JAUÁRA ICHÊ: SOBRE A DEVORAÇÃO DO SER
DOI:
https://doi.org/10.52052/issn.2176-5960.pro.v14i40.16682Resumo
O artigo desdobra a antropofagia em uma anti-ontologia, entendida enquanto recusa da substancialização do ser. Nessa via, experimenta a ideia de “equivocação controlada”, proposta por Viveiros de Castro a fim de interpretar o dito de Cunhambebe, “Jauára ichê”. Na impossibilidade de traduzi-lo por “sou um jaguar”, dada a ausência do verbo “ser” no tupi antigo, o dito não expressa uma relação lógica de identidade substancial entre os termos, mas, sim, uma “analógica da similitude”. Aqui, algo deixa de ser igual a si para incorporar o diferente mediante relações de semelhança. No ato da devoração, Cunhambebe não seria efetivamente um jaguar, mas se relacionaria com o inimigo devorado tal como um jaguar se relacionaria com seu inimigo. O chefe indígena é levado a assumir uma posição no seio de uma relação, onde não é, mas está ao modo do jaguar. Assim, a antropofagia exprimiria uma filosofia do verbo “estar”, onde as coisas não são, mas estão-ao-modo-de, assumindo posições relacionais que estabelecem o ser. Ao fazê-lo, a antropofagia se converte em anti-ontologia: não a negação do ser, mas a devoração do modo essencialista com que a metafísica ocidental pensou o ser, fixando identidades independente de relações. Conclui-se extraindo as consequências dessa leitura para uma filosofia desde o Brasil. Trata-se de propor a deglutição da noção de nacionalidade para transformá-la em posicionalidade, no intuito de repensar nossos modos de estar que foram determinados historicamente pela colonização.