TOMO. N. 38 JAN./JUN. | 2021
Uma Janela no Tempo:
a ascensão do Bolsonarismo no Brasil
Fernanda Rios Petrarca*1
Resumo:
Este artigo tem como objetivo analisar as condições sócio-históricas
nacionais que possibilitaram a ascensão do bolsonarismo no Brasil.
Para dar conta dessas questões analisamos: o papel das amplas coa-
lizões no sistema político brasileiro e as condições que conduziram a
atual situação de ruptura; a posição ocupada por Bolsonaro no jogo de forças políticas nacionais e, por fim, os principais setores que se
favoreceram da crise e que passaram a apoiar o projeto político por
ele representado. A conclusão central é a de que a ruptura no sistema
de alianças abriu espaço para um conjunto de grupos outsiders, sem
poder de voz dentro do executivo e legislativo e com um forte discurso
antissistema.
Palavras-chave: Bolsonarismo. Sistema político brasileiro. Sistema de
alianças.
* Professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergi-
pe, membro permanente do corpo docente do Programa de Pós-graduação em Sociolo-
gia (PPGS/UFS) e líder do Laboratório de Estudos do Poder e da Política (LEPP-UFS).
E-mail: fernandarpetrarca@gmail.com
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UMA JANELA NO TEMPO
A Window in Time:
the rise of Bolsonarism in Brazil
Abstract:
This article aims to analyze the national socio-historical conditions
that enabled the rise of Bolsonarism in Brazil. To address these issues,
we analyzed: the role of broad coalitions in the Brazilian political sys-
tem and the conditions that led to the current situation of rupture; the
position occupied by Bolsonaro in the game of national political forces and, finally, the main sectors that favored the crisis and that started to
support the political project he represented. The conclusion demon-
strated that the rupture in the alliance system has opened space for
outsider groups, with no voice in the executive and legislative branches
and with a strong anti-system discourse.
Keywords: Bolsonarism. Brazilian political system. Alliance system.
Una Ventana en el Tiempo:
el auge del Bolsonarismo en Brasil
Resumen:
Este artículo tiene como objetivo analizar las condiciones sociohistó-
ricas nacionales que permitieron el surgimiento del bolsonarismo en
Brasil. Para abordar estos temas, analizamos: el papel de amplias coali-
ciones en el sistema político brasileño y las condiciones que llevaron a
la actual situación de ruptura; la posición que ocupaba Bolsonaro en el juego de las fuerzas políticas nacionales y, finalmente, los principales
sectores que favorecieron la crisis y que empezaron a apoyar el proyec-
to político que representaba. La conclusión central es que la ruptura
del sistema de alianzas ha abierto espacio para grupos de afuera, sin
voz en los poderes ejecutivo y legislativo y con un fuerte discurso an-
tisistema.
Palabras Clave: Bolsonarism. Sistema politico brasileño. Sistema de
alianzas.
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Introdução
Em outubro de 2018 o Brasil elegeu seu 6º presidente, Jair Mes-
sias Bolsonaro, numa democracia de apenas 33 anos. Numa
campanha marcada pela forte polarização, os jornais estampa-vam o fim de um ciclo de vitórias que permitiu ao Partido dos
Trabalhadores (PT) eleger-se durante quatro eleições consecu-
tivas. Em um movimento, considerado como inédito, uma ver-dadeira “janela no tempo” difícil de se repetir (Nobre, 2019),
um deputado – que já estava no cargo há mais de 25 anos e que
era conhecido por falar sozinho na tribuna, além de defender
publicamente práticas como a tortura, existência dos grupos de
extermínio e a volta da ditadura militar – ganha a cena política
com um projeto conservador.
Com o lema “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, o en-
tão candidato agregou a direita brasileira e criou o espaço para
a emergência da inédita extrema direita, fenômeno novo após a redemocratização do País nos anos 1980. Colocando Deus
no centro da sua narrativa, a família e a pátria, ele preencheu
o vácuo de representação política do conservadorismo no Bra-
sil pós-ditadura militar. Com uma pauta forte sobre temas en-
volvendo comportamentos e costumes, como projeto contra o
aborto e discussões de gênero e educação sexual nas escolas, ele
abriu espaço para um discurso conservador e extremista. De um
lado representado por diferentes grupos evangélicos, de outro
pelos saudosos da intervenção militar.
Além disso, Bolsonaro se apresenta como um político outsi-
der, autodefinido “fora do sistema”, com pouco direito de voz
no parlamento e com frequência ridicularizado nos programas
midiáticos por suas ideias excêntricas. Por diversas vezes se
apresentou como o Johnny Bravo, um personagem de desenho
infantil retratado como grosseiro, narcisista e pouco inteligen-
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te: “Eu, Johnny Bravo, Jair Bolsonaro, ganhou porra”!1 O senti-
mento de ter sido desconsiderado pelo establishment político,
durante o período em que atuou como deputado federal, foi o
combustível para seu discurso antissistema, com intenso ata-
que às instituições democráticas centrais, como o parlamento,
o jornalismo e o próprio Supremo Tribunal Federal.
Diante desse quadro, uma das principais indagações que tem
sido colocada diz respeito à ascensão política de Bolsonaro e
como ele foi capaz de preencher um vácuo de representação
gerado tanto pela operação Lava Jato quanto pelo impeach-
ment da ex- presidenta Dilma Rousseff. Contudo, apesar dos
esforços, pouco se escreveu sobre a sua base principal de alian-
ças, os principais grupos a se aproximarem do seu projeto po-
lítico e como ele passou a jogar com diferentes aliados. Ainda
que a aliança com grupos que se sentiam fora do sistema, do
establishment, tenha sido fundamental para a compreensão da
ascensão do bolsonarismo, a literatura tem se ocupado, princi-
palmente, em analisar os ciclos de protestos e as estruturas de
oportunidades políticas que têm como base as manifestações
de 2013 e que culminam no impeachment da ex-presidenta
Dilma Rousseff como condições essenciais (Alonso, 2017; Ta-tagiba & Galvão, 2019; Tatagiba, Trindade & Teixeira, 2015),
mas não os grupos de apoio e as condições próprias do sistema
político nacional que permitiram a escalada do projeto político
representado por Bolsonaro.
Nessa direção, este artigo tem como objetivo preencher essa la-
cuna e analisar as condições sócio-históricas que possibilitaram
a Bolsonaro compor aliança com diferentes grupos sociais e eco-
nômicos. O argumento central é que a ascensão do bolsonarismo
como projeto político só pode ser compreendida a partir de uma
1 Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2019/08/06/
interna_politica,775755/bolsonaro-se-compara-a-personagem-de-desenho-johnny-
-bravo.shtml. Acesso em 15 de novembro de 2020.
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análise da crise no sistema de alianças e das grandes coalizões,
características centrais do sistema político brasileiro. A hipótese
central que sustenta a argumentação é a de que foi a ruptura nas
coalizões – que marcaram o período anterior – que permitiu a
Bolsonaro abrir espaço para um conjunto de grupos outsiders,
sem poder de voz dentro do executivo e legislativo e com um
forte discurso antissistema. Tais condições foram fundamentais
para que ele pudesse jogar com diferentes aliados. Para dar con-
ta dessas questões, partimos de uma análise sócio-histórica que vai desde a configuração do sistema político e partidário brasi-
leiro pós-democratização, passando pela posição ocupada por
Bolsonaro dentro deste sistema, fundamental para compreen-
der seu modo político de agir, até sua aliança com novos grupos.
Essa análise é realizada a partir do levantamento de um conjun-
to de dados empíricos que envolve: dados históricos, por meio de pesquisa documental e bibliográfica, e notícias de jornais e
revistas com intuito de reconstruir alianças e redes de relações
entre aliados.
O artigo está organizado em três momentos principais. Num pri-
meiro momento, será realizada uma breve apresentação acer-
ca do sistema político brasileiro para com isto discutirmos os
principais conceitos adotados. Destaca-se o papel das amplas
coalizões no presidencialismo nacional e as condições que favo-
receram a quebra no sistema de alianças. Num segundo momen-
to, tomaremos a construção de Bolsonaro como ator político e a
posição por ele ocupada no jogo de forças políticas nacionais ao
longo dos seus 27 anos como deputado federal. Trata-se de ana-
lisar a sua posição dentro do sistema de alianças e como a partir
disto ele construiu um “modus operandi” de fazer política, ca-
racterístico de um conjunto de atores políticos que, ao contrário
do discurso apresentado, age dentro do sistema, favorecendo-se dele. E, por fim, analisaremos os blocos que passaram a apoiar
a candidatura e que se articularam em torno deste projeto po-
lítico. Esses elementos só podem ser compreendidos à luz dos
confrontos que possibilitaram uma crise no sistema de alianças,
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gerando sua ruptura e consequentemente sua reorganização.
Tais condições permitiram a entrada de novos blocos de aliados.
O Presidencialismo de Coalizão e a Quebra no Sistema de
Alianças
O processo de redemocratização no Brasil produziu, por um
lado, um sistema político multipartidário, estruturado por uma
proliferação de legendas e uma legislação eleitoral aberta, e
extremamente generosa2, à criação de novas agremiações par-
tidárias. Hoje o País tem 33 partidos registrados no Tribunal
Superior Eleitoral, 30 dos quais possuem representação no Con-
gresso Nacional. Em estudo comparativo recente entre mais de 100 países (Gallagher, 2019), é possível observar o Brasil como
o país com o maior número de partidos capazes tanto de dis-putar as eleições quanto de influenciar o processo político no
parlamento3. Por outro lado, as disparidades regionais e as as-
simetrias do federalismo exerceram um efeito nas disputas in-trapartidárias, provocando uma divisão interna e intensificando
o confronto entre facções regionais para o controle partidário,
2 De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), todos os partidos registrados são aptos a receber o fundo partidário, recurso criado em 1995 para cobrir despesas dos partidos. Do montante, 5% é distribuído igualmente e 95% distribuído de acordo com o
número de deputados eleitos. Já o fundo eleitoral foi criado em 2017 para compensar o fim do financiamento privado para cobrir despesas eleitorais. Do conjunto do valor, 2%
é distribuído igualmente, o restante proporcional ao número de deputados eleitos. Mais
informações podem ser obtidas em http://www.tse.jus.br.
3 Apresentado um quadro amplo, tal estudo faz um mapeamento e monitoramento
do número de partidos. No caso brasileiro os dados partem da primeira eleição pós--ditadura militar, em 1990, até 2018. A partir dele é possível identificar um crescimento
cada vez maior e uma grande distância do Brasil com relação à média dos demais países.
Considerando os dois últimos pleitos, 2014 apresentou 14.06 partidos com capacidade de disputar eleições e 13.22 com influência no parlamento. Já em 2018 observou-se um
aumento expressivo, com respectivamente 18.01 e 16.46. A média mundial gira em torno
de quatro partidos. Este índice constitui um parâmetro de observação a respeito dos partidos com capacidade de influência política. O material está disponível em: https://
www.tcd.ie/Political_Science/people/michael_gallagher/ElSystems/Docts/ElectionIn-
dices.pdf. Acesso em março de 2020.
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num modelo similar ao “caciquismo político”4. Nessas condi-
ções, os partidos se organizam por lideranças que disputam
internamente o comando da legenda. Isto produziu uma dupla
fragmentação: múltiplos partidos internamente divididos, con-formando o que podemos definir, conceitualmente, como um
pluralismo fragmentado. Diferente do que pode ser observado
em outros países, como a Itália por exemplo, cuja característica
é o pluripartidarismo polarizado (Guarnieri, 2016), o pluralis-
mo fragmentado é caracterizado pela intensa disputa entre li-
deranças. Nestas condições o que organiza o pluralismo não é a
polarização ideológica (direita x esquerda), mas a capacidade de
determinadas lideranças, a partir de suas facções, controlar os
partidos e realizar alianças com outras legendas. As caracterís-
ticas principais dessas alianças, contudo, são o pragmatismo e
o imediatismo, geridas quase que exclusivamente para garantir
a ocupação de espaços e em função de cálculos e necessidades
imediatas dos políticos. Tais alianças são fundamentais tanto
para disputar eleições, nos diferentes níveis, legislativo e execu-
tivo, como para garantir a governabilidade, uma vez eleito.
A diversidade das bases de sustentação política, decorrente des-
sa dupla fragmentação, gerou a necessidade de amplas alianças
com diversas lideranças regionais e não necessariamente com
partidos políticos, impedindo uma centralização e instituciona-
lização partidária forte. Nessas condições, o recurso à coalizão
e a capacidade de negociação passaram a se tornar essenciais
para manter a estabilidade institucional e, também, a governa-
bilidade. Quando essa fragmentação política e partidária chega
ao executivo, o acordo e a coligação se tornam mecanismos de
sobrevivência política e garantia da governabilidade. A Ciência
Política brasileira designou este sistema como “presidencialis-
4 A literatura sobre o caciquismo como forma de organização partidária é ampla e, em
geral, aponta para os mecanismos de disputa entre numerosas lideranças locais (chefes
políticos) em torno de recursos escassos e a partir de práticas clientelistas. Difundiram-
-se na América Latina como prática dominante, dentre outras como o coronelismo e o caudilhismo (Moreno Luzón, 1995; Della Porta, 1995; Leal, 1949; Queiroz, 1976).
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mo de coalizão”, caracterizado pela instabilidade, já que os laços são fluidos e suscetíveis a mudanças constantes, envolvendo a
complexidade das negociações e dependente da capacidade do
governante em estabelecer e manter grandes alianças (Abran-ches 1988, 2019; Pereira & Mueller, 2003). Esse modelo das amplas alianças ficou mais claro após o impe-achment de Fernando Collor de Mello, em 1992, primeiro presi-
dente eleito após décadas de regime militar. O movimento que
gerou o afastamento do presidente explicitou que sem uma co-
alizão multipartidária o executivo se tornaria fraco, suscetível, portanto, a processos de impedimentos. Essa configuração con-
tribuiu para produzir uma “cultura política”, uma crença de que
sem alianças com amplos setores os governos estariam sujeitos
a processos constantes de enfraquecimento e de impedimento
político (Nobre, 2013).
Ocorre que para fazer a grande maioria os partidos que se si-
tuavam ao “centro” do jogo de forças políticas nacionais passa-
ram a desempenhar um papel fundamental na organização das
alianças. Nos polos se mantiveram PT, de um lado, e PSDB, de
outro, marcando a oposição no período democrático. Um dos
elementos cruciais para formação de um “centro” político estra-
tégico foi o processo de reorganização da democracia, em que
uma ampla aliança, inclusive com setores da ditadura, foi essen-
cial para restaurar o jogo democrático. Nesse processo o PMDB
desempenhou um papel determinante como articulador entre
diferentes forças, liderando e conduzindo as alianças a partir da
formação de um grande centro. Entretanto, ao mesmo tempo em
que esse pacto foi fundamental para abrir o sistema e derrubar
o autoritarismo, ele também produziu uma espécie de proteção
e blindagem contra grandes transformações. A união das forças progressistas para derrubar o regime militar nos 1980 consti-
tuiu o que seria a gênese para a produção de uma espécie de blo-
queio do sistema político contra transformações mais amplas da
sociedade (Nobre, 2013, 2020).
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Essas condições contribuíram para a formação de um super-
bloco partidário informal – denominado de “Centrão” – com ca-
pacidade para neutralizar diversas forças ao longo do período,
como movimentos sociais, sindicatos e organizações populares.
Com o impeachment de Fernando Collor de Mello, o Centrão se
consolidou no processo de formação de maiorias suprapartidá-
rias, demonstrando sua disposição não só de bloquear grandes
transformações como também de permitir a “governabilidade”, com força suficiente para inclusive barrar processos de impea-chment. Nesta configuração, a negociação no “atacado”, ou seja,
através de grandes maiorias parlamentares, se impôs sob a ne-gociação no “varejo”, tornando muito difícil aos governos mante-
rem o sistema de alianças sem o apoio do superbloco.
Esse bloco informal já chegou a somar até 13 siglas partidárias
e a compor até 47% da Câmara, totalizando aproximadamente
240 deputados5. Nessa lógica, os partidos apresentam-se como
instituições instáveis que não dependem da ideologia e que estão
submetidos às correlações de força dentro desse bloco. Muitos
deles estão no sistema apenas para garantir as alianças, numa
pura troca de favores, dando origem ao que se designou chamar de “fisiologismo político”. A frase “é dando que se recebe”6, de um velho político do centro, definiu a senha do fisiologismo. Pe-quenos partidos e deputados com pouca expressão e influência
na Câmara (comumente conhecidos como “baixo clero”) jogam dentro desse bloco para obter força política suficiente para ga-rantir algum tipo de benefício, como liberação de verbas orça-
mentárias e ocupação de cargos, muitas vezes diluindo-se nas
5 https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/o-que-e-o-poderoso-centrao-que--pode-definir-o-sucessor-de-cunha,24aef58fe4491d57d5906d8c26c15fe8s8gyc3id.html https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/01/29/O-que-s%C3%A3o-deputados
-do-alto-e-do-baixo-clero-e-como-eles-se-relacionam-com-a-elei%C3%A7%C3%A3o-
-da-C%C3%A2mara
6 Frase usada pelo deputado Roberto Cardoso Alves, do PMDB, que liderou o “centrão” no processo constituinte, em 1988.
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frentes parlamentares7 dentro do congresso. O chamado “baixo
clero8” tende a manter, dentro do bloco, um movimento pendu-
lar, ora com pouca projeção negociando pequenos favores, ora
numa reação em conjunto deixando os bastidores e buscando
espaços relevantes de representação, inclusive com alguma
possibilidade efetiva de interferir nas políticas públicas (Perei-ra, 2020; Ricci, 2009). Este último movimento tende a aconte-
cer, principalmente, em contextos de crise em que as alianças
apresentam maior grau de instabilidade e fragilidade, abrindo
espaço para maiores negociações e, sobretudo, para aqueles que atuam sob a esfera de influência do superbloco. Como exemplo
podemos citar a vitória, em 2005, do deputado federal Severino
Cavalcanti, do Partido Progressista (PP), autoproclamado “rei
do baixo clero”, para assumir a Câmara de Deputados em plena
crise do Mensalão9. E um exemplo mais recente, a vitória do de-
putado federal Eduardo Cunha, em 2015, então líder do bloco,
para presidência da Câmara dos Deputados durante a crise do
governo Dilma Rousseff.
Esse modelo das amplas coligações, contudo, apresentou um
certo esgotamento e saturação nos últimos anos. Podemos
apresentar pelo menos três movimentos recentes como fun-
damentais para a crise no sistema de alianças que criou as
condições para a ascensão do bolsonarismo como projeto po-
lítico. Primeiro, as manifestações de 2013, sobretudo aquelas que ficaram conhecidas como “jornadas de junho”, funciona-ram como gatilho para ascensão de um conjunto diversifica-
7 Também conhecidas como “bancadas temáticas”, elas articulam os deputados em torno
de alguns temas. Dentre as mais atuantes estão: a evangélica, a da segurança pública e a
bancada ruralista.
8 Expressão cunhada pelo deputado Ulisses Guimarães, um dos líderes do processo de democratização do País, durante a Assembleia Constituinte, em 1988, para definir depu-
tados com pouca expressão, movidos, sobretudo, por interesses pessoais e que se con-
trapunham a qualquer movimento progressista no processo constituinte. 9 Escândalo de compra de votos para aprovação dos projetos do executivo no Congresso
Nacional que ameaçou derrubar o governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
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do de pautas. Iniciadas em janeiro de 2013, as manifestações
apresentaram-se como uma insatisfação ao sistema político e
as instituições, de maneira mais ampla, mas foi a partir de ju-
nho que elas assumiram pautas mais difusas, como as críticas
contra os gastos gerados pela realização da Copa do Mundo,
qualidade do ensino e educação, melhorias na saúde pública, o fim da corrupção, dentre outras. Nesse contexto, a corrupção
apareceu como uma das principais reivindicações, com 40%
das pautas dos manifestantes (Pujol et al., 2014). Aos poucos,
elas abriram espaço para grupos políticos que possuíam não
só projetos divergentes, como também possuíam pouco poder
de voz e orbitavam a periferia do sistema político, criando nes-
ta direção uma oportunidade política inédita. Destacaram-se,
nesse processo, principalmente os grupos de direita e de extre-ma direita (Alonso, 2017; Tatagiba & Galvão, 2019; Tatagiba,
Trindade & Teixeira, 2015). O segundo movimento foi a deflagração da operação Lava Jato
em 2014, que absorveu as insatisfações contra o sistema polí-
tico, a pauta anticorrupção e contribuiu para fortalecer o an-
tipetismo e o discurso antissistema, constituindo-se em um
verdadeiro partido. A tradicional polarização PSDB-PT10 – que
caracterizou o ciclo democrático brasileiro após a ditadura mi-
litar – passou a ser substituída pelo partido da lava jato e o lulismo (Coberllini & Moura, 2019). Com isso as denúncias de
corrupção feitas pela operação e o forte apelo midiático con-
duziram a uma constante desmoralização do sistema político e
crítica permanente aos partidos tradicionais e, em especial, ao
PT. Tal situação acarretou um enfraquecimento nas coalizões
partidárias, e um esvaziamento do centro, conduzindo, portan-
to, a uma forte polarização. Pesquisas feitas por institutos de
sondagem apontavam os líderes dos principais partidos nacio-
10 PSDB e PT protagonizaram as principais polarizações desde as eleições de 1994 (No-
bre, 2013). Em torno desses dois partidos que se organizaram as principais coligações
do ciclo democrático, concentrando os votos.
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nais como os políticos mais corruptos11. Uma das consequên-
cias disso foi a perda do protagonismo do PT na disputa políti-
ca e a incapacidade do PSDB em liderar a oposição. Além disso,
um dos principais efeitos da Lava Jato no sistema político foi a
quebra no sistema de alianças que sustentava a base dos gover-
nos petistas, uma vez que os partidos estavam envolvidos em
escândalos de corrupção.
E, por fim, o terceiro movimento foi o impeachment da pre-
sidenta Dilma Rousseff, em 2016, o qual demarcou o fim da
chamada “era PT” e do grande pacto entre blocos de poder
divergentes inaugurados pelo primeiro governo Lula em
2003. Esses movimentos não só produziram uma ruptura nas
alianças conduzindo a um vácuo de lideranças, como também
contribuíram para reforçar o sentimento antipetista e antis-
sistema. O escândalo do Petrolão, o avanço das investigações
da operação Lava Jato, assim como a prisão do ex-ministro
petista José Dirceu e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva engrossariam ainda mais o caldo do antipetis-
mo. Além disso, os escândalos de corrupção e a publicação
de delações premiadas pela operação Lava Jato contribuíram
para aumentar o descrédito no sistema político e nos partidos
tradicionais. Dispararam pesquisas feitas por diversos insti-
tutos que demonstravam ser a corrupção um dos principais
problemas do País12. Assim, a pauta anticorrupção agregou
esses grupos, ampliou o antipetismo, já que o PT era o parti-
do que assegurava as amplas alianças do período recente, e
trouxe à tona lideranças políticas que estavam à margem do
sistema e que disputavam o acesso aos recursos através de
alguma liderança partidária. Este conjunto de fatores gerou
uma janela de oportunidade para chegada de Bolsonaro ao
11 Pesquisa realizada pelo IDEA BIG DATA em 2018 apontava que 79% das respostas
destacavam Lula (PT), Aécio (PSDB) e Temer (PMDB) como políticos corruptos (Co-berllini & Moura, 2019). 12 Coberllini e Moura (2019) mostram pesquisa realizada pelo instituto Idea Big Data em
que a corrupção aparece para 72% de brasileiros como o principal problema nacional.
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poder, “uma janela no tempo difícil de se repetir”, como afir-ma Nobre (2019)13.
Da Periferia do Sistema à Presidência da República: o
presidente do baixo cleroJair Bolsonaro entrou para a política após ter sido julgado, no fi-nal da década de 1980, pelo Supremo Tribunal Militar e afastado das forças armadas. Como oficial do exército já havia sido puni-
do, com prisão por transgressão disciplinar e hierárquica, devi-
do a uma entrevista que concedeu à revista Veja reclamando dos
baixos salários dos militares. A matéria intitulada “O Salário está
Baixo”14 relatava o descontentamento dos cadetes e o abandono
à carreira no exército devido às precárias condições de trabalho.
A repercussão da entrevista lhe rendeu a prisão, mas também
uma certa representatividade entre os cabos e soldados, já que
não tinha entre os canais hierárquicos superiores.
Um ano depois, Bolsonaro voltou a ser acusado por planejar a
famosa “Operação Beco sem Saída”. Tratava-se de um plano para
explodir bombas em instalações militares descoberto pela revis-
ta Veja. O plano era parte das reivindicações contra o governo
por salários e melhores condições. O primeiro presidente após
a ditadura militar, José Sarney, enfrentava a resistência dos ca-
pitães do exército que estavam insatisfeitos com os aumentos
concedidos pelo governo e planejavam explodir bombas em vá-
rias unidades militares. Segundo a reportagem da revista, o pla-
no também era uma estratégia para desestabilizar o Ministro do
Exército, o general Leônidas Pires, e expô-lo junto ao presidente
como um general sem poder de comando sob a tropa. A repor-
tagem colocava o Ministro do Exército em uma situação de fra-
13 https://piaui.folha.uol.com.br/materia/contagem-regressiva/ 14 Matéria publicada em 03 de setembro de 1986 na seção “pontos de vista”: https://veja.abril.com.br/blog/reveja/o-artigo-em-veja-e-a-prisao-de-bolsonaro-nos-anos-1980/
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gilidade institucional em um contexto de reestabelecimento das
bases democráticas do País. Como consequência foi aberta uma
sindicância na Escola de Aperfeiçoamento de Militares (Carva-lho, 2019).
Com vários desdobramentos, inclusive o parecer do Conselho de Justificação do Exército que o considerava culpado, o processo
contra o capitão chegou ao Supremo Tribunal Militar (STM). Em
sua defesa chamou, dentre outros, como testemunha o general
da reserva Newton Cruz, ex-chefe da agência central do Sistema
Nacional de Informações (SNI) durante a ditadura militar e por
quem Bolsonaro tinha forte admiração. Com um passado polê-
mico, o general – conhecido como “linha dura” – já havia sido
acusado de participar do “Atentado do Riocentro”15 e por diver-
sas vezes não hesitou em demonstrar sua insatisfação com o
processo de abertura democrática. Por fim, Jair Bolsonaro foi absolvido, mas colocado na reserva com a patente de capitão (Carvalho, 2019). Foi a partir deste
episódio que ele embarca para a sua aventura na vida política.
No mesmo ano da sua absolvição foi candidato a vereador no
Rio de Janeiro pelo Partido Democrata Cristão (PDC) e foi elei-
to. Como vereador deu visibilidade às causas militares, perma-
necendo por apenas dois anos para candidatar-se a deputado
federal, também pelo PDC. Em seguida, ocorreram seis manda-
tos sucessivos por oito partidos diferentes. Suas pautas foram
caracterizadas inicialmente como apoio à carreira e às causas
militares e depois aos policiais militares e agentes da segurança
pública (policial civil, policial federal). Dentre suas proposições,
estavam comercialização e registro de armas de fogo, direito
especial a militares, isenção de penalidades a condutores de
veículos em serviço de segurança pública, dentre outros. Como
15 Nome de um atentado a bombas organizado em 30 de abril de 1981 por dois militares
insatisfeitos com a abertura democrática e realizado no Centro de Convenções do Rio-
centro. Neste local ocorreria um show em homenagem ao dia do trabalho.
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deputado federal nestes 27 anos trocou de partido oito vezes16,
não presidiu nenhuma comissão nem liderou bancadas, além de
estar associado ao “baixo clero”, o qual corresponde a um grupo
de congressistas, conforme apresentado no tópico anterior, com
pouca projeção e participação e que disputam dentro do “cen-trão” algum tipo de benefício. Uma das principais característi-cas dos parlamentares do “baixo clero” é o fisiologismo, relação
de poder político baseado na troca de favores e atendimento a
interesses privados e imediatistas. Além disso, um parlamen-
tar do baixo clero é aquele que está mais preocupado com a sua
base eleitoral, voltando-se para garantir recursos à sua cidade,
atuando muitas vezes na negociação com as prefeituras, como
um despachante, ou para mobilizar a câmara para tratar de as-
suntos que agradem seu eleitorado. Assim ele se volta mais para
sua base do que para debater temas de relevância nacional que
poderiam lhe render mais visibilidade. Dentre os fatores que fa-vorecem o fisiologismo está a dupla fragmentação, como já des-
crita anteriormente, partidária e a necessidade de os governos
estabelecerem grandes coalizões para conseguirem governabi-
lidade. Nesta lógica, a frequente troca de partidos costuma ser
uma das estratégias dos parlamentares sem projeção para obter mais recursos, aliando-se a siglas com maior poder de influên-
cia, uma vez que quanto maior a bancada partidária, maior a
quantidade de recursos de que eles irão dispor.
Em janeiro de 2018 o pré-candidato à presidência da Repúbli-
ca abandonou a sigla PSC e, depois de muitas negociações com outros partidos, filiou-se ao PSL, único partido que se dispôs a
negociar os cargos internos17. Com General Mourão, do PRTB,
como vice e com a coligação “Brasil acima de tudo, Deus acima
de todos”, Bolsonaro se lança na campanha eleitoral. Dois aspec-
16 Dentre os partidos estão: PDC (1988-1993); PPR (1993-1995); PPB (1995-2003); PTB (2003-2005); PFL (2005); PP (2005-2016); PSC (2018-2019); PSL (2018-2019). 17 Flávio Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, tornou-se em 2018 presidente do diretório
regional do Rio de Janeiro. Cargo que ocupou até a ruptura do pai com o partido, em 2019.
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tos aqui precisam ser mencionados. De um lado, os partidos que
representam a composição da candidatura. PSL e PRTB repre-
sentam dois, dos muitos partidos pequenos, com baixa projeção
na câmara e número de deputados eleitos. Enquanto o primeiro
está associado ao projeto liberal, o segundo apresenta uma linha
conservadora do ponto de vista moral e social. Tal característica
foi usada para agregar diferentes aliados e apresentar a candi-
datura como “liberal na economia, conservadora nos costumes”.
De outro lado, as alianças entre Bolsonaro e os militares, repre-sentadas aqui na figura do General Hamilton Mourão, seu colega
de turma da Escola de Brigadas Paraquedistas do Rio de Janei-
ro. Juntos eles passam a adotar o lema da própria corporação
“Brasil acima de tudo, abaixo somente de Deus”. A viabilidade,
entretanto, exigiu do candidato uma ampla aliança com os seto-
res dispersos do conservadorismo brasileiro, incluindo os ultra-
liberais, os militares e a própria Lava Jato. Carregando um modus
operandi próprio de um parlamentar do “baixo clero”, como in-
tensa troca de partido, atuação coadjuvante, posição subalterna
dentro do superbloco, motivado por interesses particulares e
voltando-se, exclusivamente, para sua base eleitoral, Bolsonaro
passa a se movimentar no campo político aliando a direita e a
extrema direita.
As Alianças do Bolsonarismo
As principais alianças costuradas por Bolsonaro foram, sobre-tudo, com os seguintes segmentos: a burguesia financeira, fra-
ções da alta burguesia comercial e industrial, setor importante
do agronegócio, alta cúpula das forças armadas e três importan-
tes agrupamentos sociais: o lavajatismo, o olavismo e a bancada evangélica. Cada um destes grupos articula atores específicos
que muitas vezes transitam entre esses setores, formando, nes-
tas condições, uma rede, o que contribui, em certa medida, para
fortalecer suas posições e criar uma homogeneidade entre os
setores que sustentaram a aliança.
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A burguesia financeira é representada por grandes grupos de
corretoras de investimentos. Elas contam, de um lado, com parte
do setor de comunicação (revistas e veículos) e, de outro, com
think tanks liberais que funcionam como mecanismos de legi-timação do mercado financeiro e de produção e circulação de
uma agenda ultraliberal. Dentre as corretoras de investimentos
associadas ao projeto está a XP Investimento (vinculada ao ban-
co Itaú), a Empiricus e a BTG Pactual. A forte presença no setor
comunicacional pode ser observada no caso da Empiricus que
tem participação na revista Crusoé e no site Antagonista; a XP
investimentos que comprou a revista Infomoney e a BTG Pactual
que controla o grupo Abril e a Revista Exame.
Dentre os nomes que articularam as aproximações desse setor
com Bolsonaro está o empresário carioca Paulo Marinho, que se
tornou um dos coordenadores da campanha juntamente com o
advogado Gustavo Bebbiano. Dono de uma empresa de consulto-
ria empresarial, Marinho vive de comprar ações de empresas e agregou ao projeto boa parte do capital financeiro. Outra grande figura a concentrar a relação e a estreitar o vínculo com a elite financeira foi o economista Paulo Guedes, ex-sócio da BTG Pactu-
al e atual Ministro da Economia. A aproximação com Guedes foi
feita, de um lado, por Winston Ling, uma das lideranças do mo-
vimento liberal18, por intermédio da ex-procuradora Bia Kicis19,
aliada de longa data da família Bolsonaro. E, de outro, por Gustavo
18 Membro do Comitê Executivo e Vice-presidente do Conselho de Administração da
Évora S.A., holding é fundador do Instituto Ling, conselheiro do Instituto Millenium, e do Instituto Liberdade. Em 1984 fundou o Instituto de Estudo Empresariais (IEE), entidade
voltada à formação de lideranças onde atuou como diretor por dois anos. Sua família
controla, em Porto Alegre, o grupo Petropar. Atualmente, administra uma trading com-
pany em Xangai, atuando na intermediação entre importação e exportação de produtos. 19 A procuradora aposentada do Distrito Federal aproximou-se de Jair Bolsonaro em 2014,
devido às manifestações em defesa do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff. Com
forte projeção nas redes sociais, criou em 2015 o Instituto Resgata Brasil defendendo pautas
como o projeto “escola sem partido” e o retorno do voto impresso. Compôs também o mo-
vimento Revoltados On-Line e é seguidora de Olavo de Carvalho. Fonte: https://economia.
estadao.com.br/noticias/geral,a-ativista-que-uniu-bolsonaro-e-guedes,70002568135
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Bebbiano, quem de fato cristalizou a aliança. Paulo Guedes, que
havia incentivado a candidatura do apresentador Luciano Huck
à presidência da República, adere ao projeto de Bolsonaro após a
desistência do apresentador.
Além das redes constituídas por Bolsonaro e seus aliados, con-
tribuíram para expandir a aproximação os think tanks. Estes
grupos não só se aproximam em termos de concepção como
também se organizam em torno de Paulo Guedes. Este é o caso
do Instituto Millenium20, do qual Paulo Guedes já fez parte como
membro fundador e curador; Instituto Liberal, Instituto Mises21
e Estudantes pela Liberdade. Estes institutos compartilham uma
concepção econômica que se situa entre a tradição monetarista da
escola de Chicago, centro de formação de Paulo Guedes, e a pers-
pectiva ultraliberal em defesa de um Estado mínimo da escola aus-
tríaca. O que mantém esse grupo unido e coeso em torno do projeto
bolsonarista é a política liberal econômica de Paulo Guedes.
Outro grupo importante a declarar apoio a candidatura de Bolso-naro foi uma parcela significativa da burguesia comercial. Organi-
zada através de grandes lojas varejistas, este setor é considerado
o mais radical, manifestando os apoios mais fervorosos em prol
do presidente. Hoje estes empresários se organizam em torno do
Instituto Brasil 200 (IB200) com o objetivo de apoiar o governo
em torno das reformas, sobretudo as da previdência e do trabalho.
Este grupo é o mesmo que no início de 2018 criou o Movimento
20 Considerado um dos mais importantes coletivos de difusão política ideológica de uma fração das elites empresariais financistas. Um dos elementos que dá ao instituto essa di-
mensão é sua capacidade de mobilizar convidados, ou articulistas, como são conhecidos,
cuja função é produzir artigos e conteúdo para divulgar as ideias liberais. Tais publica-
ções são reproduzidas também por outros institutos, como o Instituto Liberal, Instituto
Liberdade, Instituto Von Mises, Estudantes pela Liberdade (Casimiro, 2016).
21 Fundado por Hélio Beltrão, executivo de fundos de investimento de alto risco e mem-
bro do conselho de administração da Le Lis Blanc e da Artesia Investimentos. Seu pai foi ministro do planejamento durante a Ditadura Militar e ocupou diversas pastas de 1964 até 1985. Além de dedicar-se à difundir o que denomina como “anarcocapitalismo”, par-
ticipou ativamente da fundação de outros institutos liberais, como o Instituto Millenium.
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Brasil 200, capitaneado pelo empresário Flávio Rocha, dono da
rede varejista Riachuelo. Além de atuar em prol das reformas li-
berais que pregam o Estado mínimo, este grupo também apoiou
diversas manifestações – que tiveram o próprio presidente como
protagonista – contra o Supremo Tribunal Federal e a Câmara de Deputados, sobretudo na figura do seu presidente Rodrigo Maia.
Dentre as suas estratégias está a de colocar o povo contra as ins-
tituições e a de convocar atos pelo fechamento do Congresso Na-
cional e Supremo Tribunal. Juntas essas empresas faturam mais
de 40 bilhões de reais. A principal representação desse grupo
junto ao governo hoje é o secretário especial da desestatização e
desinvestimento, Salim Mattar22, proprietário do grupo Localiza,
maior rede de alugueis de carro da América do Sul. Longe de ser
apenas um grupo articulado de empresários, o IB200 organizou-
-se de modo que a burguesia comercial pudesse ter mais peso, representatividade e influência nas elaborações de políticas com
vistas aos seus interesses de classe. Para fortalecer a pressão sob
as reformas, o grupo chegou a abrir um escritório em Brasília e
contratar 12 lobistas. Este grupo também mantém conexões com
o primeiro por meio dos institutos liberais23. É o caso dos laços
entre Salim Mattar e Paulo Guedes, por meio do Instituto Liberal. Foi Guedes que levou a Localiza para o mercado financeiro e foi
também dele que partiu o convite para integrar o governo.
No que tange à burguesia industrial, os principais setores estão
associados à indústria da construção civil, aço, automobilístico
e siderurgia. Liderado pelo então deputado federal Onyx Loren-
zoni, hoje ministro da Cidadania, e, também, por Paulo Guedes,
um grupo de 10 industriais produziu uma carta de apoio à can-
didatura de Bolsonaro, aderindo ao projeto do candidato. Esse
grupo detém em média 32% do PIB industrial brasileiro. Dentre
22 Foi também fundador do instituto liberal de Minas Gerais no contexto de expansão desses institutos que atingiram seu auge nos anos 1990 (Casimiro, 2016).23 Estratégia comum até os anos 1990 eram os empresários financiarem, oferecendo su-
porte econômico, institutos liberais com o objetivo de difundir e propagar uma política liberal, com foco nas privatizações (Rocha, 2019).
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eles estão o presidente da USIMINAS e do Instituto do Aço Bra-
sil, Associação Nacional de Veículos Automotores, Associação
Brasileira de Máquinas e Equipamentos e Associação Brasileira
da Indústria Têxtil. Destaca-se aqui Meyer Nigri, proprietário da
construtora e incorporadora Tecnisa, e Elie Horn, sócio da Tec-
nisa, dono da construtora Cyrela e Crescera investimentos, esta
última gestora de recursos de investimentos que tinha Paulo
Guedes como sócio. Apesar de estar fora dos contratos públicos
federais nos governos anteriores, essas construtoras são con-
sideradas pelos índices da Bolsa de Valores de São Paulo (Bo-
vespa) uma das 10 maiores do País. A eleição de Jair Bolsonaro
e o efeito da Lava Jato no universo das construtoras nacionais
abriram espaço para empresas que não conseguiam compor os
contratos públicos. Excluídas do processo, as tradicionais em-
preiteiras e indústria da construção civil investigadas pelo cha-
mado escândalo do Petrolão dos governos anteriores se veem
hoje imersas em acordos de colaboração e leniência.
Além desses grupos já citados, é preciso mencionar um impor-
tante setor da economia com forte presença na política brasi-
leira: o agronegócio. Considerado um dos principais setores da
econômica brasileira, concentra 20% do PIB nacional e envolve
a industrialização da pecuária e da agricultura. Composto de
grandes produtores e proprietários rurais o setor, após a rede-mocratização do País na década de 1980, passou a se organizar
politicamente para ocupar vagas na Câmara e no Senado. Hoje,
a chamada “bancada ruralista” (bloco parlamentar supraparti-
dário), é considerada uma das maiores e mais atuantes dentro
do Congresso Nacional, com forte poder de decisão e importan-
te papel no jogo político brasileiro. Apesar da regulamentação
das bancadas ocorrer apenas em 2005, muitas delas emergem
de fato com o processo constituinte. Este é o caso da Frente Par-
lamentar da Agropecuária que hoje reúne 257 deputados (44% da Câmara) e 32 senadores (39,5%). O presidente da Câmara,
Rodrigo Maia, do DEM, também faz parte do grupo. A atual Mi-
nistra da Agricultura, Teresa Cristina do DEM, havia sido em
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2018 presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária. Além
dela, outros cargos de real relevância também passam a ser ad-
ministrados por parlamentares ruralistas, como Onyx Lorenzo-
ni (DEM-RS) que assumiu a casa civil, Luiz Henrique Mandetta
(DEM-MS) na saúde, Osmar Terra (MDB-RS) na cidadania e Mar-
celo Álvaro (PSL-MG) no turismo. Fundamentalmente forma-
do por parlamentares de partidos de direita e centro-direita, o
apoio à candidatura e ao governo Bolsonaro deve ser compreen-
dida dentro dos acordos com o “centrão”, bloco suprapartidário
do qual fazem parte a grande maioria da Frente Parlamentar do
Agronegócio. Dentre as principais pautas deste grupo estão a
produção agrícola em larga escala, liberação de agrotóxicos, re-
visão da demarcação das terras indígenas e quilombolas e a re-visão do código florestal. Os três partidos com maior número de
deputados nessa bancada, estão: MDB, PP e DEM. Ainda durante
o primeiro turno das eleições, a então líder da Frente Parlamen-
tar da Agricultura, a deputada federal Teresa Cristina, hoje Mi-
nistra da Agricultura, entregou uma carta de apoio ao candidato.
Outro importante setor a aderir à candidatura de Jair Bolsonaro foram as forças armadas, sobretudo na figura do Exército Brasi-
leiro e diversas de suas lideranças. A aliança começa já na com-
posição da candidatura que traz como vice o General Hamilton
Mourão. Apesar da intensa participação, vale salientar que não é
a corporação militar – enquanto instituição – que aderiu à cam-
panha, mas um conjunto de lideranças distribuídas nas diferen-
tes forças armadas (Exército, Aeronáutica e Marinha), com forte
prevalência de generais da reserva do exército. Confrontos com
os governos do PT e a retomada do protagonismo político perdi-do após o fim da ditadura militar24 marcam o apoio ao “projeto
24 Desde a formação da República que as forças armadas se destacaram na história po-
lítica do País como forças políticas importantes, constituindo-se como poder tutelar e
moderador dos governos, incentivando, portanto, o protagonismo político dos militares. O acordo para a retomada democrática do País após a ditadura de 1964 exigiu também que a atual Constituição mantivesse o papel moderador dos militares (Carvalho, 2019).
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Bolsonaro”. Um dos eventos considerados determinantes para
que parte das forças armadas se posicionasse contra o projeto
político que representava o PT foi a criação da “Comissão da
Verdade”, em 2011, no primeiro governo de Dilma Rousseff. As
investigações desencadeadas pela comissão e o relatório produ-
zido responsabilizaram os generais que atuaram como Presiden-tes nos governos militares entre 1964 e 1985. A ala mais radical
do Exército se sentiu atingida. Além disso, a Moção do Diretório
Nacional do PT, em 2016, denominada “Resolução sobre Conjun-tura”, afirmando que errou em não ter reestruturado o currículo
das escolas militares, irritou generais que reagiram. Villas Boas,
hoje assessor do gabinete de segurança institucional, chegou a afirmar que: “com esse tipo de coisa estão plantando um forte
antipetismo no Exército”25. As tensões, contudo, entre as forças
armadas e os governos do Partido dos Trabalhadores têm ori-
gem já no governo Lula e resultam em parte das estratégias polí-
ticas e dos investimentos do governo na reparação das políticas
ditatoriais. A chegada do PT ao governo federal trouxe também
as principais lideranças contra a ditadura militar as esferas do
poder. Destaca-se os dois principais chefes da casa civil: José Dir-ceu e Dilma Rousseff. Os conflitos envolveram desde uma defesa
do governo federal ao resgate da memória da ditadura militar e
dos casos de tortura evidenciados até a demarcação de terras in-
dígenas, como o famoso episódio envolvendo o General Augusto
Heleno (hoje chefe do Gabinete de Segurança Institucional do
governo Jair Bolsonaro) sobre a reserva “Raposa Terra do Sol”26
(Martins Filho, 2010). Além disso, Bolsonaro ficou conhecido por agregar os setores
mais baixos do exército e como deputado já contava com os vo-
tos da “família militar”, soldados e sargentos. Nos seus 28 anos
25 https://politica.estadao.com.br/blogs/eliane-cantanhede/pt-irrita-exercito/
26 O governo Lula decidiu em 2008 demarcar a reserva indígena Raposa Terra do Sol im-
pedindo que arrozeiros que ali atuavam permanecessem nas terras indígenas. O General Augusto Heleno (a época comandante militar na Amazônia) afirmou que a medida feria
a história da população brasileira impedindo brancos de circular em terras indígenas.
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como parlamentar, as forças inferiores do Exército –representa-das por sargentos e a baixa oficialidade – constituíram sua princi-
pal base eleitoral. Atualmente, dos 22 ministros oito são militares, além de mais de 2.500 distribuídos em postos de chefia e assesso-
ramento. O principal elo é o próprio Palácio do Planalto, uma vez
que todos os ministros que nele têm assento são militares.
Os três últimos a comporem apoio à candidatura e, após as elei-
ções, a organização do governo, não são propriamente grupos
econômicos, mas estão mais situados no campo ideológico:
os evangélicos, o lavajatismo e o olavismo. Importante setor, os
evangélicos, assim como os ruralistas, organizam-se em frentes
parlamentares e têm forte presença no jogo político. Tal fato é
decorrente da ampliação, nas últimas décadas, de um lado, de li-
deranças evangélicas eleitas para mandatos políticos, fenômeno
este que contribuiu para que a frente parlamentar evangélica se
tornasse hoje uma das maiores do congresso nacional. Na atual legislatura, ela representa 195 de um conjunto de 513 deputados.
De outro lado, a crescente adesão à fé evangélica, sobretudo na
periferia dos grandes centros urbanos, permitiu a expansão do
chamado “voto evangélico”, que concentra atualmente um terço
do eleitorado brasileiro (Casarões, 2020). As duas principais
igrejas da Frente Parlamentar Evangélica são Assembleia de
Deus e Universal do Reino de Deus, consideradas também as duas
maiores igrejas evangélicas do País em número de membros. Essas igrejas, contudo, se beneficiam da fragmentação partidá-
ria, marca central do sistema político brasileiro pós-ditadura mi-
litar, buscando alguma sustentação em seus próprios partidos.
Este é o caso do PSC (Partido Social Cristão), ligado à Assem-
bleia de Deus, e o Republicanos (antigo PRB), ligado à Universal
do Reino de Deus. Este grupo declarou apoio ao presidente, que
também é evangélico, ainda durante a campanha eleitoral e lan-
çou uma carta para a próxima legislatura denominada “O Brasil
para os brasileiros”. Com uma clara agenda econômica, a carta
ainda destacava as principais pautas evangélicas, as quais ver-
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sam em torno do conservadorismo nos costumes, voltando-se
para a oposição do que chamam de “ideologia de gênero”, sobre-
tudo nas escolas, oposição ao aborto, as pautas LGBT, casamento
homoafetivo e a luta contra o chamado “marxismo cultural”, que
segundo o grupo é um ataque à fé cristã. O grupo tem ainda forte
presença na mídia, com controle sobre a TV Record (segunda
maior emissora de canal aberto do País), da Igreja Universal do
Reino de Deus, a TV SBT, de propriedade de Silvio Santos, evan-
gélico e apoiador do governo, e a Rede Massa, de propriedade
do comunicador Carlos Massa (o Ratinho), também evangélico
da Igreja Assembleia de Deus. Na atual composição do governo,
os ministros evangélicos são: Onyx Lorenzoni (Cidadania e ex-
-chefe da Casa Civil), o general Luiz Eduardo Ramos (Secreta-
ria de Governo), Marcelo Álvaro Antônio (Turismo), André Luiz
Mendonça (Advocacia-Geral da União), Abraham Weintraub
(Educação) e a pastora Damares Alves27 (Mulher, Família e Di-
reitos Humanos). Estes dois últimos são considerados os mais
aguerridos na chamada guerra cultural contra as esquerdas e
as forças progressistas. E, em alguns setores, é possível obser-
var uma maior integração entre diferentes blocos. É o caso, por
exemplo, das reestruturações e mudanças na Fundação Nacional
do Índio (FUNAI), que unem ruralistas, incentivadores de uma
diminuição da demarcação das terras indígenas e os evangélicos
com claro interesse na evangelização indígena (Casarões, 2020).
Outro elemento importante que une os evangélicos aos liberais
do mercado é o princípio do empreendedorismo individualista
e do Estado mínimo, muito forte na teologia da prosperidade,
marca central das igrejas evangélicas.
O lavajatismo, como foi designado por boa parte dos meios de
comunicação social, corresponde ao conjunto de apoiadores da
27 Mudde (2019) caracteriza governos de extrema direita por uma pauta que impede
o avanço das pautas da comunidade LGBT. Como exemplo o autor cita a nomeação da
pastora evangélica ultraconservadora Damares Alves para o Ministério da Mulher e dos Direitos Humanos, quem afirma que as políticas da diversidade ameaçam a família tra-
dicional cristã.
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operação Lava Jato, considerada uma das maiores operações de
combate à corrupção no Brasil, e é formado por procuradores,
juízes, políticos, movimentos sociais e canais de comunicação,
sobretudo aqueles vinculados à grande mídia. A força tarefa
Lava Jato uniu uma grande parcela do judiciário, do Ministério
Público, da classe política, dos veículos de comunicação que di-
vulgavam a operação com conteúdo em primeira mão e de um
público, caracterizado por movimentos e atuações nas redes sociais, que identificavam o juiz Sérgio Moro como um ídolo e
herói nacional. O enfraquecimento dos partidos tradicionais,
sobretudo aqueles investigados por casos de corrupção, forta-
leceu ainda mais os protagonistas dessa operação e abriu es-
paço para movimentos engajados na sua defesa independente
dos questionamentos a respeito dos métodos utilizados por ela.
Um dos elementos centrais do lavajatismo é o forte antipetismo,
marcado pelo ataque direto ao ex-presidente Lula, e o discurso
antissistema, com ataque não só à classe política, mas também
ao Supremo Tribunal Federal (STF). A Lava Jato intensificou sua relação com o campo político a partir
de 2015 durante a campanha pela aprovação das “Dez Medidas
Contra a Corrupção”, proposta elaborada pelo Ministério Públi-
co encabeçada pela força tarefa. Nesse processo os movimentos
que se aproximaram dos procuradores da operação foram: Mo-
vimento Renova BR28; Movimento Liberal Acorda Brasil29; Movi-
28 Movimento que visa formação e capacitação de lideranças políticas, tem como um
dos principais organizadores e articuladores Eduardo Mufarej, empresário que atuou no mercado financeiro como executivo de companhias de investimentos. Na última eleição,
em 2018, o movimento conseguiu eleger 16 parlamentares, sendo deste conjunto 68%
vinculados a partidos que se movem no espectro do centro-direita e da direita liberal. 29 Liderado por RosAngela Lyra, ex-CEO da Dior no Brasil e presidente da Associação de
Lojistas dos Jardins em São Paulo, e Luiz Philippe de Orleans e Bragança, hoje deputado
federal pelo PSL. À frente da campanha pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousse-
ff, Rosangela organizou em 2015 importante evento com a presença de Deltan Dallagnol,
então procurador da força tarefa. Na ocasião, o procurador recebeu as 30.000 assinaturas
em defesa das “Dez Medidas”, recolhidas em atos – na sua maioria – contra o governo de Dilma. https://brasil.elpais.com/brasil/2015/09/16/politica/1442433216_569248.html
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mento Vem pra Rua30; Movimento Brasil Livre31 (MBL). Dentre
os partidos associados a tais movimentos estão os que se situam
no campo da direita e centro-direita, como Partido Novo, PSDB
e DEM. Foi também nesse contexto que a aproximação com o deputado Eduardo Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, e Onyx Lo-
renzoni, hoje ministro do atual governo, começou a ser feita.
Esses grupos em defesa da Lava Jato foram capturados pelo can-didato Jair Bolsonaro que – por ter ficado fora do establishment
– lançou mão de um forte discurso antipetista, anticorrupção e antissistema. Tais grupos articulavam na figura do juiz Sérgio
Moro, hoje ex-Ministro da Justiça e Segurança Pública, o prin-
cipal elo de conexão com o governo. A indicação do juiz para o
ministério ocorreu durante a campanha eleitoral e foi um dos
elementos centrais na aproximação com o candidato. Importan-
te destacar que a aproximação entre Bolsonaro e os lavajatistas ocorreu por meio de Paulo Guedes, homem do mercado financei-
ro, encarregado de fazer o convite pessoalmente a Sérgio Moro
antes, inclusive, do segundo turno das eleições presidenciais. A
relação dos procuradores e juízes da operação com o mercado financeiro foi revelada pelo material jornalístico conhecimento
como Vaza Jato, o qual – através de um extenso conteúdo obtido
por meio de vazamento de conversas dos procuradores no Tele-
gram – revelou desde a participação em eventos secretos entre o
procurador Deltan Dallagnol e a XP Investimentos32 para discu-
tir eleições presidenciais e conjuntura política até a blindagem
30 Movimento criado em 2014, ano de nascimento da Lava Jato, atuou fortemente em prol do
impeachment e das pautas da Lava Jato, como a campanha pelas “Dez Medidas”.
31 Movimento criado em 2014, defende o liberalismo econômico e atuou fortemente na
campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff. Muitas das suas principais lideranças
elegeram-se deputados federais por siglas partidárias da direita e centro-direita.
32 Publicada pelo site The Intercept, a matéria denominada “O Risco está bem pago”
revela – por meio das conversas vazadas entre os procuradores no aplicativo Telegram
– o evento organizado pela XP Investimentos entre Deltan Dallagnol e banqueiros nacio-nais e internacionais em junho de 2018: https://theintercept.com/2019/07/26/deltan-
-encontro-secreto-bancos-xp/.
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jurídica a Paulo Guedes33. No Congresso o partido que “veste o figurino da Lava Jato” é o Podemos, carregando as principais
pautas associadas à defesa da operação como: a CPI do supremo tribunal federal, conhecido como CPI da Lava Togas, além do fim
do foro privilegiado, dentro outras pautas. Hoje o partido é o ter-
ceiro maior com número de parlamentares no Senado.
Bolsonaro atraiu esse grupo a partir do momento em que adere
tanto ao antipetismo, sua marca central, como à pauta anticor-
rupção como elemento fundamental de crítica ao sistema políti-
co, sobretudo ao establishment. Mesmo tendo sido deputado por
28 anos, compondo, portanto, o quadro político, e fazendo parte
de partidos, como o PP e o PTB, alvo de grandes escândalos de
corrupção, Bolsonaro ocupava o lugar destinado a políticos per-
tencentes aos partidos pequenos, com força reduzida no Con-gresso e que dependem do fisiologismo como elemento central
de sobrevivência. Por fim, mas não menos importante, está o agrupamento deno-
minado de Olavismo, o qual se organiza em torno dos seguidores
do guru da extrema-direita brasileira Olavo de Carvalho. Con-
siderado o “Bannon brasileiro”, o ideólogo da ala mais radical
do governo concebe a política por meio do viés apocalíptico,
cercado de códigos binários (globalistas versus nacionalistas),
narrativas que evocam teorias da conspiração e incentivam a existência de uma guerra cultural. Autoproclamado filósofo e
astrólogo, Olavo de Carvalho se destacou nas redes sociais atra-vés de um curso de filosofia on-line que contribuiu para agregar
grande parte do conservadorismo brasileiro. A partir desse cur-
so ele formou um grupo de seguidores (juízes, políticos, advo-
gados, comunicadores) que passaram a ter projeção na política.
Destacaram-se pela participação nas redes sociais, a plataforma
33 Matéria publicada pelo jornal Folha de S. Paulo em 20 de agosto de 2019: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/08/lava-jato-ignorou-repasse-de-guedes-em-de-
nuncia-contra-empresa-de-fachada.shtml
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UMA JANELA NO TEMPO
Brasil Paralelo, diversos youtubers (com mais de um milhão de
seguidores) e comunicadores que depois passaram a ocupar
cargos em grandes veículos de comunicação.
No meio político os alunos a darem grande projeção às ideias de Olavo foram os três filhos mais velhos do presidente Jair Bol-
sonaro: Flávio Bolsonaro (senador), Eduardo Bolsonaro (depu-
tado federal) e Carlos Bolsonaro (vereador pelo município do
Rio de Janeiro). A integração entre o olavismo e a família Bol-
sonaro deu origem ao que boa parte dos analistas chamam de
“bolsolavismo”34, representado pela intensa articulação com a
direita internacional. Essa articulação ampliou espaço de atua-
ção no governo com nomeações para diversos setores tais como: o setor das relações internacionais, na figura do Ministro das Re-
lações Exteriores Ernesto Araújo, é aquele que mais associado
está ao olavismo. Formam o seu time o olavista Filipe Martins,
assessor especial da Presidência da República para assuntos
internacionais. Outros importantes setores que contam com
olavistas são: educação, com o Ministro da Educação Abraham
Weintraub e a Secretaria Especial de Comunicação do governo,
com o secretário Fábio Wajngarten. Destacam-se também os
assessores pessoais do gabinete do Presidente, portanto direta-mente vinculado a ele, e associados aos filhos de Bolsonaro. Esse
grupo de assessores, liderado por Carlos Bolsonaro e orientado
por Olavo de Carvalho, deu origem ao que se designou chamar
de “gabinete do ódio” ou “gabinete ideológico”. Através deste
gabinete, tais assessores não só orientam o presidente como
comandam também várias páginas nas redes sociais (twitter e
facebook), com milhões de seguidores, cujo objetivo é propagar
uma campanha de intensa polarização e agressão aos adversá-
rios produzindo conteúdo especialmente para sua base eleito-
34 Segundo Casarões (2020) o bolsolavismo tem na política internacional um dos seus
principais elos, sobretudo na relação com o presidente dos Estados Unidos, Donald
Trump, cujo relacionamento é construído, fundamentalmente, sob bases ideológicas
sem princípios que permitam uma negociação do lado brasileiro.
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ral. Mantendo assim uma das principais característica do baixo
clero, a mobilização das mídias sociais tornou-se peça central
para estabelecer uma relação direta com seus eleitores.
Muitos desses setores hoje encontram-se tutelados por militares
que ampliaram sua atuação no governo e que buscam limitar o
alcance dos olavistas, estes últimos importantes pontos de ten-
são no governo. Um exemplo disso é a mais recente substituição
do Ministro da Casa Civil, cargo que passou a ser ocupado pelo
General Walter Braga Neto. Nomeado em fevereiro de 2020 para
assumir o cargo, o General já exonerou assessor olavista e busca
controlar o poder de alcance do grupo. Entretanto, é também o
olavismo que conecta os militares a Bolsonaro, sobretudo por
meio da concepção ideológica que carregam contra as esquer-
das e o comunismo.
Portanto, esses grupos compartilham interesses comuns e foi
em torno de tais interesses que, em um contexto de crise, o pro-
jeto político do bolsonarismo passa a se apresentar como uma
alternativa viável. É nesse momento que Bolsonaro passa a jogar
com os grupos buscando seu apoio e se favorecendo da fragmen-
tação política.
Considerações Finais
Este artigo buscou demonstrar as condições sociais e políticas
nacionais que permitiram a formação do bolsonarismo como
projeto político e os diferentes grupos que passaram a apoiá-lo. Como demonstrado acima, a própria configuração do sistema
político nacional – estruturado a partir do pluralismo fragmen-
tado – e o vácuo provocado pela ruptura no sistema de alianças
geraram as condições para a emergência do Bolsonarismo e sua
capacidade para costurar novas alianças. Portanto, um dos ar-
gumentos centrais é que os padrões das alianças dependem de
como se organiza o sistema político e partidário.
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UMA JANELA NO TEMPO
De acordo com o que foi descrito, é possível observar que Bolso-
naro realinhou as forças do conservadorismo brasileiro que se
encontravam dispersas. De um lado cresceram no jogo político
os partidos pequenos, considerados “nanicos”, muitos dos quais tinham um caráter apenas fisiológico, servindo para composi-
ção de alianças dentro do chamado “centrão”. Este último, antes
controlado pelo MDB, foi aos poucos sendo tomado por partidos
evangélicos com inclinação à direita, como o PSL, então partido
do presidente no contexto da candidatura. Dentre os fatores que contribuíram para isso está a própria configuração do sistema
político que, em contextos de crise, tende a gerar oportunida-
des para esses partidos. Por outro lado, os militares, sobretu-
do aqueles que estavam na reserva e que se organizaram como
grupo político, alinhados aos pequenos partidos, como é o caso do vice-presidente, serviram de suporte ao novo governo e fia-
dores de um presidente cuja base partidária é frágil e fragmen-tada. Desde o processo de redemocratização, em 1985, que os
militares não ocupavam postos relevantes na cúpula do governo
federal. Favorecidos, portanto, por um sistema político plural e
fragmentado, como o brasileiro, a militarização da política ga-
rantiu uma certa estabilidade e legitimidade às alianças frágeis
do atual governo. Isso ocorre porque a fragmentação produz
alianças imediatistas, exclusivamente para garantir governabi-
lidade em função dos cálculos e necessidades dos políticos. Ao
mesmo tempo em que são fáceis de serem estabelecidas, são frá-geis, instáveis e suscetíveis a constantes conflitos, uma vez que a
necessidade de conciliar interesses diversos produz tensões por
espaço e recursos. E, por fim, parte do judiciário composto pelos membros da ope-ração “Lava Jato”. Assim, a nova configuração a se desenhar colo-
ca em cena uma coalizão entre setores do judiciário, setores da
classe política, dividida aqui entre liberais, evangélicos e ruralis-
tas, e os militares. O ativismo anticorrupção é usado para coop-
tar membros da operação “Lava Jato” e aparece como uma estra-
tégia importante dessa coalizão, apesar das intensas denúncias
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de corrupção envolvendo a equipe presidencial do novo governo
e o próprio presidente eleito.
Cada um desses movimentos deve ser compreendido e analisado.
O primeiro representa as transformações na composição do cha-
mado “centrão”, o que contribuiu para a ascensão dos pequenos
partidos e do chamado “baixo clero”. Este grupo tende a articular
alianças com outras forças econômicas, como os liberais, setores
da burguesia comercial e industrial, que também se favorecem
da fragmentação política. Dispersos em várias frentes, o baixo
clero tende a atuar na defesa do lobby de bancos e grupos eco-
nômicos. O segundo, a retomada do protagonismo político pelos militares perdido após o fim da ditadura militar. O núcleo dos
militares resulta, de um lado, da estratégia em dar suporte a um
governo de um pequeno partido, sem estrutura e considerado
frágil do ponto de vista político. De outro, a forte presença dos
militares compõe não só a carga simbólica e ideológica de “um
chamamento as forças armadas” para garantir a ordem, mas re-
presenta uma estratégia para diminuir as indicações de cunho
político-partidário. Os militares apresentam um discurso neu-
tro e imparcial, como agentes comprometidos com a nação, mas
distantes dos interesses meramente político-partidários que no
passado garantiam a governabilidade. Assim, sua presença cor-
responde a uma tática para garantir governabilidade ao presi-
dente e diminuir o poder de barganha dos líderes partidários.
Essas condições contribuíram para que Bolsonaro pudesse jogar
com diferentes aliados, unindo seus interesses com os interes-
ses em comum com os economistas ultraliberais, militares e as
frações dispersas do conservadorismo brasileiro.
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UMA JANELA NO TEMPO
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Recebido em 23/09/2020Aprovado em 19/11/2020