Atenção expectante como dispositivo de mobilização das massas: notas sobre a multidão eleitoral de Gustave Le Bon
DOI:
https://doi.org/10.52052/issn.2176-5960.pro.v17i47.22838Resumo
O presente artigo se propõe a analisar o conceito de "multidão eleitoral" a partir da obra Psicologia das Multidões, de Gustave Le Bon (1841-1931), tendo como foco principal a compreensão da dinâmica dos afetos que mobiliza a ação das massas. Ao decorrer da obra, Le Bon descreve os mecanismos psicológicos que estruturam as multidões e delineia as técnicas de mobilização afetiva empregadas pelos líderes carismáticos. A multidão eleitoral, enquanto um tipo particular de multidão, não distingue sua psicologia das demais multidões descritas pelo autor: ela compartilha das mesmas características de credulidade, simplismo dos sentimentos exacerbados e suscetibilidade à sugestão. No entanto, sua importância reside na maneira como as técnicas de propaganda política se articulam para estimular a chamada atenção expectante. A atenção expectante é um conceito central à análise proposta, pois se refere à disposição psicológica da multidão em se deixar afetar por narrativas, promessas e imagens que mobilizem suas aspirações imediatas. Trata-se do estado de expectativa passiva e afetivamente carregada, no qual as massas, ao invés de ponderarem ou criticarem racionalmente o conteúdo recebido, encontram-se psicologicamente predispostas a aceitar o que lhes é oferecido pelos líderes. Embora seja um conceito fundamental para entender a lógica de funcionamento das campanhas políticas nas democracias modernas, compreendemos que a atenção expectante é, de certa forma, negligenciada nas interpretações mais correntes da obra de Le Bon. Neste sentido, defendemos que esse conceito constitui o verdadeiro nexo entre os fatores psicológicos e primitivos e a técnica de propaganda aplicada pelo líder carismático. A análise destaca ainda o papel do prestígio do líder eleitoral, elemento que constitui uma das principais forças de mobilização e dominação. No contexto eleitoral, o prestígio, muitas vezes vinculado à riqueza, funciona como operador da atenção expectante, tornando o eleitorado ainda mais suscetível ao encantamento e à aceitação inquestionada das promessas feitas. Discutimos criticamente essa perspectiva leboniana, apontando como sua descrição da psicologia das massas eleitorais reflete, em grande medida, os temores e anseios das elites políticas do seu tempo, e não uma análise neutra das capacidades políticas das classes populares. Por fim, o artigo propõe uma reflexão sobre as implicações da psicologia das multidões para a democracia representativa contemporânea.