Chamada para o Dossiê Temático “Desenvolvimento econômico em tempos de transformação digital”

2024-07-04

O Dossiê Temático “Desenvolvimento econômico em tempos de transformação digital” é proposto pela Revista EPTIC, em parceria com o Programa de Pós-Graduação Profissional em Economia da Universidade Federal de Sergipe (PROPEC-UFS), ao qual também a revista é vinculada. Os textos devem ser enviados até o dia 5 de agosto.
O intuito deste dossiê é promover discussões sobre a emergência de intensa e compreensiva transformação digital na economia contemporânea, que coloca em novos termos o debate sobre o projeto nacional, em relação a aspectos econômicos, culturais e ambientais, entre outros. O dossiê é organizado pela professora Dra. Denisia Araujo das Chagas e pelos professores Dr. Ricardo Lacerda de Melo e Dr. César Ricardo Siqueira Bolaño, todos do PROPEC-UFS.


Sobre o tema, sobressaem-se questões como o emblemático caso de desenvolvimento chinês e o potencial contido no programa do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), desenvolvido por uma ampla rede de pesquisadores brasileiros. Nos países ricos, a política industrial retomou com força. Ela é um elemento central no American Jobs Plan, do governo Biden, e tem motivado importantes iniciativas entre os países da OCDE, que recentemente buscou delinear os termos do debate com a construção de um referencial teórico e prático para as políticas industriais dos países-membros. Para a OCDE, o debate sobre a política industrial retornou tanto nos círculos acadêmicos quanto nos políticos: “o argumento para que os governos desempenhem um papel estratégico e de coordenação no setor empresarial está ganhando força nos países da OCDE, em resposta a grandes choques, como a Crise Financeira Global de 2008, a atual pandemia de COVID-19 e tendências de longo prazo, por exemplo, de globalização e desaceleração da produtividade, a transformação digital e as mudanças climáticas.” (Criscuolo et al., 2022, p. 4).

Tais questões atravessam o conjunto das economias hoje, mas devem ser consideradas tendo em vista as particularidades locais, evitando uma homogeneização que a ideia de desenvolvimento carregou no passado. A reflexão sobre a transformação digital e os seus impactos no mercado de trabalho no Brasil deve ser pensada em termos de encaminhar problemas sociais urgentes e promover alternativas socioeconômicas para o país. Não pode se afastar, portanto, do debate sobre a industrialização e as perspectivas de construção de uma nação soberana, solidária, inclusiva e sustentável, mais equilibrada em termos sociais e regionais, levando em consideração os novos desafios impostos pela crise ambiental e pela digitalização da economia.

Quanto à digitalização, é fundamental distinguir entre redes e plataformas, derivadas da revolução microeletrônica e informática, e as empresas que atualmente dominam a economia da internet. Quando um laboratório se associa a uma plataforma vacinal, ele se integra a uma rede de produção de conhecimento, na qual seus pesquisadores compõem o "trabalhador coletivo", termo de Marx, buscando soluções para problemas de saúde pública. Esta é a organização do trabalho em rede por meio de plataformas, e não necessariamente de empresas de plataforma que visam ao lucro. No primeiro caso, trata-se do desenvolvimento das forças produtivas; no segundo, das relações de produção, divididas entre capital-trabalho e mercado (Bolaño, 2023).

Não obstante, esses processos estão bastante relacionados atualmente, daí porque não é possível postular certa neutralidade tecnológica. O desenvolvimento das forças produtivas tem sido moldado por relações de produção que moldam as tecnologias de acordo com interesses capitalistas. O desafio é, portanto, formular novas tecnologias em associação a um novo projeto de sociedade. Isso significa, por exemplo, enfrentar o modelo de captura de dados para a ampliação da mercantilização e o controle social e também alterar o padrão de conectividade permanente, que tem reforçado a exploração de minerais com o lítio, gerando conflitos em países e comunidades que possuem reservas, caso da Bolívia, e ampliado a demanda de energia.
A internet e as plataformas digitais unificam o controle do trabalho e da sociedade, criando mecanismos comuns de gestão empresarial e vigilância. No Brasil, a regulação deve restaurar os mecanismos de defesa dos trabalhadores, destruídos durante o período neoliberal, especialmente após o golpe de 2016.

Considerando os novos processos produtivos mediados por plataformas, é complexo identificar os interesses dos trabalhadores autônomos explorados por plataformas como o Uber e os dos trabalhadores assalariados das chamadas plataformas industriais, todos pertencentes à "classe que vive do trabalho" (Ricardo Antunes, 2007).

Vivemos um processo complexo de plataformização geral da economia, que não pode ser regulado isoladamente da política econômica, social e ambiental. A regulação das plataformas deve estar integrada a um projeto nacional que recupere as conquistas históricas da classe trabalhadora e enfrente a concentração de produção no setor cultural-comunicacional. Nesse sentido, é fundamental discutir os contornos de uma política soberana nesse setor, bem como ações que, concretamente, possam levar à redução da dependência e da desigualdade tecnológica, respeitando, ademais, a tecnodiversidade.

A regulação no Brasil deve estar subordinada a um projeto diferente do enfoque liberal atual que aceita a condição monopolista das grandes plataformas. A mobilização de inteligência nacional e políticas de ciência, tecnologia e inovação são essenciais para alcançar a autonomia cultural e superar a dependência.

Dentre as possibilidades temáticas, sugerimos:
- Economia de dados, trajetória tecnológica e inovação;
- Internet das coisas e redes sociais;
- Política de desenvolvimento em um mundo digital;
- Transformação digital e trabalho;
- Inteligência artificial e reordenação do trabalho;
- Transformação digital e reorganização espacial das atividades econômicas;
- Transformação digital e sistema financeiro;
- Transformação digital e impacto ambiental;
- Transformação digital, oligopolização e o espaço das PMEs;
- Sistema produtivo e inovativo da Economia de Dados;
- Opendata e Open Government;
- Políticas soberanas sobre digitalização.

Referências:
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2007.


ANTUNES, Ricardo (coord). Trabalho em plataformas: regulamentação ou desregulamentação? - o exemplo da Europa. / Christina Hiessl ... [et al.]; tradução Pedro Davoglio; 1. ed.; São Paulo: Boitempo, 2024.


BOLAÑO, César; VIEIRA, Eloy. The Political Economy of the Internet Social Networking Sites and a Reply to Fuchs. Television and New Media, April 2, 2014. Disponível em: <http://tvn.sagepub.com/content/early/2014/04/01/1527476414527137>.

BOLAÑO, César. A regulação das plataformas e o projeto nacional. Boletim Outras Palavras. Publicado 12/05/2023 às 18:25 - Atualizado 23/10/2023. Disponível em: <https://outraspalavras.net/tecnologiaemdisputa/a-regulacao-das-plataformas-e-o-projeto-nacional/>.
CRISCUOLO, Chiara et al., An industrial policy framework for OECD countries: Old debates, New Perspectives. OECD science, technology and industry policy papers. Maio de 2022. Nº 127.

FALCÓN, M. L. de O. Capitalismo Informacional, Transformação Digital da Economia e Políticas para o SUS: tendências pós-pandemia da COVID-19. Nota Técnica 1. Rio: RedeSist/IE/UFRJ/ Fiocruz, set 2020.

FALCÓN, M. L de O.; CASSIOLATO, J. Políticas e instrumentos para a transformação digital do SUS. In: GADELHA, C. A. G. (Coord.). Projeto Desafios para o Sistema Único de Saúde no contexto nacional e global de transformações sociais, econômicas e tecnológicas (CEIS 4.0). Relatório de Pesquisa. Rio de Janeiro: CEE/Fiocruz, 2022.