma certa maturidade. As palavras "Cadernos", "Boletim", que estão ligadas a um local ou a métodos flexíveis de avaliação de artigos, são uma concha da qual se pode sentir necessidade de se livrar. Depois de testado o projeto, a recepção dispensada pela "comunidade científica" em termos de citações, propostas de artigos, avaliações a que são submetidos os pesquisadores,


      aceitação de pareceres de especialistas de artigos, garantia devida à composição do conselho científico, assinaturas pagas, uma revista pode se sentir forte o suficiente para se afirmar como tal. É este, por exemplo, o caminho percorrido pelo Cahiers du LERASS, que abandonou a afiliação no seu laboratório de origem para se afirmar como revista e exibir, desde o título, a menção das disciplinas académicas que pretendia cobrir adotando a designação Sciences de la Société.

      A questão da abordagem disciplinar surge com força. Certos campos de pesquisa não podem, de fato, existir sem o apoio do campo profissional, como pode ser visto no anúncio do público-alvo. Artigos de profissionais que não são pesquisadores são acolhidos, nomeadamente em casos específicos, como quando relatam pesquisas operacionais. Normalmente são disciplinas nas quais existem muitos cursos de formação profissional. É o caso das Ciências da Informação e Comunicação (CIC), das ciências da educação, mas também da arte (RÉGIMBEAU, 2002), da arqueologia (FRAYSSE, 2015) ou da química (BÉGAULT, 2015). As revistas implementam ferramentas de avaliação que protegem contra o risco de confusão, ao mesmo tempo que permitem que a pesquisa seja aberta ao mundo da prática.

      As revistas também podem ser consideradas como tendo um papel social. Se são objetos de circulação de pesquisas, são também elas que definem as modalidades de escrita. Para além das normas internacionais que especificam os elementos que constituem um artigo, um resumo, um título, a referenciação dos documentos consultados, a tipologia dos artigos, todos eles elementos que muitas vezes incluem no seu protocolo de redação, elas implicam ter em consideração uma forma de dizer ciência. As


      revistas são, então, um dos instrumentos de afiliação à disciplina científica que o projeto editorial transporta consigo. A inclusão em uma “comunidade disciplinar” ou em uma corrente, passa a ser o segundo fator de avaliação, sendo o primeiro a qualidade das investigações produzidas.

      Destacam-se, portanto, pontos fortes que contribuem para o posicionamento dos autores e pontos fracos que cada título conhece ou tenta evitar. No entanto, nem todas as revistas ocupam o mesmo lugar em uma disciplina.


    2. Revista central e revista periférica


      A possibilidade de isolar elementos como autores, sua afiliação institucional, palavras-chave, títulos de revistas, financiamento obtido ou não, citações e outros dados tem ajudado a desenvolver análises infométricas. O cálculo dos escritos, Bibliometria, foi apresentado já em 1934 por Paul Otlet em seu Traité de documentation: le livre sur le livre, que ele define como uma técnica de gerenciamento de biblioteca. A bibliometria permite especificar o que deve constituir um fundo documental. Ela é igualmente a base estatística na qual se ancora um método de investigação em bibliologia que será desenvolvido posteriormente por Robert Estivals (1978). A partir dos dados sobre os escritos, a Cientometria implantou um conjunto de indicadores para medir a evolução da ciência. Ela tornou possível, por isso, trazer à luz redes de pesquisadores, os chamados “co-laboratórios” ou laboratórios ditos invisíveis, e outras colaborações de pesquisa que não são perceptíveis a priori.


      A revista como material de produção desses indicadores (SIGOGNEAU, 1997) também é utilizada para quantificar a produção dos pesquisadores. O desenvolvimento da medição do impacto17 através do número de citações que recebeu num determinado período, convida os órgãos de avaliação e atribuição de financiamento a incentivar a publicação naquela que tem maior impacto. Espera-se dela uma forte notoriedade, que, como resultado, proporcionará um aumento do orçamento, o qual, por sua vez, permitirá um maior desenvolvimento da investigação e uma boa posição na classificação ordenada mundial. Isso determinará o seu lugar no centro de uma temática. O mesmo é verdadeiro para o fator H18 ou para a classificação ordenada ("ranking")19 de sites e repositórios de arquivos abertos. Todos esses rankings ajudariam a fortalecer o papel social da revista e procurariam afirmar o posicionamento de um cientista, uma corrente, uma disciplina, uma instituição, mas tudo pode ser mal utilizado. É sabido, de fato, que alguns títulos preconizam, ou até exigem, por meio de revisão por pares, a citação de artigos por eles publicados em números anteriores. Alguns também aconselham escolher dentro da produção de um autor citado, quase exclusivamente, aquela que ele publicou anteriormente em seus números. A análise de uma revisão pode, portanto, ser distorcida pelo que J. Reedjik e H. F. Moed (2006) chamam de "engenharia de fator de impacto" e "estratégia

      17 "Impacto" é a relação entre o número de citações recebidas por uma revista e o número de artigos publicados durante um período determinado, geralmente dois anos (École normale supérieure de Cachan, Institut fédératif de recherche 3).

      18 O "Índice H" ou "fator H", proposto por Hirsch (2005), ou ainda "índice individual de Hirsch", estabelece uma relação entre o número total de publicações et as suas citações (École normale supérieure de Cachan, Institut fédératif de recherche 3).

      19 Classificação mundial dos sites ou arquivos de acesso aberto, baseada em grande parte no número de visitas "online" recebidas.


      de desempenho". Esses dois autores mostraram, na sequência de outros trabalhos, que é possível manipular os dados de modo a aumentar os resultados esperados. Tal como, para garantir a perenidade da sua posição, uma revista convida um autor de renome a produzir uma síntese, sob a forma de uma "crônica de continuidade" de um número para o seguinte, por exemplo, sobre uma questão bastante ampla que aumentará significativamente a taxa de citações, sendo este tipo de artigo de um "escalão" superior ao dos artigos que desenvolvem uma pesquisa original. Outro elemento a levar em consideração é o que permite calcular a meia- vida da literatura científica20. Aqui, novamente, a referência aos trabalhos recentes varia de uma especialidade para outra dentro de um grupo disciplinar. Enquanto a obsolescência da pesquisa é de 4,6 anos na física, ela é de 10,5 anos na matemática (LE COADIC, 1997) e geralmente mais longa nas CHS do que nas CTM.

      Podemos igualmente dizer, sem pretensão de exaustividade nesta questão, que as revistas mais apreciadas em escala mundial, como a Nature (Estados Unidos) e a Science (Grã-Bretanha), possuem um serviço de comunicação com a imprensa diária do seu país, à qual transmitem prioritariamente informações sobre artigos que serão publicados (SÉMIR, 1999). A cobertura midiática que esses títulos sabem produzir sobre eles próprios, sobre as temáticas que aceitam e sobre os autores que eles elegem, tem repercussões na ordenação das instituições, no financiamento de trabalhos e na notoriedade dos investigadores. Além disso, os mais conhecidos dentre estes últimos são os mais procurados. Este fenômeno, conhecido sob o nome de "efeito Mathieu" (MERTON,

      20 A "meia-vida" é a medição do número de anos durante os quais uma revista recebe 50% das suas citações (LE COADIC, 1997).


      1968), e os citados anteriormente, se não desqualificam a medição a partir da revista alertam, pelo menos, para se ter uma grande cautela nas deduções e nas utilizações que dela se podem fazer.

      Em Biblioteconomia, a lógica da coleção faz parte de um processo de monitoramento do que é atual na pesquisa em um campo e de um processo de apoio a uma disciplina. O uso de dados estatísticos foi defendido por Paul Otlet, desde 1934, para constituir as coleções de periódicos. Essas permitem concentrar as aquisições nos poucos títulos mais conceituados e que correspondem à maioria das expectativas dos usuários de uma biblioteca. Esses títulos editam os trabalhos que são indispensáveis conhecer para qualquer nova investigação, têm um número significativo de assinantes, uma presença em bases de dados documentais e em listas de referência de um domínio científico. As citações que recebem e sua inclusão em uma temática os ancoram em uma disciplina, em cuja construção do núcleo fundamental participam. E então atiram para a periferia as revistas de menor notoriedade.

      Se o apoio institucional é o que permite a uma revista existir, o apoio das bibliotecas é essencial. Ora a tentação em tempos de restrição orçamentária é unir esforços no que parece mais útil. Esta é uma das dificuldades encontradas por quem pretende tornar visíveis novas orientações ou temas através de revistas jovens, uma vez que estas ainda têm de dar provas do seu valor. Para além do mais, isso também pode ser um freio à interdisciplinaridade, enquanto que os convites para apresentação de projetos incitam a propor pesquisas na confluência de várias disciplinas. Ao mesmo tempo, alguns trabalhos tendem a mostrar que a citação de um artigo se deve mais à notoriedade de seu autor e da revista que o


      publica do que ao financiamento obtido; é o caso, por exemplo, da Ciência da Informação - documentação (CRONIN; SHAW, 1999).

      A revista participa do desenvolvimento e da consolidação da fundação de uma disciplina como lugar que dá visibilidade aos avanços da investigação, de debates e de partilha de conhecimento. Os vários cálculos de impacto com base em listas, repertórios e bancos de todos os tipos, usados para observá-la, para serem significativos devem ter em consideração as condições de sua produção, sob pena de as conclusões poderem resultar inadequadas (GINGRAS, 2008) ou falsas. Os desafios são científicos, mas também sociais e políticas. Podemos, portanto, compreender o interesse que a revista desperta entre os pesquisadores e muito particularmente em CIC.


  4. SOBRE O INTERESSE POR ELA: A REVISTA COMO OBJETO MEDIADOR


    Se excluirmos os estudos realizados por todas as disciplinas sobre as suas próprias revistas, na maioria das vezes na forma de um balanço para sugerir melhorias ou especificar seu papel na avaliação da pesquisa, é em Sociologia e em CIC que os trabalhos são mais numerosos. Os sociólogos estudam-nas porque têm interesse no grupo social dos investigadores (PONTILLE, 2007 por exemplo); em CIC trata-se de analisá-las como objeto que assegura a mediação da investigação e de examinar a sua utilização por grupos sociais particulares no âmbito da comunicação científica.


    1. Sobre alguns trabalhos em revistas científicas


      A Sociedade Francesa de Ciências da Informação e da Comunicação (SFSIC)21 dedicou à revista jornadas de estudo, em parceria com a Escola Nacional das Ciências da Informação e das Bibliotecas (ENSSIB)22, e um colóquio em 200223, para citar apenas alguns exemplos. Por sua vez, laboratórios ou redes de pesquisadores, às vezes com uma ampliação das problemáticas, têm organizado congressos de envergadura internacional24.

      As questões são múltiplas porque a revista, além de ser um objeto mediador, que como tal interessa às CIC, também é o sinal da vitalidade de uma disciplina de que ela veicula as pesquisas mais recentes. Ela permite compreender o funcionamento científico e é o reflexo do estado de maturidade de uma ciência, pela sua inserção num conjunto de seus paradigmas, pela sua capacidade de propor a renovação destes, e pelas aberturas que é capaz de dirigir. Para o leitor, o acompanhamento de um título faz parte do desejo de enriquecer e atualizar uma perícia, ao mesmo tempo que de apoiar um órgão no qual ele se reconhece. Desde o trabalho pioneiro de Jean Meyriat, a avaliação da revista se enquadra na comunicação científica. Esta está presente aí, de modo mais ou menos central, em obras que trouxeram avanços importantes.



      21Nota das tradutoras: A SFSIC é a instituição científica da disciplina em França.

      22 Por exemplo: «Une nouvelle donne pour les revues scientifiques ?», 19-20 novembro 1997.

      23 Place et enjeux des revues pour la recherche en infocom, colloque SFSIC, LAMIC, Nice 25-26 março 2002.

      24 É o caso do «Groupe de recherche sur les enjeux de la communication (GRESEC)», em Grenoble, que organizou diversos colóquios sobre assuntos relacionados com as revistas et de modo mais geral sobre a comunicação científica, nomeadamente a Publicisation de la science, e da rede de investigadores sobre edição e publicação científicas que organizou o colóquio Édition et publication scientifique en sciences humaines et sociales: formes et enjeux, 17-19 mars 2010, Universidade de Avignon.


      Alguns pesquisadores optaram por explorar os aspectos econômicos ligados às estratégias das grandes editoras e ao encargo constituído pelas assinaturas, em particular com a generalização da digitalização (CHARTRON, 2007) e dos pacotes de preços disponibilizados às bibliotecas. Outros, sobretudo os colocados nas Unidades regionais de formação em informação científica e técnica (URFIST), trabalham em questões relacionadas com a utilização, muito especialmente a de formatos digitais (BOUKACEM, SCHÖPFEL, 2005).

      A revista também tem sido estudada como objeto concreto, por um lado, na tentativa de a definir como tal, o que evidenciou os aspectos técnicos e cognitivos (BOURE, 1993) e evoluções pouco sensíveis no contexto da emergência dos suportes eletrônicos (COUZINET, 1999). Por outro lado, de um ponto de vista social, foram examinados os modos de acesso aos conteúdos (COURBIÈRES, 1997) e os usos dos pesquisadores aprendizes (COUZINET, BOUZON, 1997). As reticências observadas em 1997 levaram, alguns anos depois, a questionar o lugar ocupado pelas plataformas de revistas na circulação da ciência, a estudar o modo como se complementam e a examinar o serviço que oferecem aos usuários (SENIÉ-DEMEURISSE; ROUX COUZINET, 2007). A

      transferência do impresso para o digital (JULIA, 2002) e a criação de sites de acompanhamento ou de vitrines são mais comuns do que a criação de verdadeiras revistas eletrônicas (RÉGIMBEAU, 2001). Tal situação levou, pelo menos durante algum tempo, a uma confusão de denominações. Se a estrutura do artigo permanece inalterada, a adição de pesados documentos de acompanhamento torna-se possível, como também o destacam os sociólogos: a transição para o digital é uma oportunidade de publicar gráficos


      complexos e coloridos para melhor visualizar "grandes redes" (DEGÈNE, 2004) e para juntar relatórios de pesquisas empíricas sobre acervos ou sobre grandes populações. No entanto, uma investigação mostra que as listas elaboradas pelos representantes das comunidades científicas em CHS no âmbito da Agence d’évaluation de la recherche et de l’enseignement supérieur (AERES) ainda levam pouco em conta as novas revistas em formato exclusivamente eletrônico (COUZINET, 2015).

      Têm sido realizadas investigações em áreas específicas do conhecimento, como matemática e informática (RENZETTI; TÊTU, 1995), ou em domínios em que as revistas mantêm vínculos estreitos com grupos sociais que não se limitam aos pesquisadores (FABRE; LIQUÈTE; GARDIÈS, 2009). No estudo da divulgação, por exemplo, foi possível lançar luz sobre formas particulares de escrita e a função, para os autores pesquisadores, das revistas destinadas a um grande público interessado em ciência (JACOBI, 1999; JEANNERET, 1994; JURDANT, 1973). Para os praticantes de arte (RÉGIMBEAU, 2002), arqueologia (FRAYSSE, 1999), química (BÉGAULT, 2007), arquitetura (COURBIÈRES, 2009), a análise da função da revista tornou possível realçar o valor de trabalhos e de se ter em consideração a pesquisa. Diferentes formas também foram exploradas, como a revista de moda (COURBIÈRES, 2002) ou as de popularização da história (SENIÉ-DEMEURISSE, 2012).

      A equipe MICS deu um grande contributo a essas investigações, e ao longo dos trabalhos as definições das formas suscitaram muitas discussões. Que critérios devem ser propostos para definir as particularidades de cada revista? Outras pesquisas debatem igualmente esta dificuldade. Uma pesquisa infométrica recente, por exemplo, destaca essa necessidade de categorização.


      Apesar das precauções tidas, o leitor é mergulhado na confusão dos suportes mediadores: "revista científica" e "revista de variedades" parecem cobrir a mesma coisa (PROST; SCHÖPFEL, 2013). É preciso dizer que trabalhos anteriores igualmente infométricos, e nos quais se baseia parcialmente a referida pesquisa, tinham constituído um corpus tomando em consideração todos os títulos listados na base de dados então intitulada Sciences de l'Information do Institut de l'Information Scientifique et Technique (INIST) (JEANNIN, 2001). Conhecemos as oposições suscitadas pelo método utilizado e as fortes críticas feitas, em particular, à constituição deste corpus. Desde então, uma pesquisa empírica sobre as bases de dados do INIST revelou como este instituto os constituía. Isso permitiu distinguir o que é indexado do que é simplesmente repertoriado (COUZINET; SENIÉ-DEMEURISSE, 2008). Parece-nos que tentar estabelecer algumas definições complementares à de "revista científica", estabelecida por Robert Boure (1993) e amplamente retomada na literatura da especialidade, permitiria equipar investigações e construir corpus menos heterogêneos. Neste livro, trata-se, portanto, de tirar partido das investigações conduzidas desde há vários anos por nossa equipe de pesquisadores para propor categorias, sem excluir as hibridações que ocorrem entre elas em função dos seus usos, disciplinas e tradições.


    2. Em direção a uma tipologia das revistas


      Os periódicos permanecem, como o texto de Jean Meyriat citado na introdução sublinhou, o suporte de mediação mais amplamente usado para circular o conhecimento. No entanto, nem


      todos os conhecimentos são desenvolvidos no estreito círculo da pesquisa. Os adquiridos pela prática, ou os desenvolvidos em contextos distintos daqueles em que são difundidos, também tomam emprestados suportes periódicos, mas que atendem a critérios diferentes dos vigentes no campo da ciência. Como circulam as aquisições da experiência? Como se dissemina a memória de um lugar? Como dar a conhecer a um grupo destinatário privilegiado as mudanças que o afetam na sua vida profissional? Por quais transformações o conhecimento passa para que possa ser usado em circunstâncias em que a ação deve responder à urgência? Essas questões referem-se a formas particulares de revistas que são necessárias estudar para compreender os modelos de escrita, as missões a que desejam responder, os leitores a que se destinam. Trata-se, então, de enriquecer a corrente de estudo da circulação dos conhecimentos e dos saberes25 com a introdução de obras inéditas que, na comunicação científica, colocam elementos de compreensão das transformações em contextos, projetos ou questões que, a priori, não parecem poder ser qualificadas como científicas.

      A proposta de definição dessas formas particulares de revistas tem levado a proceder a observações que visam propor uma tipologia - das figuras - e ilustrá-la com estudos de caso que mostram o interesse e os limites dessa tipologia. Assim, como extensão de um programa de investigação sobre sociedades


      25 Distinguimos «conhecimentos» − designação que se refere à «ciência em construção» tal qual se apresenta especialmente nas revistas, que é o nosso ângulo de estudo aqui − de «saberes» − expressão que diz respeito sobretudo a um conjunto de investigações, «a ciência feita», que valida aquilo que foi publicado em revistas e que seria publicado preferencialmente em livros.


      científicas e publicações digitais26, debruçámo-nos sobre as revistas que visam promover uma certa ideia de um espaço que circunscrevem e que veiculam, através de uma linguagem, monumentos, autores, objetos ou tradições que elas fazem reviver. Tais revistas, qualificadas como "locais", existem apenas graças aos atores que as geraram e à rede de autores que as mantém, como demonstram Viviane Couzinet e Raoul Normand (Capítulo 1). Para ilustrar essa proposição, a análise diacrônica e aprofundada, realizada por Josiane Senié-Demeurisse (Capítulo 4) do boletim da Société agricole, scientifique et littéraire des Pyrénées Orientales, produzida pela sociedade erudita do mesmo nome, enfatiza a atividade cultural fundada na existência de uma história local e de um patrimônio que se incumbiu de dar a conhecer. Um outro estudo de caso é fornecido por Christine Carrère-Saucède (Capítulo 5), com base na análise das tabelas do Bulletin de la société arquéologique, littéraire et scientifique du Gers27. Se, também aqui, podemos realçar uma forte participação na construção de uma certa ideia do local, o que parece ser, então, a característica marcante das revistas de sociedades letradas vinculadas a um território, notamos, com uma evolução ao longo do tempo, uma tendência para a autocelebração e uma participação bastante significativa dos professores-pesquisadores e dos alunos. No entanto, não podemos irmaná-las completamente com uma outra revista de sociedade erudita, as Mémoires de la Société archéologique du Midi de la France, que Patrick Fraysse estuda (Capítulo 8), a qual tem


      26 Sociétés savantes et publications numériques: aspects sociaux, techniques et juridiques, contrato de investigação do Ministério (francês) do Ensino Superior, delegação para as tecnologias, LERASS-MICS em parceria com o IRIT Toulouse e o CETIJ Montpellier, 2009.

      27 Nota das tradutoras: Gers é o nome dum departamento du Sul da França.


      ligações muito estreitas com a universidade e, por isso, pode ser considerada uma revista científica.

      As revistas institucionais que buscam estabelecer vínculos, ou mantê-los com um público-alvo, participam da valorização das ações das instituições que as originaram. Para além desta função de comunicação, a multiplicação dos tipos − boletim informativo, revista − separa as missões e exibe uma ambição. É o que Dominique Trouche (Capítulo 2) desvenda ao analisar Chemins de la Mémoire, uma publicação mensal do Ministério da Defesa, destinada a um público essencialmente escolar. É possível extrair desta análise algumas características comuns que definem uma "revista institucional", categoria que se encontra igualmente no Capítulo 8 em Monuments historiques.

      O exercício diário de uma profissão exige uma atualização contínua dos conhecimentos adquiridos na formação ou no campo. Compartilhar a experiência adquirida é um dos pilares em que se baseiam as revistas profissionais. Essas têm sido pouco estudadas. Uma recuperação de alguns trabalhos, publicados na França e em outros países, em diferentes setores de atividade e um exame da situação das publicações no domínio da agricultura, permitiram desenvolver a tipologia proposta. Viviane Couzinet e Maryem Marouki (Capítulo 3) propõem distinguir entre "revistas técnicas profissionais" voltadas para as máquinas e as ferramentas, "revistas híbridas" que abrem espaço para a pesquisa, e “revistas profissionais para a prática” que se dedicam a compartilhar o cotidiano. Podemos detectar essa diferenciação com gradações próprias do domínio da construção e das minas na pesquisa realizada por Béatrice Bégault sobre as revistas produzidas para engenheiros (Capítulo 6).


      Os estudos de caso (Capítulos 4, 5 e 6), baseados em um determinado título ou grupo específico de usuários, mostram que as categorias definidas são, em grande parte, operacionais. Com um alcance mais panorâmico da diversidade de publicações vinculadas a um campo e em uma perspectiva histórica, Caroline Courbières (Capítulo 7) examina as publicações de moda. Uma síntese dos níveis informacionais e dos tipos de informação de moda permite- lhe voltar ao princípio da contratualização midiática. Sobre a questão do patrimônio monumental, a interdisciplinaridade do campo nos convida a olhar para suportes de disciplinas próximas entre elas. Uma outra categorização é, então, proposta por Patrick Fraysse: "revistas científicas com financiamento público", existentes em história da arte, arquitetura ou arqueologia; "revistas independentes", de grupos profissionais, associações de defesa do patrimônio ou sociedades eruditas; e revistas "comerciais". Não obstante, tal categorização cruza-se com a anterior e podemos encontrar características comuns capazes de possibilitar a produção de brechas de leitura adaptáveis à diversidade de entradas na análise das revistas. Em uma atividade muito diferente, a da proteção civil em áreas de risco industrial e natural, e com base em um estudo comparativo de ambientes midiáticos no México e na França, Michèle Caria e Sylvia Sigales Ruiz (Capítulo 9) mostram que o retorno das experiências e os trabalhos de pesquisa fundamentam a cultura profissional em uma hibridação perceptível nas revistas.


  5. CONCLUSÃO


Se o estudo da revista científica deu lugar, na nossa disciplina, a muitos trabalhos como dissemos anteriormente, por sua vez a equipe MICS tem produzido pesquisas destinadas a esclarecer as definições anteriores de forma a ter em conta a emergência do contexto digital e dos arquivos abertos e privilegiando a abordagem de mediação dos conhecimentos (ver no apêndice a lista das suas publicações sobre as revistas). Tais investigações levaram a observar as práticas de públicos específicos e a questionar a ligação entre o mundo dos pesquisadores e o mundo dos profissionais, focalizando as hibridações em ação entre os dois. Ao longo do caminho, essa pesquisa rapidamente se deparou com a dificuldade de integrar em quadros estáveis e bem definidos os corpus constituídos. Isso obrigou a ampliar o projeto inicial, fundado sobre a análise da comunicação científica entre pesquisadores, e a considerar novas dimensões que levassem em conta os grupos sociais que se relacionavam com a pesquisa. As análises empíricas têm sido numerosas e os casos suficientemente diversos para permitir dar um contributo significativo para a análise da revista científica observada a partir da mediação dos conhecimentos, usos e práticas em vários contextos. Assim, a abordagem info-comunicacional tem- se mostrado fecunda e, parece-nos, participa, em seu lugar, numa melhor compreensão desse objeto interdisciplinar que é a circulação dos conhecimentos e dos suportes que ela toma emprestados. Estes trabalhos foram amplamente divulgados e são bem conhecidos nas Ciências da Informação e Comunicação na França e no exterior.

No entanto, para responder ao interesse despertado pelo suporte revista, em particular com a digitalização, a coexistência de


versões impressas e digitais, o desenvolvimento de plataformas, a criação de novas revistas eletrônicas tornaram necessário especificar características para definir categorias para completar as estabelecidas para revistas científicas. O objetivo é duplo: fornecer análises que visem compreender melhor a revista como objeto mediador de conhecimentos, nas suas formas e nas suas adaptações a contextos particulares, e equipar a crítica do corpus, essencial para a sua construção, através de enquadramentos comprovados por estudos empíricos. Porém, não pretendemos fazer aqui uma categorização completa e imutável; o assunto permanece em aberto e apostamos que a revista ainda tem muito a dizer e a fazer dizer.


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