TRADUÇÃO


As redes que nos reúnem: trocas e diálogos franco- brasileiros em Ciências da Informação


The networks that bring us together: Franco-Brazilian exchanges and dialogues in Information Sciences


Les réseaux qui nous rassemblent : échanges et dialogues franco-brésiliens en sciences de l'information


Regina Maria Marteleto1


1Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação do Ibict/Eco/UFRJ. É líder do Grupo de Pesquisa Cultura e Processos Infocomunicacionais. Representante e responsável científica, pelo Brasil, da Rede Franco-Brasileira de Pesquisadores em Mediações e Usos Sociais de Saberes e Informação - Rede MUSSI, desde 2008.

regina.marteleto@gmail.com


  1. INTRODUÇÃO


    Este artigo2 visa reconstruir o processo de construção da Rede Franco-Brasileira de Pesquisadores em Mediação e Usos Sociais de Saberes e da Informação - Rede Mussi3, uma rede de pesquisadores criada pelo interesse de seus fundadores e participantes em torno do diálogo crítico e do compartilhamento de ideias sobre as questões do campo epistemológico da Ciência da Informação, bem como das condições políticas para a avaliação e o financiamento da pesquisa e o papel das entidades associativas e representativas da comunidade de pesquisadores para a expansão quantitativa e, especialmente qualitativa, deste campo de estudo.

    Primeiramente, refletimos sobre a configuração de redes científicas que se constituíram a partir dos interesses de pesquisa de diferentes países e disciplinas, cuja formação é estimulada por programas estratégicos internacionais de pesquisa e políticas científicas, especialmente nas últimas décadas, com o objetivo de estudar questões relevantes que afetam diferentes países, tais


    2 Este texto foi originalmente publicado em formato de capítulo no livro Sur les sciences de l'information et de la communication. Contributions hybrides autour des travaux de Viviane Couzinet, organizado por Patrick Fraysse, Cécile Gardiès, Isabelle Fabre, publicado em 2017 pela Ed. Cépaduès, Toulouse, França. Acrescentamos algumas atualizações nessa versão. Agradecemos à Editora Cépaduès e aos organizadores a cessão do capítulo para a sua publicação em português.

    3 A Rede Franco-Brasileira de Pesquisadores em Mediação e Usos Sociais de Saberes e da Informação (MUSSI) foi criada em 2007, por iniciativa de Viviane Couzinet (Professeur des universités Ciências da Informação e da Comunicação, Université de Toulouse 3, França) e Regina Marteleto (Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia/Ibict - Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ). Reúne pesquisadores brasileiros e franceses no campo da Ciência da Informação, interessados em temáticas que associam os aspectos epistemológicos, teóricos, metodológicos e práticos da informação, aos interesses e necessidades da sociedade e os seus diferentes domínios. Durante os eventos, o grupo recebe pesquisadores associados de outras disciplinas conexas e de outros países.


    como a mudança climática, a gestão da água e as questões ambientais, por exemplo. Além desta reflexão sobre o entendimento das redes científicas, também é necessário considerar que elas se constituem como redes sociais, isto é, formadas por indivíduos, equipes de pesquisa, instrumentos de mediação, normas estabelecidas pela comunidade de pesquisadores e que têm configurações diferentes em relação às diversas disciplinas e campos científicos.

    Reconstruiremos então o percurso de criação da Rede Mussi, como uma rede internacional de pesquisadores no campo das Ciências da Informação, a partir de suas duas dimensões constituintes: a) histórica; b) epistemológica - temática. Para a primeira, trata-se de considerar as interações e o compartilhamento de questões e interesses entre os pesquisadores dos dois países que levaram à decisão de criar a Rede. Para o segundo, a partir da coleta de perguntas e abordagens sobre a informação e o documento, que ao longo da história do campo têm constituído um campo epistemológico de interesse comum, serão discutidos os temas e questões que representam os eixos de pesquisa e colaboração entre pesquisadores de ambos os países no âmbito da Rede Mussi.

    Finalmente, serão apresentados alguns desafios da Rede Mussi como rede internacional franco-brasileira de pesquisadores no campo das Ciências da Informação, nos temas que lhe dizem respeito, assim como a interdependência de cada ator na mediação de reflexões e ações relacionadas aos seus próprios temas e às condições contextuais e institucionais de produção e difusão do conhecimento.


  2. AS REDES NA CIÊNCIA


    O principal objetivo da atividade científica é a produção de conhecimento sobre problemas que afetam sociedades, povos e nações, o que requer a interação de pesquisadores de diferentes campos e nacionalidades. Essas interações podem assumir várias formas, como a troca informal de informações durante encontros organizados por órgãos científicos ou profissionais, ou intercâmbios mais formais, por exemplo, aqueles resultantes da integração de equipes de pesquisa, conselhos científicos, publicações e edições conjuntas, etc. (VARANDA et al., 2012). Essa estrutura cooperativa tem sido encorajada nas últimas décadas pelo investimento público na ciência e difusão do conhecimento, em um contexto geopolítico de globalização econômica e comunicação científica entre pares e outros atores, facilitadas por novos meios de informação e comunicação, o que aumenta a mobilização dos membros do laboratório e das equipes de pesquisa.

    Em geral, os estudos sobre as atividades científicas reconhecem três formas de expressão do caráter internacional da ciência e da produção de conhecimentos: "Primeiro, a circulação de pessoas, textos e objetos, segundo, o modo de produção do conhecimento e terceiro, o financiamento da pesquisa". (GINGRAS, 2002, p. 31). Isso significa que ao longo da história da constituição do campo científico, a circulação internacional de ideias e conhecimentos tem sido cada vez mais padronizada por regras de gestão e organização das atividades científicas, especialmente a partir do desenvolvimento de políticas e programas de financiamento e avaliação.


    Ao mesmo tempo, a produção e difusão do conhecimento refletem um desequilíbrio entre diferentes países e disciplinas. Uma parte do mundo é de fato o principal investidor em pesquisa científica e inovação (principalmente em língua inglesa), o que leva a um aumento do número de publicações em certos países e disciplinas, indexadas em grandes bases de dados internacionais, como a Web of Science, ou através de citações que estão concentradas em revistas científicas desses mesmos países. As áreas de conhecimento das Ciências Sociais, como a Ciência da Informação, cujos objetos de pesquisa estão frequentemente relacionados a questões locais, enfrentam ainda mais obstáculos para se integrarem a essas redes internacionais de pesquisa. (GINGRAS, 2002; UNESCO, 2010). Apesar destas observações, mais favoráveis a alguns campos e regiões do mundo, a internacionalização na ciência, bem como a maior mobilização de pesquisadores, parece abrir caminhos para mudar o cenário científico em nível global, através da constituição de redes de cooperação (UNESCO, 2010).

    As redes de cooperação científica existem há muito tempo, no âmbito de organizações científicas internacionais, e seu número tem aumentado nas últimas décadas. A partir de estruturas locais e informais, sua constituição evoluiu para empreendimentos voluntários e coletivos, promovidos por programas públicos de pesquisa, o que demonstra a intenção de se organizar o trabalho científico: "Não há, entretanto, um modelo único de rede" (VINCK, 2007, p. 113). De fato, a diversidade das redes na ciência está ligada ao fato de que, além das políticas e programas públicos de pesquisa - redes estimuladas - as redes na ciência, como outras que integram atores que compartilham e investem em objetivos


    comuns, são sempre redes sociais, formadas por interesses e objetivos comuns.

    Assim, o esforço para compreender e trabalhar em redes científicas, apesar de suas diferentes configurações em relação às disciplinas, entre outros fatores, leva a considerar que a atividade científica não é um empreendimento individual e isolado. Os pesquisadores trabalham em equipes ligadas a laboratórios, organizações ou redes de cooperação científica, onde seu trabalho é coordenado. Eles estabelecem relações hierárquicas, de cooperação e de afinidades pessoais relacionadas aos temas e objetos de pesquisa, circulam seus textos entre os colegas e se reúnem para discutir seus trabalhos (VINCK, 2007, p. 140). Como atores sociais, eles são seres em relação, seja a partir de suas redes pessoais, entre as quais investem seu capital social e científico (BOURDIEU, 1997), seja em círculos sociais que integram cientistas e não cientistas, ou co-participantes como autores no circuito internacional de publicações.

    De toda forma, na atualidade, sejam as redes científicas redes de cooperação estimuladas por políticas e programas internacionais de pesquisa, sejam redes organizadas com base nas relações estabelecidas entre pesquisadores, elas respondem à mesma intenção dos países centrais ou periféricos de estabelecer parcerias para o compartilhamento do conhecimento, financiamento e difusão dos conhecimentos produzidos pela atividade de pesquisa.

    O domínio da Ciência da Informação tem um duplo desafio em relação a essas modalidades de reestruturação das atividades científicas. Por um lado, como disciplina que faz parte das Ciências Sociais, deve levar em conta as especificidades de seus objetos de estudo em relação à cultura local de cada país e de cada povo,


    assim como as condições de exercício das atividades de produção de conhecimentos. Por outro lado, a questão do conhecimento, do ponto de vista de sua materialização documentária e informacional, é objeto de estudo desta mesma disciplina. Assim, é necessário empreender, na prática e na teoria, reflexões sobre estas novas modalidades de intercâmbio e produção de conhecimento em redes sociais científicas.


  3. A REDE MUSSI - ANTECEDENTES


    A Rede Mussi é formada por um grupo de pesquisadores especializados em questões do campo da informação pertencentes a várias equipes e laboratórios de pesquisa do Brasil e da França. Sua criação foi precedida de vários encontros entre pesquisadores dos dois países, entre 2004 e 20054, que levaram à elaboração de


    4 Em março de 2002, V. Couzinet organizou o Colóquio Internacional Recherches récentes en sciences de l'information: convergences et dynamiques, 21 e 22 de março de 2002, Toulouse, MICS e LERASS, Université Toulouse-III, onde Regina Marteleto apresentou um trabalho sobre os resultados de uma pesquisa em redes sociais formada por especialistas, estudantes, membros de comunidades e movimentos sociais, profissionais de serviços, em torno de questões de saúde das populações de favelas no Brasil. Este momento sinalizou um interesse mútuo entre as duas colegas pela questão das redes, uma vez que V. Couzinet tinha acabado de publicar o livro Médiations hybrides. Le documentaliste et le chercheur en Sciences de l'information. Paris: ADBS, 2000, resultado de sua pesquisa sobre as redes formadas por pesquisadores e documentalistas na construção do campo da informação-documentação na França. Em novembro de 2004 Viviane Couzinet foi convidada para proferir a conferência inaugural sobre o estado da pesquisa da CI na França, por ocasião do Workshop - Políticas e Estratégias para a Pesquisa e o Ensino de Pós-Graduação en Ciência da Informação, organizado pela Ancib - Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciência da Informação. Esta visita foi ainda uma oportunidade de conhecer alguns programas de pós-graduação a fim de estabelecer contatos com pesquisadores e estudantes. Em abril de 2006, Regina Marteleto foi convidada a fazer parte do Comitê Científico e proferir a conferência inaugural sobre a situação da pesquisa da CI no Brasil, no Colóquio L'information dans les organisations, organizado pela Université de Tours. Foi ainda a oportunidade de participar de


    um projeto científico capaz de estimular, ao longo do tempo, um conjunto de parcerias, projetos, publicações, jornadas de estudo e colóquios, graças ao intercâmbio entre pesquisadores e estudantes pós-graduandos. Durante esses encontros, os pesquisadores franceses e brasileiros discutiram os interesses científicos de cada um e as possíveis formas de colaboração entre eles. Uma das formas previstas, além das iniciativas institucionais já iniciadas ou planejadas, foi a criação de uma rede franco-brasileira de pesquisadores em torno de um tema que pudesse reunir as diferentes questões, teorias, metodologias e interesses de pesquisa.

    Em junho de 2007, por ocasião do 6º Colóquio Internacional do Capítulo francês da Isko-França, organizado pela LERASS, Université Paul Sabatier, Toulouse 3, os pesquisadores franceses e brasileiros presentes organizaram um encontro para refletir e discutir sobre a criação de uma rede franco-brasileira, baseada em apresentações sobre as questões de formação e pesquisa em Ciências da Informação, e em particular sobre as tendências temáticas, teóricas, conceituais e metodológicas da pesquisa em ambos os países5. A rede deveria ser temática e não em "Ciências da Informação", a fim de não ser confundida com as associações do


    um programa de palestras e de estabelecer contatos com a Equipe MICS - Médiations en Information et Communication Specialisées do LERASS - Université Paul Sabatier, Toulouse, coordenada por V. Couzinet.

    5 Um grupo de pesquisadores fez parte dessa primeira fase de discussões sobre a Criação da Rede Mussi: pela França, Anette Béguin (Université de Lille 3), Caroline Courbières (Université de Toulouse 3), Gérard Régimbeau (Universitéde Toulouse 3), Jean-Paul Metzger (ENSSIB, Lyon), Stéphane CHaudiron (Université de Lille 3), Viviane Couzinet (Universitéde Toulouse 3); pelo Brasil, Vera Dodebei e Icléia Thiesen (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), Johanna Smit e Marilda Lara (Universidade de São Paulo), Marta K. Pinheiro e Maria Aparecida Moura (Universidade Federal de Minas Gerais), Regina Marteleto e Rosali F. de Souza (IBICT-Universidade Federal do Rio de Janeiro), Mirian V. da Cunha (Universidade Federal de Santa Catarina).


    campo e para representar de forma adequada os interesses e linhas de pesquisa dos pesquisadores membros. Três eixos temáticos foram preparados previamente, cada um por um grupo de pesquisadores, para serem discutidos durante esse encontro: a) Organização do conhecimento; b) Mediações, acesso e usos da informação; c) Epistemologia e história da produção científica na CI. Após debates sobre estes três eixos, a temática geral da Rede foi estabelecida como mediações e uso social dos saberes e da informação (MUSSI), representando um núcleo temático da tradição e perspectivas da pesquisa em CI na França e no Brasil, do ponto de vista histórico, epistemológico e institucional no que diz respeito à organização do conhecimento, sua circulação como matéria informacional em diferentes entidades civis e organizacionais da sociedade. Assim, os pesquisadores sustentaram que a CI tem um papel fundamental a desempenhar na formação de espaços críticos de reflexão sobre o papel da informação e seus especialistas e profissionais nas sociedades modernas, históricas e complexas, hoje denominadas "sociedades de informação, conhecimento e comunicação". Uma rede franco-brasileira de pesquisadores deveria estimular e propor caminhos para a constituição desses espaços, levando em conta os aspectos culturais, educacionais, científicos e sociais de cada povo e de cada país.

    Nessa mesma ocasião, além das questões relacionadas às formas de comunicação e organização deste conjunto de pesquisadores em rede, os participantes decidiram organizar um primeiro colóquio científico internacional, que seria realizado em 2008, no Rio de Janeiro, uma ocasião também para celebrar a constituição da Rede Mussi.


  4. UM COLÓQUIO FUNDADOR


    O 1º Colóquio Científico Internacional "Mediações e usos dos saberes e da informação: um diálogo França-Brasil", realizado em novembro de 2008, foi o colóquio fundador da Rede Mussi. No final deste colóquio e levando em conta as frutíferas colaborações científicas estabelecidas desde 2004, uma carta de intenções foi elaborada e assinada por pesquisadores de ambos os países:

    Os abaixo assinados constituem a Rede Franco-Brasileira de Pesquisadores. Esta rede está estruturada sob o tema das mediações e usos sociais dos saberes e da informação (Mussi) e visa desenvolver colaborações científicas sob diferentes formas: pela acolhida a estudantes de doutorado e pós-doutorado, a organização de colóquios e jornadas de estudo, o fluxo de estudantes e pesquisadores entre os dois países, a cooperação em projetos e programas de pesquisa, as publicações coletivas em ambos os países da Rede. Será dirigido por um grupo de seis pesquisadores - três de cada país - que, como coordenadores, definirão conjuntamente as linhas comuns de trabalho e a busca de meios para realizar os projetos (Rede Mussi. Carta de intenções. Rio de Janeiro, 7 de novembro de 2008).


    A partir deste primeiro colóquio, a Rede Mussi organizou outros colóquios e jornadas de estudo6, alternadamente em cada


    6 A partir deste Colóquio de 2008, a Rede Mussi organizou os seguintes encontros: I Journée Scientifique Internationale – 2010 (Avignon, France) Médiations Documentaires : entre réalités et imaginaires; II Colloque Scientifique International – 2011 (Toulouse, France) Médiations et hybridations : construction sociale des savoirs et de l´information; 2a. Jornada Cientídica Internacional - 2021 (Rio de Janeiro, Brasil) Redes e processos info- comunicacionais: mediações, memórias apropriações; III Colóquio Científico Internacional - 2014 (Salvador, Brasil). As transformações do documento no espaço-tempo do conhecimento; III Jornada Científica Internacional - 2016 (Toulouse, França) De la médiation des savoirs: science de l’information- documentation et mémoires; IV Colóquio Científico Internacional - 2018 (Lille, França) Mediação dos saberes: Ciência da Informação - documentação e memórias; IV Jornada Científica Internacional - 2019 (Belo Horizonte, Brasil) Mediações da informação, democracia e saberes plurais; V Jornada Científica Internacional - 2021 (Rio de Janeiro, Brasil) Yves Jeanneret - trivialidade e mediações da cultura; V Colóquio Científico Internacional - 2021 (Rio de


    país, e assim intensificou as comunicações, publicações, visitas e colaborações entre pesquisadores e estudantes, além de estabelecer uma política de convites a especialistas de outros países e de áreas próximas ou interessadas em questões de informação por ocasião destes encontros.

    Os objetivos deste colóquio fundador foram mantidos nos outros encontros e têm servido para orientar as reuniões da Rede, publicações, visitas de pesquisadores e outras atividades, tais como:

    1. retomar perspectivas teóricas e metodológicas que favoreçam os aspectos críticos, culturais e sociais dos estudos de informação;

    2. apoiar os processos de internacionalização da pesquisa e a difusão do conhecimento no campo proposto pela Rede;

    3. oferecer a estudantes e pesquisadores em equipes de pesquisa e programas de doutorado a oportunidade de interação e intercâmbio com colegas estrangeiros;

    4. possibilitar aos estudantes de graduação, que participam de projetos de pesquisa conduzidos pelos membros da Rede, a interação com discussões e reflexões internacionais sobre temas no campo da informação;

    5. organizar discussões sobre as condições de abertura de projetos e de cooperação entre grupos de pesquisa e laboratórios;


      Janeiro, Brasil) A mediação dos saberes em perspectiva: memória e construção social.

      Os textos das conferências e das comunicações são publicadas em anais, em texto completo e acesso aberto, em duas séries das "Manifestações Científicas Internacionais de Mussi": "Colóquios Científicos Internacionais" e "Jornadas Científicas Internacionais".


    6. refletir sobre as especificidades, desafios e caminhos da pesquisa em programas de pós-graduação;

    7. discutir e deliberar sobre os modos de organização e funcionamento da Rede. 7

      Para este colóquio, e depois para os demais, um comitê científico internacional, composto por especialistas em Ciência da Informação (Brasil) e em Ciências da Informação e Comunicação (França), foi reunido para produzir uma chamada de trabalhos aberta aos vários interessados e realizar a seleção das propostas de trabalhos. Para cada colóquio, pesquisadores de ambos os países e de outros países foram convidados como conferencistas ou palestrantes, de acordo com o tema geral de cada um desses encontros:


      1. O terreno epistemológico e interdisciplinar da formulação dos conceitos de conhecimento, saber e informação no campo dos estudos de informação.


        A institucionalização das Ciências da Informação no Brasil e na França e o lugar da pesquisa sobre mediações e usos sociais da informação. O pensamento dos precursores desses estudos nos dois países; o papel dos conhecimentos, saberes e da informação para o desenvolvimento científico, social e econômico;

      2. Mediação, acesso, apropriação e uso da informação - questões práticas e teóricas


        7 I Colóquio Internacional da Rede Mussi Mediações e Usos de Saberes e Informação: um diálogo França-Brasil. Relatório final. Rio de Janeiro: Rede Mussi; Icict/Fiocruz; Ibict/UFRJ, 2008.


        Informação e teoria social: áreas de interface. Informação e processos culturais e simbólicos. Mediações e apropriações sociais de informação para a produção de conhecimentos. Redes sociais, tecnologias de comunicação e informação e modos de recepção, linguagens e escrita em diferentes espaços institucionais e virtuais. Usuários e usos da informação. Leitura, textualidade e memória: teorias, práticas, ações e políticas;

      3. Mediação e organização de saberes, conhecimentos, informações - questões de representação e linguagem Organização do conhecimento face aos novos usos e usuários de informações. Teorias e metodologias para a construção de ferramentas e linguagens de representação e recuperação de informações. Desafios para a organização do conhecimento multi-interdisciplinar face às transformações da ciência e da sociedade. Aspectos éticos e jurídicos relativos à produção, organização e representação de conhecimentos.

      Ao longo dos treze anos desde o seu colóquio fundador, os membros da Rede Mussi percorreram importantes caminhos de trabalho para a consolidação deste coletivo de pesquisadores. Tratava-se de levar em conta as diferentes perspectivas institucionais e contextuais dos programas de pesquisa e formação nos dois países, de procurar discutir os fundamentos de seu campo disciplinar e epistemológico e, sobretudo, de aprofundar o intercâmbio de ideias sobre os conceitos e questões em torno dos quais os esforços de pesquisa e intercâmbio se concretizam. Em termos de objetos, os membros da Rede permanecem vigilantes com relação à riqueza e heterogeneidade das formas das mídias e dos dispositivos de informação e comunicação, sem se limitar a um


      período de tempo ou espaço, sejam eles normativos, datados ou da atualidade digital. No contexto cultural, social e econômico da informação, os pesquisadores compreendem que no mundo atual os modelos gerenciais e técnicos parecem operar uma visão restritiva de informação, conhecimento, ciência, inovação, como produtos operados por variáveis econômicas, onde a avaliação da produção científica está focada principalmente nos aspectos quantitativos. Uma rede de pesquisadores deve refletir criticamente sobre os modos de produção dos saberes e da informação, levando em conta as mudanças em curso no campo científico e sua relação com o contexto social, político e econômico em nível global.


  5. CAMPO EPISTEMOLÓGICO, CONCEITOS E TEMÁTICAS DA REDE MUSSI


    O campo epistemológico que orienta a constituição da Rede Mussi tem suas demarcações gerais baseadas nas realizações teóricas dos fundadores do campo da documentação na transição do século XIX para o século XX, cujos princípios seriam retomados e retraduzidos por uma Ciência da Informação que se desenvolve a partir de meados do século XX, em um mundo cada vez mais interligado por redes sociotécnicas e fluxos intensos da informação- comunicação. Paul Otlet (1868-1944) e Suzanne Briet (1894-1989); Jean Meyriat (1921-2010); Robert Escarpit (1918-2000) e outros, foram os pioneiros de uma orientação das ideias de conhecimento, informação, comunicação, documento como processos socioculturais, baseados no ideal da livre troca de conhecimentos em nível internacional. Na França, pesquisadores em Ciências da Informação-Documentação retomaram as ideias destes fundadores


    da documentação francófona, como Viviane Couzinet e sua equipe de pesquisa em Médiations en information-communication spécialisée (Mics), em diálogo com outros grupos e pesquisadores em Ciências da Informação e Comunicação para a produção de uma abordagem social da informação no novo contexto das redes de informação-comunicação. (COUZINET, RAUZIER, 2001; SENIÉ- DEMEURISSE; COUZINET, 2011. No Brasil, profissionais ligados aos serviços de biblioteca e documentação empregaram, desde as primeiras décadas do século XX, os princípios de classificação do Instituto Internacional de Bibliografia (IIB), especialmente a Biblioteca Nacional (BN), que organiza um serviço de bibliografia e documentação em correspondência com o IIB, adquire registros do Repertório Bibliográfico Universal, organiza um curso de Biblioteconomia, o primeiro no Brasil, adota a Documentação como princípio para o tratamento de seu acervo, e considera a Bibliografia como base para o controle e difusão da produção intelectual brasileira. (ORTEGA; LARA, 2010; JUVÊNCIO, RODRIGUES,

    2016). Anos depois, graças à ação da Unesco e dos planos nacionais de ciência e tecnologia, foi fundado o Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação (IBBD), vinculado ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), hoje Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). Uma das missões deste Conselho era "manter relações com instituições nacionais e estrangeiras para o intercâmbio de documentação técnico- científica". 8 Este conjunto de "mediações híbridas" (COUZINET, 2000) entre os campos acadêmico, profissional e organizacional caracterizou o campo dos estudos de informação a partir dos anos


    8 BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 35.124, de 27 de fevereiro de 1954.


    1970. Durante este período, começam a se organizar os programas de pós-graduação na área de Ciência da Informação, no Brasil e na França. 9

    Os anais dos Colóquios e Jornadas reúnem os principais temas, conceitos e objetos de estudo dos palestrantes convidados, bem como daqueles que apresentam suas comunicações de pesquisa a partir das chamadas de trabalhos destes encontros científicos em nível internacional. Os temas das conferências plenárias de abertura podem dar uma ideia sobre a estrutura conceitual e temática desta rede científica, pois indicam o que é transversal aos interesses dos pesquisadores e seus estudos por ocasião destas reuniões. Os títulos das conferências de abertura (Quadro 1) apresentam os seguintes conceitos ou tópicos: mediação; uso; políticas de pesquisa em CI; materialidade do documento; cultura digital; documento e ciência; memória; informação e democracia; mediações da cultura; informação e organização do conhecimento.

    Estes conceitos, objetos e temas sublinham o interesse dos membros da Rede pelo debate e trocas sobre os conteúdos que cruzam o campo epistemológico de suas pesquisas, assim como as questões relacionadas às políticas de pesquisa em Ciência da Informação em ambos os países, especialmente no que diz respeito à organização de programas de pós-graduação, ao financiamento das atividades, à avaliação da produção científica e às publicações.



    9 En 1970 o IBBD cria o curso de mestrado em Ciência da Informação. Em 1992 o IBICT organiza o Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Ciência da Informação, em convênio com a Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ. Nos anos de 1970 é organizado na França, com o protagonismo de Jean Meyriat, Robert Esparpit e outros especialistas, o Doctorat de 3ème cycle en Sciences de l'Information et de la Communication, à l'École des Hautes Études en Sciences Sociales-EHESS


    Este duplo interesse permite aos membros da Rede Mussi e seus convidados uma visão mais ampla e comparativa da atividade científica em Ciência da Informação em cada país.

    Na conferência plenária do primeiro Colóquio Mussi (COLÓQUIO, 2008), Jeanneret lembrava que "a Ciência da Informação atua para assegurar que a informação seja compartilhada o mais frequentemente possível e, em alguns casos, leve ao saber. A consideração dos usuários, bem como o desenvolvimento das mediações, estão a serviço deste desafio" (JEANNERET, 2008, p. 37).

    Mediação e uso, mais do que conceitos consolidados, são noções heurísticas reconhecidas por toda a comunidade deste campo de estudos. Sua compreensão e aplicação revelam assim as duas facetas da conformação epistemológica e prática da Ciência da Informação: a visão profissional/aplicada e a visão interdisciplinar/teórica. Na primeira, a ideia de uso tem origem nos estudos de usos e usuários de linhagem norte-americana, baseados nos problemas da Biblioteconomia e na operacionalização dos sistemas de informação. E para a segunda faceta, a noção de mediação questiona o significado social do ato de mediação e estuda a pluralidade de mediações e mediadores, com a compreensão de que o saber e o significado nunca são simplesmente dados, são construídos socialmente. É uma noção inscrita no campo das Ciências Sociais cujo entendimento pelos pesquisadores do campo informacional requer uma abordagem interdisciplinar, uma vez que o trabalho de descrição dos processos de informação "requer o estudo de um complexo de objetos que redistribui permanentemente o social, o simbólico e o técnico. Nesta fase, a mediação trabalha contra a ilusão de transparência".


    (JEANNERET, 2008, p. 40). Neste sentido, uso e mediação são noções complementares e não excludentes, pois cada uma delas contém facetas deste campo de estudo que são importantes para a compreensão de seu objeto - a informação - não como uma realidade abstrata e estável, mas como um universo de relações que engaja práticas, usos sociais e ações políticas.


  6. NOTAS FINAIS


Um dos principais desafios para realizar a articulação entre os diferentes temas e noções que expressam os interesses teóricos e metodológicos dos membros da Rede Mussi seria a ligação epistemológica e contextual entre o plano da organização e memória dos conhecimentos - sua permanência material e informacional - e o da circulação e apropriação social dos saberes. Se o primeiro nível recobre o eixo da classificação e organização do conhecimento para a salvaguarda e recuperação de documentos a partir de uma perspectiva funcional e técnica, o segundo nível não pode excluir um olhar sobre as práticas, usos e circulação dos saberes, o que exige a prática da interdisciplinaridade com teorias, conceitos e métodos das Ciências sociais e humanas, a fim de compreender a expressão compósita dos fenômenos informacionais, tanto no nível ontológico como em suas dimensões sociais, práticas e aplicadas.

Quanto à circulação e apropriação de saberes e da informação num mundo cada vez mais interconectado por redes sócio-técnicas, os membros desta rede internacional de pesquisadores são sensíveis ao fato de que a circulação internacional de ideias está sujeita a fatores estruturais relativos a


cada país e seu contexto cultural, social e organizacional, entre outros. (BOURDIEU, 2002). Assim, estando inseridos em diferentes campos institucionais de produção de conhecimentos, os membros da Rede Mussi buscam dimensionar, através de interações e compartilhamentos, suas formas históricas, epistemológicas, linguísticas e culturais de definir conceitos, estabelecer metodologias e situar as condições organizacionais e políticas da pesquisa, da formação acadêmica e da produção e circulação de saberes plurais.

***

Finalmente, a título de postscriptum, deve-se observar que aqueles que estudam as redes sociais científicas, mas também aqueles que atuam nestes coletivos orientados para objetivos comuns numa ambiência de internacionalização reflexiva de um campo científico, sabem que seus membros desempenham papeis e ocupam posições que são interdependentes. Isto significa que cada ator tem um valor relativo em relação a todos os outros, a fim de assegurar a manutenção do capital social e científico (BOURDIEU, 1997; VINCK, 2007) destes coletivos e de cada um de seus membros e assim garantir a sua reconfiguração e permanência. Por outro lado, reconhece-se que alguns membros têm uma importância reconhecida nas iniciativas e realizações de uma rede científica, como a Rede Mussi.

Neste sentido, tomo a liberdade, no momento final deste capítulo, de escrever na primeira pessoa para fazer referência a uma figura central da Rede Mussi, minha colega e parceira em sua criação e coordenação científica - Viviane Couzinet.

Por ocasião do II Colóquio Mussi realizado na Universidade de Toulouse 3, em 2011, Viviane organizou uma sessão de


homenagens a Jean Meyriat, nosso ex-professor em diferentes momentos e circunstâncias. No texto memorial que escreveu, sublinhou a importância de seu antigo professor para a comunidade das Ciências da informação e comunicação graças ao "conjunto de trabalhos e ações que foi decisivo na construção e posicionamento da disciplina tanto no âmbito nacional como internacional". (COUZINET; MARTELETO, 2011, p. 21). De fato, os membros da Rede Mussi apoiam o compartilhamento de conhecimentos em nível internacional inaugurado por Jean Meyriat e outros fundadores da disciplina. Viviane refere-se a este fundador como um "ator rede", uma noção utilizada por Michel Callon e Bruno Latour "que designa a pessoa que assegura a ligação entre as situações problemáticas e que participa de sua resolução apoiando as ações uns dos outros", assim como um "mediador híbrido", que caracteriza as diferentes facetas de sua formação e de todas as suas ações. (id, p. 22).

Cito essas passagens para demonstrar que, primeiramente, Viviane soube assimilar os ensinamentos e segue de forma exemplar as ações do seu mestre, uma vez que as mesmas palavras contidas na homengem a Jean Meyriat poderiam expressar o conjunto da obra científica e das práticas da querida amiga e colega, no que concerne o apoio científico e acadêmico aos estudantes e colegas de sua equipe, do seu país e de outros, e no âmbito da Rede Mussi.

Uma outra faceta que a aproxima do seu mestre é a participação ativa em diversos espaços científicos, políticos e profissionais, como os organismos de promoção, financiamento e avaliação dos laboratórios de pesquisa e dos pesquisadores, onde Viviane sempre desempenhou um papel representativo essencial


para a boa evolução das Ciências da informação e da comunicação na França, sem esquecer os diálogos com o campo da prática e os profissionais da informação. Por todas essas características, pode ser considerada como uma re-fundadora das Ciências da informação-documentação na França.

Pelas suas qualidades científicas, acadêmicas e de gestão, mas sobretudo humanas, Viviane representa um nó central na estrutura da Rede Mussi e ajuda assim a assegurar a continuidade das nossas atividades de cooperação nos planos científico, social, político e fraterno.


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