Organizing in the Anthropocene: what can we learn from the Kariri-Xocó?
Arthur de Araujo Alves1 Glessia Silva de Lima2
O presente estudo é uma pesquisa de caráter exploratório que investiga como se organiza um grupo de etnia Kariri-Xocó em Porto Real do Alagoas – AL. Diante da hegemonia eurocêntrica de conhecimento e do contexto colonial da formação do Brasil, saberes periféricos são marginalizados e silenciados, mas existem e leem a organização sob uma perspectiva outra. O trabalho é caracterizado por um estudo de caso único e se utiliza de entrevista semiestruturada feita com uma liderança Kariri-Xocó, observação participante e fotografias como fonte de coleta de dados. Tendo como base referencial o posicionamento decolonial, o trabalho observa o entendimento de conceitos e práticas de organizar no dia-a-dia de uma comunidade indígena para concluir que tais saberes são fruto de inúmeros processos adaptativos para a sobrevivência e legitimação da identidade do povo Kariri-Xocó e são fundamentados na cosmologia, tendo como grande influência as relações espirituais e de manutenção da natureza. Para organizar, os Kariri-Xocó entendem o território como um recurso primordial, a observância dos talentos como modo de desenvolver pessoas e a confiança e troca como forma de relacionamentos.
The present research is an exploratory based investigation about how a Kariri-Xocó ethnic group organize themselves in Porto Real do Colégio – AL. Due to the Eurocentric hegemony of knowledge and to colonial brazilian foundation, knowledge from periphery are marginalized and silenced, but it does exist and read organizing through other perspectives. The text is characterized as a solo case study and uses semi structured interview, participant observation and photography as data collection source. Based on decolonial positioning, the research observes the understanding of concepts and practices of organizing daily developed in a indigenous community to conclude that those knowledges are the result of countless of adaptive processes lead to survival and legitimization of the Kariri-Xocó community identity and are founded on their cosmology, having a mass influence of the spiritual relations and
1 Graduado em Administração pelo Departamento de Administração na Universidade Federal de Sergipe (UFS). E-mail: arthur.alves.adm@gmail.com
2 Professora do Departamento de Administração na Universidade Federal de Sergipe (UFS), Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Administração (PROPADM - UFS São Cristóvão). E-mail: glessiasilva@hotmail.com
maintenance of nature. In order to organize, the Kariri-Xocó understand the territory as a primal resource, the talent observation as a way of developing people and trust and exchange as a way of relating.
O Antropoceno, segundo Crutzen e Stoermer (2000), é uma era geológica que tem início na segunda metade do século XVIII, determinada pelo impacto das ações humanas nos ciclos naturais e no desequilíbrio dos ecossistemas do planeta. Como apontaram os autores supracitados em The Global Change Newsletter, no ano 2000, a humanidade já havia, àquela época, interferido no equilíbrio da natureza com força proporcional ou maior do que os eventos naturais.
A partir de 1950, no período chamado de Grande Aceleração, análises de indicadores como a composição de gases atmosféricos, ciclos da água e do nitrogênio, ecossistemas marinhos e terrestres mostraram um exponencial aumento na velocidade das mudanças climáticas e suas consequências, como, por exemplo, a acidificação dos oceanos (Silva; Arbilla, 2018).
A narrativa da ‘modernidade’, que tem como premissa a ideia de que países do Sul Global são atrasados, subdesenvolvidos, foi propulsora do movimento de expansão intelectual, tecnológico e político do Norte Global para os países da América Latina, especialmente durante o período da Guerra Fria, dando combustível para a Grande Aceleração (Figueiredo; Marquesan; Imas, 2020).
Tal conhecimento se apresenta como universal (ainda que originado em contextos histórico-sociais específicos) e suficiente para responder às questões de todos os países, fazendo com que o mundo seja obrigado a aprendê-lo e replicá-lo (Grosfoguel, 2016). Na expansão desses conhecimentos e dos valores moldados pela Europa e pelos Estados Unidos ocorre uma centralização da administração na sociedade e no âmbito do conhecimento, anulando outras formas de saber (Mignolo; Oliveira, 2017).
Mignolo e Oliveira (2017), ao analisarem o processo de colonização das américas, explicam que uma das mais efetivas manobras do colonialismo foi definir, a exemplo de
Francis Bacon, no século XVII, a Natureza enquanto um objeto a ser explorado, algo que está fora, oposto aos humanos e, portanto, tem menos valor.
As formas hegemônicas de organizar têm se apresentado como solução universal, levando a ideia de desenvolvimento ao redor do mundo de forma acrítica, e implementando exclusivamente o modelo eurocêntrico de desenvolvimento (Abdalla; Faria, 2015). Enquanto isso, as crescentes taxas de emissão de carbono, as crises sociais e econômicas, a diminuição da biodiversidade (Steffen et al., 2004), a acumulação exorbitante de capital por empresas e seus acionistas em paralelo com a situação de vulnerabilidade social, experimentada durante a pandemia pelas pessoas (Granato; Miranda, 2021), são consequências que demandam soluções inovadoras.
Assim, considerando as práticas do organizar de povos originários, que, mesmo influenciados pela colonização seguem curando e incrementando seus conhecimentos sobre os ciclos da natureza e sobre a manutenção da vida coletiva, surge o problema de pesquisa “Como organizam os Kariri-Xocó em Porto Real do Colégio?”.
Nesse contexto de uma monocultura cognitiva imposta pelos processos de colonização (Núñez, 2021), este trabalho se propõe a entender, a partir de entrevista semiestruturada, observação não-participante e fotografias, o organizar de uma comunidade indígena de etnia Kariri-Xocó, representada na figura do Pajé Pawanã, liderança de um dos grupos residentes em Porto Real do Colégio – AL.
A pesquisa tem como objetivo geral entender como um grupo da etnia Kariri-Xocó de Porto Real do Colégio – AL, organiza no Antropoceno, tendo como objetivos específicos:
Identificar como os Kariri-Xocó organizam seus recursos no Antropoceno;
Entender como os Kariri-Xocó organizam seus relacionamentos no Antropoceno;
Compreender como os Kariri-Xocó organizam suas pessoas no Antropoceno.
O Antropoceno atualmente está em processo de reconhecimento oficial pela Comissão Internacional de Estratigrafia, mas já pode ser experienciado, segundo Lorimer (2017), no
campo das artes, nos meios acadêmicos e políticos. A maior concentração de publicações ainda ocorre a partir das ciências Ambientais, Geológicas e Ecologia (Alcântara et al., 2021), porém com tendências de crescimento para as áreas das Ciências Sociais e Humanas. Algumas palavras-chave (seguidas da quantidade de menções) relacionadas citadas na análise bibliométrica feita por Alcântara et al. (2020) são: conservação (70), política (72), gestão (58) e sustentabilidade (58).
É preciso salientar o uso do termo Antropoceno para determinar a relação das ações humanas com o sistema-Terra, potencializando as discussões acerca delas. Tais ações se tornam objeto de análise por serem articuladas, organizadas, materializadas a partir das organizações em um determinado contexto socioeconômico (Júlio; Machado, 2022).
A fim de produzir conhecimento a partir do contexto local, ao máximo afastado da euro-norteamericana centralidade (Abdalla; Faria, 2015), colocar em questionamento a relação de naturalização entre os saberes hegemônicos em administração e as práticas etnocidas e ecocidas desde a colonização (Núñez, 2021) está diretamente ligado às demandas que o debate do (e a vivência no) Antropoceno invocam.
Entre 1946 e 1989, a guerra fria influenciou o desenvolvimento teórico das ciências da gestão (management) através do Ponto IV, um programa governamental em parceria com os Estados Unidos para instruir tecnicamente países subdesenvolvidos (Alcadipani; Bertero, 2012). As mudanças no eixo consumo-produção entre países do Norte e do Sul global aparecem como marco socioeconômico relacionadas às mudanças climáticas neste período (Steffen et al., 2015).
A colonialidade é a interseccionalidade de diversas formas de hierarquias de poder e/ou formas de dominação (como a sexual, política, epistêmica, espiritual, linguística, econômica) que se retroalimentam pela hierarquia étnico-racial europeu X não-europeu (Grosfoguel, 2008). O termo descreve a lógica por trás do fundamento e da construção da sociedade ocidental desde o Renascimento, sociedade na qual colonialismos históricos são intrínsecos (Mignolo; Oliveira, 2017).
Durante a Guerra Fria, na disputa ideológica entre os países capitalistas e comunistas, os Estados Unidos dedicaram especial atenção aos países da América Latina com programas
de desenvolvimento e capacitação técnica em gestão (management), influenciando as estratégias de produção de várias nações (Alcadipani; Bertero, 2012). Os conhecimentos em gestão se apresentam como os principais mecanismos para atribuir uma base científica ao capitalismo e têm como fundamento a racionalização do desejo de dominação (Gaulejac, 2005).
Além dos conhecimentos técnicos importados, os americanos também trouxeram elementos constituintes da narrativa que influenciou o campo da gestão, como o enaltecimento da cultura americana e a rejeição ao que se dizia antiamericanismo (atitudes como a falta de compromisso religioso, expressões de sexualidade não heterossexuais e associação a organizações ditas subversivas) (Alcadipani; Bertero, 2012).
A matriz colonial de poder apresentada por Aníbal Quijano (2005) se sustenta por sistemas de controle da autoridade, da economia, da sexualidade e gênero, e do conhecimento e subjetividade. Ela é uma concomitância de relações de poder que constituem uma história totalizante sobre o sistema-mundo da qual fazem parte o capitalismo enquanto sistema econômico, o colonialismo, a modernidade e o patriarcado (Grosfoguel, 2008).
Diante das constantes atualizações do colonialismo através da colonialidade, os países colonizados, apesar de terem construído ideologias de soberania, identidade nacional e progresso, ainda estão circunscritos no sistema de subordinação ao centro-mundo Europa Ocidental, Austrália, Estados Unidos e Canadá (Grosfoguel, 2008).
Um dos propulsores para a busca de conhecimentos alternativos é a incompatibilidade da aplicação de conhecimentos exteriores às realidades diversas brasileiras, tornando o campo da administração aberto para posicionar o saber de maneira local e, a partir da decolonialidade, escapar da hegemonia científica (Souza; Azevedo, 2022). Como seriam vistos os conceitos clássicos administrativos em uma aldeia indígena, por exemplo?
Um dos riscos de olhar para o Antropoceno com as lentes epistemológicas hegemônicas é desviar do fato de ele ser elaborado pela hegemonia enquanto uma narrativa global, como se as desigualdades geopolíticas não existissem e como se os países mais ricos oferecessem impactos ao sistema-Terra equivalentes aos impactos causados pelos mais pobres (Banerjee; Arjalies, 2021). Sendo previstas para 2030, são atribuídas aos 10% mais ricos
do planeta quantidades de emissões de CO² próximas à soma dos 90% mais pobres (compostos pelos 40% de classe média e 50% mais pobres) (OXFAM, 2020).
A partir da globalização da retórica epistêmica norte-americana, os conhecimentos em administração/gestão moldaram as organizações brasileiras (Abdalla; Faria, 2015). No esforço de apontar o campo da administração como vetor relevante de tais métodos coloniais, é preciso observar esses conhecimentos para desaprendê-los e reaprendê-los como potentes ferramentas de criar alternativas à “opção” vigente.
Para Luther e Urwick (2004), a organização se dá a partir de uma estrutura de autoridade que divide os trabalhos e os coordena para o atingimento de um objetivo. A organização, enquanto uma função, pode ser dividida entre material e social, com a finalidade de providenciar todo recurso necessário para o funcionamento de uma empresa (Chiavenato, 2012).
Com o sentido de processo, organizar é uma função da administração que decorre do planejamento e tem como produto a estrutura, a divisão do todo em partes, as responsabilidades e autoridades necessárias para cumprir seus objetivos (Maximiano, 2000). Ela resulta na distribuição de tarefas, no agrupamento de pessoas em departamentos e na disposição de recursos para estes (Caravantes; Kloeckner, 2004).
Diante da urgente demanda ontológica e epistemológica colocada pela complexidade dos problemas no Antropoceno, as organizações e o organizar ocupam lugar de grande influência na capacidade responsiva da sociedade (Wright et al., 2018).
Este trabalho se caracteriza por uma abordagem qualitativa, através da qual é possível entender questões humanas e sociais (Collis; Hussey, 2005), já que se propõe a investigar sobre os conhecimentos acerca de gestão dos membros de uma comunidade indígena.
A finalidade desta pesquisa é exploratória, tendo em vista a escassa produção acerca do tema escolhido, com fins de gerar uma aproximação ao campo e fomento para investigações mais precisas (Gil, 2008).
Dada a complexidade dos fenômenos sociais, nos quais as bordas entre fenômeno e contexto são quase indefinidas, este trabalho caracteriza-se quanto ao método como um estudo de caso, sendo este tipo utilizado nas investigações que consideram as características integrais da vida real, o cotidiano e mudanças que ocorrem concomitantemente aos processos organizacionais (Yin, 2005).
Pela natureza reveladora, apontada pela possibilidade de observar fenômenos pouco pesquisados no campo, este estudo se define como estudo de caso único revelador, servindo também como possibilidades de direcionar investigações futuras na área (Yin, 2005).
Através da Observação Participante (Spradley, 1980), é possível obter percepções dos significados das experiências vividas das pessoas envolvidas na pesquisa. O uso desse método é fundamental para a pesquisa, que é feita in loco, tendo o pesquisador a oportunidade de estar imerso na realidade da aldeia durante o período de coleta de dados e experienciando junto tal realidade.
A fonte de evidência principal utilizada para coleta de dados no presente estudo é a entrevista, sendo esta, uma interação social na qual o pesquisador busca obter informações relevantes a partir do pesquisado (Gil, 2008). Segundo Gil (2008), é uma das técnicas mais utilizadas nas ciências sociais por permitir absorver aspectos subjetivos e de comportamento junto às partes envolvidas no estudo.
Outra fonte de evidência de apoio para a coleta de dados usada neste trabalho é a fotografia. Onipresentes na sociedade, as imagens têm potencial de análise em algum nível nas pesquisas sociais, podendo captar algum conhecimento que de outra forma não seria tão acessível (Banks; Christine; Cristina, 2009).
Nesta seção serão apresentadas as histórias contadas por Pajé Pawanã, organizadas em uma narrativa a partir da decupagem da gravação feita pelo pesquisador.
O Pajé Pawanã, homem de pele escura avermelhada, olhos apertados, dos que também desenham sorrisos, cabelo curto e barba feita, nasceu em 1983 (39 anos), e sempre
estudou dentro da própria comunidade indígena Kariri-Xocó. Junto com outros guerreiros, pais de família que já habitavam seus cinquenta anos ou mais, se formaram na primeira turma da aldeia de Educação para Jovens e Adultos (EJA). É um sonho dos jovens indígenas ter o estudo completo dentro da aldeia.
Os antepassados viviam da caça, da pesca, da plantação na roça e viviam em moradias que a própria mata dava como matéria-prima. Isso tudo foi tirado. Então eles tiveram que se adaptar, usar alvenaria nas moradias, por exemplo, para não serem eliminados pelo sistema. A compra é uma das práticas que foi trazida pelo sistema (capitalista), substituindo o hábito de trocar, pois era ancestral a prática da troca, mas o capitalismo chegou e não houve como correr dele. E isso tem consequência, tem um preço. Que chegou a destruir o povo.
A caça na mata é uma prática ancestral que acompanha os guerreiros na aldeia, ainda que exista muito menos caça disponível na natureza. O desafio que se apresentou como novo e mais difícil foi a caça na cidade grande, porque significou para o Pajé enfrentar preconceito a partir do momento em que saia do portão da aldeia. Ele rememora que com dezoito anos ele liderou um grupo de guerreiros e guerreiras para Aracaju.
Entender esse desafio foi de grande importância para o Pajé porque quando criança, junto com seus dez irmãos, foi criado pela sua mãe, após a morte do pai. E eles trabalharam duro, tanto nas plantações quanto na olaria. Na plantação de arroz, território apossado por posseiros, ele conta que ficava de quatro na lama, com uma pessoa vigiando o trabalhando a semana inteira para trocar todo o dinheiro por comida no supermercado.
O território da aldeia era subordinado ao Governo Federal, na figura da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI). O assistencialismo e as doações não auxiliaram a comunidade a se emancipar, e o recurso que chegava para a instituição não era justamente distribuído entre as comunidades. A geração dos jovens na qual o Pajé nasceu rompeu com esse vínculo dependente, reivindicou o território e assumiu um papel de autonomia, se juntando com outros irmãos solidários.
Pawanã pega um carvão na fogueira e faz um desenho no chão para explicar a demarcação atual da terra Kariri-Xocó. Ele conta que a maior parte da terra está nas mãos de posseiros. Ele diz que quando conseguirem o território pleno de direito poderão viver dentro do sistema da terra. “A gente vai dar vida a ela e ela vai dar a nova vida para nós, entendeu?”, diz o Pajé.
Mais de cinquenta anos lutando pela parte pequena, que representa talvez 1/10 do território original, marcam a história dos Kariri-Xocó. Ainda muitas gerações precisarão lutar para demarcação do território memorial, cujas bordas estão vivas nas pessoas, enquanto história de vida da aldeia. Ele aponta os cinco pontos de marcação memorial: “Crastro, Lagoa da Enaxada, Maraba, Priaca e Atabanga” na figura 2.
No tocante à relacionamentos, Pawanã relembra que durante o período de pico da pandemia de COVID 19 a aldeia recebeu doação de sementes e de alimentos com recurso advindo de um edital da Lei Aldir Blanc, no qual teve ajuda de uma pessoa voluntária e que também foram contemplados com um edital do Reino Unido e conseguiram melhorar a qualidade da água.
Eu sou assim, (...) eu bato na porta. Dependendo de como a pessoa me recebe eu só bato uma vez. Posso bater até mil vezes naquela porta, mas depende de como a pessoa me recebe. Então estou vendo que a porta que eu estou batendo eu vou várias vezes, porque eu sei como fui recebido, entendeu?
O Pajé conta como a construção de relacionamento com órgãos do governo está mudando e de como é um evento recente. E aponta o desmonte da FUNAI durante o governo Bolsonaro, e compara o conforto, acolhimento e estruturas presentes nas visitas que costumava fazer há mais tempo com o sucateamento e desconfiança encontradas na última ida.
Sobre como organizam as pessoas Pawanã conta que desde que nascem as crianças são observadas pelos anciões, que, ao escolherem as crianças por suas aptidões, logo as apelidam e simbolicamente já as colocam na trilha de crescimento para ocupar seus lugares na comunidade. A instância máxima de tomada de decisão na aldeia é composta por oito anciãos homens e oito anciãs mulheres, chamados de Conselhos Tribais. Cada Conselho orienta os caminhos dos homens e mulheres das aldeias, respectivamente.
Na busca por entender como os Kariri-Xocó organizam os recursos, observa-se que com estratégias tecidas por entes espirituais, conhecimento coletivo e parcerias voluntárias, o Pajé tem feito aproximações para que o principal recurso, o território, seja retomado. É através do território, colocando seus corpos como manifestação do propósito maior que o povo Kariri-Xocó existe, em coletivo, aprendendo com o entorno, disposto a tecer junto vias outras para alcançar o bem-estar comum.
Sobre como organizam as pessoas, pôde-se notar que a valorização da sabedoria dos mais velhos é um elo que conduz a educação na aldeia. As pessoas ocupam seus lugares de acordo com a observação de outros, com a influência da instância espiritual. Elas se nutrem de um senso coletivo de direção para desenvolver suas atividades, assim podendo estar envolvidas com várias das lideranças, adquirir experiência e se afirmar na sua trajetória.
Os relacionamentos buscados pelo Pajé Pawanã parecem estar amparados num benefício mútuo (numa lógica ganha-ganha), no qual os objetivos da comunidade são atingidos sem comprometer sua identidade. Parece uma sabedoria desenvolvida a partir de muitas experiências, de tentativas e erros.
O Pajé entende agora que existem possibilidades maiores de reivindicação de seus direitos e espaço para suas propostas por conta da nova configuração política trazida no Governo Lula. A FUNAI, a SESAI e o SESC estão na sua rede de relacionamentos, mas no fim do dia, as pessoas voluntárias e a disposição dos guerreiros e guerreiras nas caças (na mata e
na cidade grande) parecem ser a realização do melhor que se pode conceber nos relacionamentos, a troca.
O Pajé entende agora que existem possibilidades maiores de reivindicação de seus direitos e espaço para suas propostas por conta da nova configuração política trazida no Governo Lula. A FUNAI, a SESAI e o SESC estão na sua rede de relacionamentos, mas no fim do dia, as pessoas voluntárias e a disposição dos guerreiros e guerreiras nas caças (na mata e na cidade grande) parecem ser a realização do melhor que se pode conceber nos relacionamentos, a troca.
Ao entender perspectivas e práticas de uma liderança indígena acerca de categorias clássicas da administração, apresentando matizes que não são estudadas nos livros de história nem na formação universitária comum, pode-se observar saberes que têm potências e que podem ser incorporados, mesclados e consultados na criação de respostas alternativas às necessidades do sistema-Terra.
O organizar nos tempos do Antropoceno, observado por esta pesquisa, envolve atores humanos, animais, minerais e espirituais. Entender-se líder indígena e organizar uma existência passa pela experiência de ser parte integrante do universo e utilizar de saberes ancestrais para conduzir a interação harmônica entre as diversas partes em uma constante relação de troca com a natureza, na qual há aprendizado através das plantas, das caças, do ecossistema e seus sinais.
Organizar um território passa pela defesa política desse território, pelo cuidado com a biodiversidade e pela defesa da memória dos que ali viveram. Entende-se a Terra, os rios, montanhas, matas e animais como o essencial à existência e plenitude da comunidade indígena. Não há necessidade de acumulação de capital ou de propriedade privada. Essas são necessidades que o sistema capitalista impôs aos povos originários.
Na gestão de pessoas no Antropoceno há de se levar em consideração o contexto colonial que até hoje influencia o RH das organizações, mantendo a diversidade distante dos
cargos de alta liderança. É preciso entender o pacto da branquitude e rasurá-lo, efetivamente trazendo diversidade e condições dignas de emprego para as pessoas.
Para além da lógica de competição, é preciso unir forças com organizações de diversas categorias (públicas, organizações sociais, populares, etc.) para a manutenção do coletivo impactado pelas ações dos negócios. Pensar numa comunidade que cresce junto, localmente, gerando benefícios a longo prazo numa perspectiva outra acerca da sustentabilidade. Repensar a ESG para além de uma área que concede às empresas status e aumenta seus valores de mercado.
A pesquisa contribui na abertura para o aprendizado de outras formas de organizar, seguindo o exponencial crescimento de estudos decoloniais nas ciências sociais e, de forma interdisciplinar, demonstrando que o fazer administrativo está ligado às subjetividades, às historicidades e não se limita à aplicação acrítica de técnicas e procedimentos.
Tendo como localidade o Nordeste e apresentando a experiência de povos originários desta região o estudo abre caminhos para replicação junto a outras etnias indígenas, às organizações quilombolas e outras comunidades tradicionais sub-representadas nos lugares produtores de conhecimento.
Como possibilidades investigativas, esta pesquisa aponta para práticas organizacionais de políticas afirmativas; maneiras de organizar baseadas em conhecimentos advindos de saberes periféricos; práticas de lideranças, cultura organizacional e rituais como maneiras de incentivar a diversidade; criação e gestão de negócios voltados à regeneração do sistema- Terra e para a relação entre inovação e os saberes ancestrais.
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