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Ilegalismos e Sociabilidades
Transnacionais: A Mitigação do
Crime e o Controle Social a Partir das
Mobilidades de Brasileiros na Fronteira
Franco-Brasileira
Otávio Couto*1
Resumo:
Apresentar um espaço fronteiriço cujas interações sociais são deter-
minadas essencialmente através de mobilidades clandestinas, revelar
impactos dessas mobilidades na gestação de mecanismos de contro-
le social em solo francês e analisar o processo de mitigação do crime
em Oiapoque em prol da subsistência de mercados ilícitos típicos da
região. Esses são os objetivos deste artigo, etapa preliminar de um es-
tudo mais amplo realizado através de pesquisa qualitativa de cunho exploratório, documental e bibliográfico, que se propôs lançar luz so-
bre ilegalismos transfronteiriços de um Brasil profundo cujas resso-
nâncias ainda permanecem obscuras.
Palavras-chave: Ilegalismos. Oiapoque. Fronteira franco-brasileira.
Migração. Controle Social.
* Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). E-mail: otaviolscouto@gmail.com
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ILEGALISMOS E SOCIABILIDADES TRANSNACIONAIS
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Transnational Illegalities And Sociability: Crime
Mitigation and Social Control Based on the Mobility
of Brazilians on the Franco-Brazilian Border
Abstract:
Present a border space whose social interactions are determined essentially
through clandestine mobilities, reveal the impacts of these mobilities on the
creation of social control mechanisms on French soil and analyze the crime
mitigation process in Oiapoque in favor of the subsistence of typical illicit ma-
rkets in the region. These are the objectives of this article, the preliminary sta-
ge of a broader study carried out through qualitative research of exploratory,
documentary and bibliographic nature, which proposed to shed light on cross-
-border illegalisms of a deep Brazil whose resonances still remain obscure.
Keywords: Illegalism. Oiapoque. Franco-Brazilian frontier. Migration. Social
Control.
Ilegalidades Transnacionales Y Sociabilidad: Mitigación
Del Crimen Y Control Social A Partir de la Movilidad
de Brasileños en la Frontera Franco-Brasileña
Resumen:
Presentar un espacio fronterizo cuyas interacciones sociales están determina-
das esencialmente a través de movilidades clandestinas, revelar los impactos
de esas movilidades en la creación de mecanismos de control social en suelo
francés y analizar el proceso de mitigación del delito en Oiapoque a favor de la
subsistencia de los típicos mercados ilícitos de la región. Estos son los objeti-
vos de este artículo, etapa preliminar de un estudio más amplio llevado a cabo
a través de una investigación cualitativa de carácter exploratorio, documental y bibliográfico, que se propuso arrojar luz sobre ilegalismos transfronterizos
de un Brasil profundo cuyas resonancias aún permanecen oscuras.
Palabras clave: Ilegalismo. Oiapoque. Frontera franco-brasileña. Migración.
Control social.
Otávio Couto
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Apresentação
O intuito desta investigação se deteve em compreender as dinâ-micas socioeconômicas do município de Oiapoque e da fronteira
Amapá-Guiana Francesa, marcadamente transversalizadas por
ilegalismos1 determinantes das sociabilidades e representações
características dessa região. Em conexão com esses elementos, também compõe este esforço teórico-reflexivo o desvelamento dos processos de mitigação do crime nessa fronteira, configu-rando tratamentos institucionais dicotômicos em relação aos
ilícitos transnacionais praticados.
O percurso investigativo teve início há dois anos, compreendendo
nessa etapa uma pesquisa qualitativa de natureza exploratória, documental e bibliográfica. No contexto dos obstáculos resultan-
tes da pandemia da Covid-19, a pesquisa contou com cinco entre-
vistas realizadas através de videoconferência entre os meses de
abril e maio de 2021, nas quais foram privilegiados interlocutores
que atuam em setores importantes do cenário urbano do municí-
pio de Oiapoque em relação às temáticas selecionadas para este
estudo. Nesse sentido, buscou-se a percepção das impressões e significados que os sujeitos atribuem aos atrelamentos multilate-
rais que os ilegalismos estabelecem com o funcionamento estru-
tural da cidade e das relações em seu entorno.
1 Ilegalismos, de acordo com a grade teórica de Foucault, é compreendido como aquelas
condutas transgressivas da ordem vigente que até um determinando momento da história
eram compartilhadas entre grupos sociais distintos, sem que houvesse, no entanto, um
recrudescimento quanto ao enfrentamento institucional dessas práticas. A percepção dos
ilegalismos na obra de Foucault é potente pois baliza um redimensionamento punitivo que o autor identifica a partir do momento em que os ilegalismos tornam-se ilegalidades. Es-
ses ajustes, que se localizam no século XIX e são resultado de uma nascente racionalidade punitiva gestada pela burguesia, tiveram por finalidade sedimentar o controle dos grupos
mais vulneráveis pela classe dominante através da produção da delinquência. Nesse senti-
do, nas palavras de Foucault (1999, p. 230): “Vimos como o sistema carcerário substituiu o infrator pelo ‘delinquente’. E afixou também sobre a prática jurídica todo um horizonte de
conhecimento possível. Ora, esse processo de constituição da delinquência-objeto se une à
operação política que dissocia as ilegalidades e delas isola a delinquência”.
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A dinâmica interpretativa dos depoimentos e fenômenos sociais identificados na região transfronteiriça, assim como no impacto
pelo interesse pela pesquisa, também é permeabilizada pela minha
experiência enquanto docente da Universidade Federal do Amapá,
lotado no Campus Binacional de Oiapoque. Durante o período em
que estou lotado no município, o qual já remonta há pouco mais
de quatro anos, procurei desde o início observar atentamente as
interações no espaço urbano da localidade, interagindo com mora-
dores nativos e oriundos de outros estados, além de diversos via-
jantes que chegam e atravessam a fronteira todos os dias neste “[...]
espaço de tensão e contradição entre o cruzador de fronteiras e o
reforçador de fronteiras [...]” (Albuquerque, 2009, p. 160).
Nessa perspectiva, os movimentos migratórios do traslado fran-
co-brasileiro remontam um percurso histórico demarcado por
temporalidades que intercalaram períodos de tensões e autoi-
solamento desde o período de rivalidades franco-portuguesas.
Não obstante não seja objetivo deste artigo detalhar o longo per-
curso histórico que envolveu as interações entre Brasil e França
nesse contexto de fronteira2, é importante salientar que a novela
geopolítica que ambas as nações protagonizaram desde a cele-
bração do Tratado de Utrecht, em 1713, que teve como ponto ne-
vrálgico a disputa diplomática pelo marco divisório do rio Oia-
poque contestado pelos franceses – esses acreditavam que o rio
corria mais ao sul do que o tratado estipulava –, somente foi re-
solvida após a expedição do Laudo Suíço em 1900, que atribuiu de forma definitiva ao Brasil o território contestado, colocando fim ao certame que se estendeu por três séculos.
Este artigo está organizado em quatro partes, compondo as duas primeiras uma breve introdução ao espaço geográfico frontei-
2 Existe uma ampla bibliografia brasileira e francesa que se debruça sobre os aspectos
históricos que envolvem temáticas sobre a fronteira franco-brasileira, dentre a qual se
incluem os estudos de Romani (2003), Granger (2014), Cavlak (2017), Mam Lam Fouck
(2002), Mam Lam Fouk e Anakesa (2013) e Samis (2002).
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riço franco-brasileiro e ao contexto migratório significante das
sociabilidades locais, respectivamente; uma terceira parte dedi-
cada aos desdobramentos que as migrações clandestinas – so-
bretudo de brasileiros – para a Guiana Francesa imprimem no
desenvolvimento de mecanismos de controle social franceses;
e uma quarta parte que apresenta o processo de mitigação do
crime em Oiapoque e seus impactos nas dinâmicas e represen-
tações locais, além de possíveis ressonâncias.
1. Descobrindo o “€udorado”: considerações preliminares
sobre um cenário mitológico
Historicamente a região sobre a qual se assenta esta pesquisa
se encontra em uma localidade demarcada pela perversidade
humana em seu fetiche punitivo, seja enquanto cenário da nar-
rativa de Henri Charrière em sua obra Papillon, que denuncia um
dos mais horripilantes regimes carcerários que se tem notícia, o das colônias penais da Guiana Francesa; seja, ao lado do Brasil,
às margens do rio Oiapoque – onde se encontra a base militar
de Clevelândia do Norte3 – enquanto localidade onde ocorreu o
chamado “inferno verde”, quando o presidente Arthur Bernar-
des, durante a década de 20 do século passado, enviou mais de
1.200 presos políticos para padecerem no que muitos chamam
de “o campo de concentração brasileiro” (Samis, 2002).
Inserido dentro desse mitológico cenário do imaginário franco-
-brasileiro, o município de Oiapoque é banhado ao leste pelo
Oceano Atlântico e constitui ao oeste uma fronteira de aproxima-damente 700 quilômetros com a Guiana Francesa – coletividade
ultramarina da França4 –, representando, assim, a fronteira físi-
3 Sediada em Clevelândia do Norte, distrito do município de Oiapoque e antiga Colônia
Penal Agrícola, está a Companhia Especial de Fronteira (CEF) do 34º Batalhão de Infan-
taria de Selva.
4 70 anos após abandonar o estatuto colonial para se tornar Departamento de Ultramar,
a Guiana Francesa, em 2016, tornou-se uma Coletividade Territorial de Ultramar. “Os de-
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ca mais extensa que a França possui com outras nações, sendo o
referido município a única cidade que se relaciona diretamente
com um território europeu na América do Sul, conectando-se,
ainda, com o Suriname – antiga Guiana Holandesa – através de uma fronteira de 50 quilômetros.
Entretanto, embora esteja escrito no principal monumento de
Oiapoque “aqui começa o Brasil”, o que naturalmente se percebe ao chegar nessa fronteira é que estamos nos confins de um país periférico, identificando o Brasil como um exemplo de país per-
tencente ao chamado capitalismo periférico, no qual as concen-
trações de renda e os contrastes sociais são mais perceptíveis
do que nos países considerados de capitalismo desenvolvido.
Do outro lado do rio Oiapoque está a cidade gêmea5 de Saint-
-Georges, com a qual o município brasileiro que leva o mesmo nome do rio possui relações de ordem econômica, social e cultu-
ral bastante intensas, além de Camopi, localizada em frente a um
pequeno vilarejo brasileiro chamado de Vila Brasil (Silva, 2014).
A expressão “€udorado”, utilizada no título deste tópico, foi
cunhada pelo pesquisador francês Gerard Police (2010) que de-
senvolve seus estudos em Caiena – capital da Guiana Francesa
– e está presente em sua obra €udorado: Le discours brésilien sur
la Guyane française, ou “Euro-dorado: o discurso brasileiro so-
bre a Guiana Francesa” (tradução minha). O sentido que o autor
quis exprimir através da curiosa expressão é relativo à ideali-
zação que tantos indivíduos, em especial brasileiros, constroem em relação à fronteira franco-brasileira – significando a locali-
dade enquanto um espaço de possibilidades, principalmente re-
ferentes aos garimpos (característicos da região) – ou então ao
euro –, moeda europeia de valor acentuadamente superior ao da
partamentos, regiões e coletividades francesas de ultramar desfrutam da total igualdade
jurídica com a França Hexagonal, ao contrário dos ‘países de ultramar’ franceses, como a Polinésia Francesa e a Nova Caledônia, que têm um estatuto de autonomia alargada
dentro da República Francesa, mas não fazem parte da UE” (Silva, Granger, 2016, p. 28).5 Adensamentos populacionais cortados pela linha de fronteira, terrestre ou fluvial.
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moeda nacional, que circula do lado francês da margem do rio,
mas que dentro das permeabilidades típicas de uma fronteira
transnacional faz parte do cotidiano de quem vive nessa região.
Além da questão de se estar em uma zona de fronteira6, o que imediatamente enseja uma interface socioeconômica e cultural
em que as ressonâncias recíprocas entre as cidades criam so-
ciedades transfronteiriças (Farret, 1997), a peculiaridade dessa
fronteira, conforme sinalizado anteriormente, também é mar-
cada pelo fato de que tanto a Guiana Francesa quanto o estado
do Amapá7 se encontram dentro de uma espécie de periferia ge-
opolítica de seus próprios países (Tostes, Ferreira, 2017). Isso
pode ser observado através da pouquíssima visibilidade nacio-
nal que a fronteira franco-brasileira enfrenta, seja em termos
de políticas públicas, seja até mesmo no que se refere à questão da pesquisa científica, que apesar de contar com uma boa pro-
dução sobre diversos aspectos regionais, em relação aos seus
ilegalismos – temática privilegiada neste artigo –, é demarcada
pela escassez de produções, o que pode ser constatado através
de pesquisa em bancos de teses e dissertações, além da busca
por artigos e livros na internet.
Não obstante a fronteira franco-brasileira tenha sido impacta-da em um passado recente por configurações que a tornaram
menos permeável – sobretudo para os brasileiros que legal ou
ilegalmente pretendem atravessá-la –, para as comunidades in-
dígenas que habitam essa região tais dinâmicas institucionais
não caracterizam a locomoção desses povos que historicamente
estabeleceram suas práticas na bacia do rio Oiapoque. Embora
não seja o objeto desta pesquisa, é importante destacar a carac-
terística itinerante dessas populações na região, pois dinamiza-
6 “A zona de fronteira é composta por faixas territoriais de cada lado do limite interna-cional, sendo sua extensão geograficamente limitada a algumas dezenas de quilômetros
a ambos os lados da linde” (Silva, 2014, p. 29).
7 Fortalece esse contexto o fato de que estado do Amapá é o único do Brasil que ainda
não possui conexão com as outras regiões e seus estados pela via terrestre.
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da por “[...] um intenso movimento dos indígenas que, há déca-
das, mantêm contatos frequentes com os moradores das duas
cidades gêmeas, vendendo seus produtos agrícolas” (Aquino,
Vargas, 2016, p. 95). Nesse sentido, contextualizam Carina Al-
meida e Alexandre Rauber (2017) que:
Os indígenas do Oiapoque, compostos na contemporanei-
dade sobretudo pelos povos Palikur-Arukwayene, Karipu-
na, Galibi-Marworno e Galibi Kali’na, juntamente com os
créoles, antillesses, cearenses, paraenses, maranhenses, ri-
beirinhos e caboclos de diversos lugares, formam o tecido
étnico complexo de constituição desta região que não pode ser definida somente como “terra de índios”, de “não índios”, de caribenhos e de amazônicos, mas como um lugar de fron-
teira, o lugar da diversidade e da alteridade, um lugar de
encontros e desencontros realizados há séculos. (Almeida,
Rauber, 2017, p. 478).
Muito embora com o advento da globalização os espaços tenham se tornado cada vez mais fluídos (Bauman, 1999; Santos, 1996),
paradoxalmente a integração da Guiana Francesa ao continen-
te sul-americano ocorre contemporaneamente sobretudo por meio de práticas criminosas. Isso, apesar do fluxo migratório que se intensificou a partir da década de 1960, com a construção
do Centro Espacial de Kourou8, atraindo centenas de colombia-
nos e brasileiros aos quais logo após, durante a década de 1980,
também somaram-se os surinameses que fugiam de sua guerra civil, compondo, assim, um cenário etnográfico demarcado pela confluência de diversos imigrantes que representam aproxima-
damente 40% da população da Guiana Francesa (Granger, 2008).
A busca por condições melhores de vida, seja pelo vislumbre do reflexo do sonho do “€udorado”, seja por intermédio de empre-
8 O Centro Espacial de Kourou, construído a partir de 1968 pela Agência Espacial Euro-
peia (ESA), é conhecido pelo lançamento de foguetes e satélites, inclusive brasileiros, e contribuiu em boa parte para o desenvolvimento econômico da Guiana Francesa.
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gos formais ou informais, seja pelo acesso a serviços de saúde
e de assistência social mais bem estruturados do que aqueles localizados no Brasil e suas periferias, alimenta um fluxo migra-
tório que persiste continuamente até os dias atuais, conjectu-
rando, dessa forma, um povoamento multifacetado e intercultu-
ral em um território que ainda existe sob espectros coloniais na
América do Sul.
2. A migração transfronteiriça Amapá-Guiana Francesa e
seus impactos nas sociabilidades locais Não obstante a configuração geopolítica das fronteiras nacio-
nais esteja intrinsecamente relacionada com a percepção pa-
radigmática de que essas localidades são determinantes para
a constituição do Estado moderno, “[...] tanto como dimensão da própria modernidade ou como seu desafio ou avesso [...]”
(Alvarez, Salla, 2010, p. 4), considerando as múltiplas repre-
sentações que habitam o imaginário social acerca das moda-
lidades de atuação institucional que estão relacionadas com o funcionamento da entidade pública governamental, a reflexão
sobre a presença do Estado nas profundezas de seu território
geralmente está conectada com a ideia de que, em suas mar-
gens, a desarticulação e precarização de seus serviços é histo-
ricamente sintomática.
No entanto, “[...] a fronteira não pode ser mais pensada exclusi-
vamente como franjas do mapa em cuja imagem se traduzem os limites espaciais, demográficos e econômicos de uma determi-
nada formação social [...]” (Becker, 1988, p. 60). Nesse sentido,
Veena Das e Deborah Poole (2008) aludem a emergência de se
pensar o Estado a partir de suas margens, no sentido de que as
práticas e políticas de vida nessas regiões – em contraste ao que
geralmente se compreende acerca de suas dinâmicas marginais
– são determinantes para as práticas políticas de regulação e
disciplinamento desenvolvidas no bojo da atividade estatal.
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Analisando o espaço geográfico franco-brasileiro enquanto uma
região que se insere dentro de um processo de transfronteiri-
zação, sublinhado anteriormente em decorrência das relações
multidimensionais estabelecidas entre os centros urbanos
fronteiriços, compreende-se que as interações entre ambas as regiões configuram peculiar cenário sociológico por comportar
ambivalentemente intenso tráfego de pessoas e mercadorias,
ao mesmo passo em que subsiste e se fortalecem sólidos bali-
zamentos quanto à sua porosidade, resultado das densas bar-
reiras contemporaneamente impostas pelo governo francês ao fluxo migracional que caracterizam um dos principais pontos de
tensionamento nessa fronteira.
Nesse sentido, compreender as representações e sociabilidades
determinadas pelos ilegalismos nessa fronteira exige necessa-
riamente conhecer outra questão que com ela estabelece íntima
interface: a da migração transfronteiriça Amapá-Guiana France-
sa. Não obstante o quantitativo expressivo de imigrantes em solo
francês, sobretudo de surinameses, haitianos e brasileiros (Ro-cha, 2020), o fluxo migratório proveniente do Brasil é fortemente
caracterizado pela ilegalidade, fator determinante para a intensi-ficação das tensões que orbitam as relações internacionais locais.
Do mesmo modo, apesar da marcante presença de imigrantes na
Guiana Francesa, isso não se deve a imagináveis iniciativas diplo-
máticas de integração e desenvolvimento regional guianesas, mas
ao apelo que determinados capitais exercem sobre as expecta-
tivas de melhores estilos de vida daqueles que migram atraídos pelo alto padrão salarial em comparação ao perfil regional, ou pelo eficiente sistema de seguridade social e alta valorização da
moeda, além das possibilidades de geração de riqueza propor-
cionadas pelas centenas de garimpos ilegais pulverizados sobre a floresta (Granger, 2014; Pinto, 2012; Arouck, 2000). De fato, a configuração social e cultural da Guiana Francesa é for-
temente impactada pela presença de brasileiros em seu territó-
rio. De acordo com o Consulado-Geral Brasileiro em Caiena, em
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2016, a população era de 278.511 habitantes, da qual estima-se
que 30 mil sejam brasileiros, representando 12% da população
total. De acordo com Baldwin (2010) essa presença é ainda mais significante, estimando que um quinto da população guianense
é brasileira ou de origem brasileira9, sendo que a grande maioria
se encontra em situação ilegal10. De qualquer modo, “[...] a Guia-
na Francesa possui a característica singular de ser hoje um país
eminentemente de imigrantes” (Arouck, 2000, p. 76).
A representação dos brasileiros enquanto uma espécie de “co-
munidade diaspórica”11 presente na Guiana Francesa esboçada
por Baldwin (2010) se conecta ao pressuposto de que esses
imigrantes se deslocaram para essa região em uma espécie de
fuga de suas condições de vida precárias, muito embora acabem
reproduzindo nesse território o baixo grau de cidadania ao qual
estavam submetidos no Brasil (Arouck, 2000). Nesse sentido, de
acordo com Baldwin (2010), há um imaginário depreciativo e
preconceituoso dessa população brasileira em diáspora.
9 Esses brasileiros, em sua maioria, são provenientes dos estados do Amapá, Pará e Ma-
ranhão (Pinto, 2012; Arouck, 2000).
10 De acordo com Manoel de Jesus Souza Pinto (2012), a população exata de brasileiros
não é conhecida nem pelas autoridades locais, nem pelo consulado brasileiro, e isso se
deve pelo motivo de que em sua grande parte essa migração é clandestina.
11 Nesse sentido, a contribuição de Brah (2005), ao propor um aprofundamento acerca do termo diáspora, é instrumental para a percepção sobre os significados que essa expres-
são enseja, diferenciando seu conceito teórico das históricas “experiências” de diásporas
percebidas mundo afora. Desse modo, a autora sugere que o conceito de diáspora seja
compreendido a partir de uma perspectiva genealógica no sentido foucaultiano do termo,
“[...] ou seja, como um conjunto de tecnologias investigativas que historicizam trajetórias
de diferentes diásporas e analisam sua relacionalidade nos campos das relações sociais,
subjetividade e identidade” ou, em outras palavras, “[…] o conceito de diáspora centra--se nas configurações de poder que diferenciam as diásporas internamente, bem como as
situam umas em relação às outras” (Brah, 2005, p. 180-183, tradução do autor). Por outro lado, Brah explica que a confluência de narrativas que decantam diversas jornadas em uma
única é o que possibilita uma “comunidade diaspórica” ser diferentemente imaginada em
diferentes circunstâncias históricas, com isso a autora quer dizer que “[...] a identidade da comunidade diaspórica imaginada está longe de ser fixa ou predeterminada. É constituída
no cadinho da materialidade da vida cotidiana; nas histórias cotidianas que contamos a
nós mesmos individual e coletivamente” (2005, p. 183, tradução do autor).
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Assim, quando possuem documentos, esses brasileiros
[...] migrantes são em sua grande maioria pedreiros, carpin-
teiros, mestres de obras, armadores, pintores, faxineiras, babás, lavadeiras, cozinheiras e têm como destino final de
sua prática migratória a cidade de Caiena, onde já contam
com alguma rede de solidariedade [...] (Martins, Superti,
Pinto, 2015, p. 378).
Quanto aos que não possuem documentos, ou “sem papéis”, de
acordo com Baldwin (2010), sujeitam-se aos serviços conside-
rados de “escravos” ou “apenados” – pois historicamente esses
dois grupos são os que desempenhavam os trabalhos braçais
na Guiana –, carregando o estigma de ladrões, exploradores,
aproveitadores e, para as mulheres, pessoas de “vida fácil”. Pela
perspectiva dos brasileiros, “[...] os guianenses são vistos como desconfiados, fechados a amizades, exploradores do trabalho
brasileiro” (Baldwin, 2010, p. 220). Dentre esses, estão os garim-
peiros cuja vida nos garimpos clandestinos se caracteriza pelo
imprevisto e improviso, pois:
[...] a vida de um garimpeiro é relativamente nômade, em
virtude das seguintes possibilidades: 1) haver o esgotamen-
to da jazida, o que motiva os garimpeiros a deslocarem-se
em busca de outras; 2) a ocorrência de uma milícia se apro-
priar e os garimpeiros que não se ajustam a essa situação
são expulsos, ou às vezes mortos; 3) ao intenso combate
dos agentes institucionais franceses na desarticulação e
destruição dos acampamentos e garimpos ilegais. (Martins,
Superti, Pinto, 2015, p. 378-379).
Para os garimpeiros, o principal objetivo é o enriquecimento sú-
bito, “sonho dourado” de tantos que se aventuram nas densas florestas guianesas. No entanto, enquanto isso não acontece, se
satisfazem com a possibilidade de ajudar a família e os parentes
através dos rendimentos oriundos da atividade de mineração.
Em relação aos brasileiros que buscam trabalho, por outro lado:
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Uma vez na Guiana Francesa, o imigrante buscará conseguir
uma carte de séjour, documento que confere licença para a
permanência no local; esse documento pode ter validade de
até 10 anos e, para consegui-lo, o imigrante deve obter um
contrato de trabalho, quando o seu “patrão” pode assumir a
responsabilidade pelo empregado ante as instituições guia-
neses francesas [...] (Rocha, 2020, p. 71).
Esse documento é ambicionado por muitos brasileiros, pois é
ele que possui o condão de legalizar a permanência desses imi-grantes, possibilitando, inclusive, acesso aos benefícios sociais
do governo, como 50% do aluguel (Arouck, 2000). Portanto, ain-da que o capital econômico figure como principal objetivo de ca-
pitalização desses sujeitos, o que simplesmente corrobora o ca-
ráter dominante do capital em uma sociedade capitalista, a carte
de séjour enquanto capital simbólico figura paralelamente como
alvo de expectativas de reconhecimento e integração social além
de consistir em ato de resistência aos mecanismos de controle
pelos quais são impactados cotidianamente.
Nesse sentido, não obstante a movimentação na fronteira Ama-pá-Guiana Francesa tenha se desenrolado livremente até o final
dos anos 1990 (Martins, Superti, Pinto, 2015), desde então algu-mas orientações referentes aos fluxos e mobilidades sofreram
profundos redimensionamentos quanto às práticas e técnicas de
controle social desenvolvidas pelas instituições policiais fran-cesas, as quais, em boa parte, se justificam em razão da prática
contumaz de dois ilícitos transfronteiriços, essencialmente: a
imigração e os garimpos clandestinos.
3. Estrangeiros clandestinos na Guiana Francesa:
instrumentalidades e controle social a partir dos fluxos
migratórios transfronteiriçosO fenômeno da imigração ilegal merece destaque por sua trans-
versalidade multilateral: ao mesmo tempo em que está incutida
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na presença e representação social da população de brasileiros
nesse território estrangeiro – sendo a clandestinidade caracte-
rística reitora da trajetória de vida da maioria dessas pessoas –,
também constitui elemento estratégico para a fabricação de me-
canismos institucionais que exploram instrumentalmente esse
cenário como uma espécie de “laboratório” onde novas tecnolo-
gias de controle são testadas e arrojadas.
Nesse sentido, notório marco jurídico dessas tecnologias é o
Code de l’entrée et du séjour des étrangers et du droit d’asile ou
“Código de entrada e permanência de estrangeiros e direito de
asilo” (tradução minha), designado pela sigla CESEDA12. Desde
março de 2005 o CESEDA rege as condições de entrada e per-
manência de estrangeiros na França, embora sua implementa-
ção com maior rigor na Guiana Francesa tenha sido instituída a
partir de 2007, determinando – dependendo da quantidade de
entradas ilegais – a recondução, prisão, julgamento ou depor-
tação de estrangeiros, além de outras sanções (Aquino, Vargas,
2016). No mesmo ano da entrada em vigor do CESEDA, foi ins-
talado na cidade de Saint-Georges um destacamento da Police
aux Frontières (PAF) – força policial responsável pelo controle
fronteiriço, dentre outras atribuições – demarcando a obrigato-
riedade para os migrantes brasileiros de apresentação de visto oficial no passaporte como condição de entrada no território,
encerrando desse modo a tolerância referente à circulação livre
de estrangeiros característica até então dessa zona de fronteira
(Silva, Granger, Le Tourneau, 2019).
O acirramento do controle em Saint-Georges é apenas um dos
sintomas da crescente militarização da Guiana, a qual se percebe
constante no trajeto rodoviário até a capital Caiena, sendo que
12 “[...] O CESEDA contém as principais disposições legislativas e regulamentares relativas
aos estrangeiros na França: entrada no território (condições de entrada e área de espera),
estada (autorizações de residência, condições de residência, assistência ao regresso volun-
tário), reagrupamento familiar, medidas de afastamento (detenção administrativa, escolta
até a fronteira, expulsão) e direito de asilo [...]” (Benoît, 2014, p. 79, tradução minha).
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“[...] as diligências, as rondas, operações na fronteira, as aborda-
gens realizadas contra imigrantes, a presença dos Legionários
no território guianense, fazem da Guiana Francesa uma verda-
deira área militar, e de rígido controle social” (Martins, Superti
,Pinto, 2015, p. 374). O aumento das forças de repressão tanto
da PAF quanto da Gendarmerie – força policial militar francesa
– faz com que a Guiana seja o local de maior relação polícia/po-
pulação da França (Aquino, Vargas, 2016).
Embora os movimentos de expulsão de imigrantes ilegais se-
jam históricos nas relações fronteiriças que envolvem a Guiana
Francesa – sendo as primeiras grandes operações policiais nesse
sentido datadas do início da década de 1980, quando no período
de 1983-1994 foram expulsas uma média de 10 mil pessoas e,
no ano de 1995, 15 mil pessoas (Baldwin, 2010) –, ao longo da
primeira década do século XXI a esses movimentos somaram--se a marcante intensificação do controle dos fluxos migratórios,
muitas vezes desencadeada de forma violenta segundo alguns
relatos de brasileiros apreendidos, os quais alegam “serem ca-
çados que nem bichos” (BALDWIN, 2010, p. 218), ou que “[...] os
próprios policiais franceses queimam suas documentações na
hora em que são detidos [...]” (Pinto, 2012, p. 110).
Nesse contexto, de acordo com dados recentes acessados atra-
vés de contato com a Divisão de Controle de Migração da Polícia
Federal (PF) em Oiapoque, são observados números relevantes
de brasileiros expulsos da Guiana Francesa, sendo que em 2019
foram 261 deportações, em 2020 foram 197 deportações e em
2021, até o dia 13 de maio, já haviam sido deportados 176 brasi-
leiros, o que demarca um número expressivo em comparação ao
quantitativo do ano anterior.
Desse modo, com o objetivo de controlar a pressão migratória na
Guiana Francesa, sob pretexto da alta taxa de desemprego aliada
ao baixo índice de população nativa, barreiras foram implanta-
das pelo governo francês através de diversos postos policiais no
326
ILEGALISMOS E SOCIABILIDADES TRANSNACIONAIS
TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
interior do território, um movimento institucional excepcional
não aplicado em nenhuma outra localidade ultramarina ou na França Hexagonal; em relação aos brasileiros especificamente, devido à intensidade dos fluxos migratórios ilegais, algumas medidas já foram adotadas, não obstante a dificuldade de se-
rem mantidas ativas, como a criação de uma carta de circulação
transfronteiriça, um posto consular em Saint-Georges, a Casa do
Migrante e o Conselho do Rio (Silva ,Granger, 2016).
Sendo assim, considerando a expressão “fortaleza Europa” para
designar a criação de políticas migratórias europeias cada vez
mais restritivas à entrada e permanência de estrangeiros, os
territórios ultramarinos franceses são palco privilegiado desses
dispositivos que vulnerabilizam nessas localidades a situação
dos estrangeiros mais do que se estivessem na França Hexago-
nal (Benoît, 2014).
Nessa perspectiva, de acordo com Catherine Benoît (2014),
“adaptações” nos termos do artigo nº 73 da Constituição fran-
cesa permitem que territórios e departamentos ultramarinos
franceses legislem com relativa autonomia seus próprios regra-
mentos sobre estrangeiros, sendo que historicamente o trata-
mento de estrangeiros nessas localidades é caracterizado por
condições de entrada, residência e mobilidade mais restritivas, além de extensas verificações de natureza documental. No caso
da Guiana Francesa, explica a autora que em 2006, quando fo-
ram debatidas alterações no CESEDA, os funcionários departa-
mentais e regionais eleitos em Congresso decidiram que o tema da imigração clandestina ficaria sob responsabilidade do Estado
francês (Benoît, 2014).
Embora de acordo com o artigo nº 78-2 do Código de Processo Penal francês esteja previsto que qualquer verificação de iden-
tidade deve ser preliminarmente requerida por um Promotor,
o mesmo artigo dispõe que a polícia pode exercer livremente
esse controle na Guiana, nas chamadas “áreas de fronteira”, que
Otávio Couto
327
TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
nesse caso abrangem aproximadamente 90% da população (Be-noît, 2014). Assim, procedimentos de controle de fluxos através
de bloqueios nas estradas e check-points, que em tese deveriam
ocorrer de forma excepcional, fazem parte da rotina de quem se
locomove na Guiana Francesa, tendo como principal alvo a imi-
gração clandestina e a mineração ilegal de ouro.Nesse sentido, refletindo sobre a utilização e significados des-
ses mecanismos de regulação, Denise Jardim (2017, p. 54) aler-
ta que:
Ao referir a tecnologias de controle e da governamen-talidade, me reporto às formas de identificação que
primeiramente se situam em um controle de circula-
ção de pessoas, ao encenar um controle territorial de
fronteiras, mas também em sua capacidade de rein-ventar suas formas de controle através da identifica-
ção individual. A escritura é um mecanismo funda-mental nas técnicas de identificação individual, mas o
formato, suas atualizações e as formas de dar legibili-
dade aos sujeitos, bem como seu efetivo emprego nas múltiplas operações, dependem de um diversificado
aparato de Estado, nos mostrando aspectos que deve-
mos estar atentos.
Justamente assumindo uma perspectiva de “estar atentos”, que
a autora se refere, é que a percepção das formas de se dar le-
gibilidade aos sujeitos em um determinado território adquire
relevância essencial para a compreensão de processos de vul-
nerabilização social e seletividade criminal, não raro ocultos sob
tradicionais discursos de defesa nacional. Enriquecendo essa
perspectiva, Veena Das e Deborah Poole aludem que:
Sin embargo, lo que nos interesa aquí no es tanto cómo el
estado torna a la población legible para sí, sino más bien
cómo estos documentos se encarnan en formas de vida a
través de las cuales ciertas ideas de sujetos y ciudadanos
328
ILEGALISMOS E SOCIABILIDADES TRANSNACIONAIS
TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
empiezan a circular entre aquellos que utilizan estos docu-
mentos. (Das, Poole, 2008, p. 31).
Essas práticas classificatórias de regulação das coletividades,
tradicionalmente conexas com as ferramentas teóricas e empí-
ricas que demarcam a relação de saber/poder do Estado (Das,
Poole, 2008), revelam-se na Guiana Francesa através de um ar-
senal legislativo que operacionaliza aquilo que Catherine Be-
noît (2014, p. 85) chama de “fabricação de estrangeiros indocu-
mentados”. Ainda que em um passado recente a inauguração da
Ponte Binacional13 conectando o Amapá com a Guiana Francesa
tenha colocado termo em um processo de aproximação inicia-
do ainda no século XX, as restrições legais impostas pela Guiana
Francesa para a entrada de estrangeiros em seu território con-figura o paradoxo de uma “ponte que divide” (Silva, Granger, Le
Tourneau, 2019, p. 10).
A cristalização desses procedimentos de controle, materializa-
da inclusive no rechaçamento das redes de solidariedades entre
imigrantes, como se observa nos dispositivos do Código do Tra-
balho francês e no CESEDA referentes à criminalização com pena
de reclusão de até cinco anos para aqueles que empregam14 ou
auxiliam a entrada e permanência de um clandestino no territó-
rio15, impacta profundamente nas representações e sociabilida-
des desses imigrantes, sobretudo brasileiros, como se observa
na constatação de Elisabeth Baldwin:
13 O projeto da Ponte Binacional ocorreu no âmbito do programa de investimentos sul-
-americanos em infraestrutura, por iniciativa da IIRSA (Integração da Infraestrutura Re-
gional Sul-Americana). Sua conclusão levou 14 anos (1997-2011), sendo que, mesmo
após a conclusão das obras, a ponte somente foi inaugurada em 2017 (Silva, Granger, Le
Tourneau, 2019).
14 Artigo L8251-1 e L8256-2 do Código do Trabalho francês (Silva, 2013).
15 Artigo L622-1 do Código de entrada e permanência de estrangeiros e direito de asilo
(CESEDA).
Otávio Couto
329
TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
[...] Os jornais locais de um lado e do outro da fronteira, ocupam-se de contar essa história através dos conflitos en-
tre policiais e imigrantes. Por outro lado, há um imaginário
depreciativo e preconceituoso dessa população brasileira
em diáspora. No imaginário dos próprios brasileiros ocor-
rem representações identitárias bastante ambíguas. Alguns
deles, talvez para fugir ao preconceito, estão já assimilados
pela visão francesa, considerando-se franceses e rejeitam
viver com seus próprios compatriotas. Outros não, enfati-
zam a sua nacionalidade brasileira e são solidários. (Bal-
dwin, 2010, p. 217).
Portanto, diante do exposto percebe-se que os ilegalismos em
Guiana Francesa são explorados instrumentalmente dentro de
perspectivas que atendem a um projeto de controle social de determinadas populações, os quais se justificam a partir dos
impactos que a imigração clandestina em decorrência da bus-ca pelo “€udorado” imprime nas relações socioeconômicas da
região. Entretanto, conforme asseveram Benoît (2014) e Jardim
(2017), tais movimentações institucionais sinalizam uma lógica
governamental que ainda carece de investigações mais detalha-
das.
Não obstante, apesar de não ser o objetivo desta preliminar pes-
quisa o aprofundamento nessa perspectiva, a revelação desse ambiente de controle que se configura na Guiana é potente para
pontuar a dicotomia que existe entre a representação e a ins-
trumentalidade que os ilegalismos exercem na fronteira franco-
-brasileira, contrastes que serão mais bem compreendidos no
próximo tópico, no qual serão apresentados os processos de
mitigação desses ilegalismos no município de Oiapoque, conjun-
tura determinante para a cristalização dos mercados ilícitos que
subsistem nessa faixa de fronteira.
330
ILEGALISMOS E SOCIABILIDADES TRANSNACIONAIS
TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
4. A mitigação do crime e sua conjuntura na configuração
socioeconômica do município de Oiapoque
Localizado na extensão territorial de fronteira correspondente
ao chamado Arco Norte16 do Brasil, o município de Oiapoque
no estado do Amapá é caracterizado muito mais pelas relações transfronteiriças com o Platô das Guianas do que com a área de influência da capital Macapá, em relação à qual guarda distância de aproximadamente 600 quilômetros (Almeida, Rauber, 2017).
Apesar de oito dos 16 municípios do Amapá estarem na faixa
de fronteira (Amapá, Calçoene, Ferreira Gomes, Laranjal do Jari,
Oiapoque, Pedra Branca do Amapari, Pracuúba e Serra do Na-vio), a situação de fronteira no estado só tem reflexo particu-
larmente em Oiapoque, não impactando os demais municípios
(Neves et al., 2016). Um dos fatores que está relacionado com
esse cenário é o fato de que “[...] a economia da cidade se estru-
tura em função das interações que mantêm com o território vi-
zinho; em particular com a atividade de garimpeiros brasileiros
que agem ilegalmente na extração de ouro na Guiana Francesa”
(Martins, Superti, Pinto, 2015, p. 382).
Embora atualmente não existam garimpos em Oiapoque17, de acordo com Carina Almeida e Alexandre Rauber (2017), o fenô-
meno problemático dos garimpos ilegais envolvendo migrantes, o trânsito comercial diverso e a prostituição configuram uma
16 Através de parceria entre Governo e Universidade, foram realizados os primeiros trabalhos científicos sobre faixa de fronteira no Brasil através do Grupo de Pesquisa Re-tis do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os
quais dividiram os municípios brasileiros fronteiriços em três grandes Arcos, sendo eles
os Arcos Sul, Central e Norte (Almeida, 2015, p. 16-17).
17 Apesar de não existirem mais garimpos na região de Oiapoque, próximo dali, dentro
do município de Calçoene, está localizado o Garimpo do Lourenço – o mais antigo em
atividade no Brasil e que em 2018 enfrentou uma operação da Polícia Federal contra o
contrabando de ouro. Nessa ocasião, foram presos políticos amapaenses suspeitos de envolvimento com o tráfico internacional de ouro, o que tornou visível o problema social
decorrente dessas atividades (Silva Neto, Sá, 2019).
Otávio Couto
331
TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
“economia do garimpo”18 amplamente sedimentada na região.
Assim, desde que Oiapoque torna-se município em 1945:
As demandas logísticas e a renda da garimpagem do ouro pas-
saram a centralizar, no núcleo urbano de Oiapoque, todo um conjunto de outras atividades existentes enquanto ramificações
do próprio garimpo, tais como os pousos para trabalhadores po-
tenciais, o comércio de mercadorias de consumo individual, de
instrumentos de trabalho e de insumos investidos na atividade
produtiva, o transporte de pessoas e mercadorias até as zonas
de garimpo, a facilitação da prostituição, a venda e a transforma-
ção do ouro. Dessa forma, a rede de atividades chamada aqui de
“economia do garimpo” colocou-se como vetor de adensamento
urbano a partir principalmente do núcleo de Oiapoque. (Almei-
da, Rauber, 2017, p. 483).
Desse modo, naturalmente as sociabilidades nessa localidade
são determinadas pelas inter-relações costuradas dentre os
cotidianos ilegalismos comungados pelos habitantes e passan-
tes19, configurando uma criminalidade transnacional que pro-
duz distintos impactos fronteiriços: do lado brasileiro alimenta uma rede de relações responsável pela estrutura econômica de
Oiapoque à revelia do Estado, enquanto do lado francês provo-
ca movimentos institucionais de controle social focalizados na identificação e exclusão desses indesejáveis “aventureiros”.
“Aventureiros” é uma das expressões utilizadas pelos moradores
oiapoquenses para designar os garimpeiros que se embrenham
fronteira adentro em busca de sonhos e dias melhores (Vargas,
18 Para saber mais sobre a influência da economia do garimpo na estruturação urbana
do município de Oiapoque, ver a Tese “A produção do espaço urbano na cidade de Oia-
poque e a sua relação com a garimpagem de ouro na fronteira do Brasil com a Guiana
Francesa”, de David Souza Góes (2019).
19 Para José de Souza Martins (2008), os crimes praticados na fronteira possuem cará-ter transnacional e são configurados pelo poder econômico e sofisticação nas estratégias
de “passar” as fronteiras.
332
ILEGALISMOS E SOCIABILIDADES TRANSNACIONAIS
TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
Aquino, 2019). A representação desses indivíduos é igualmen-
te distinta dependendo do lado que estiverem da fronteira. En-
quanto no Brasil são valorizados pela bravura e resignação, do
outro lado são vistos como criminosos invasores, cotejando um
ambiente criminológico transfronteiriço de bastante contraste
entre a impunidade de um lado e a criminalização do outro.
No mesmo sentido, a caracterização desse cenário social e eco-nômico demarcado pela clandestinidade e assimilado pelos ato-
res dessa paisagem urbana e fronteiriça como “normal” também está relacionada com uma atuação flutuante por parte do Estado que, apesar do estoque simbólico disponível que justifique ações
voltadas para assegurar o combate aos ilegalismos nessa região
de fronteira e, portanto, de interesse para a segurança nacional,
salvo esporádicas ações performáticas,20 configura o paradoxo
de “estar ausente ainda que presente”.
Esse processo de naturalização de ilegalismos no município, de
acordo com o relato de um Promotor de Justiça do Ministério
Público do Amapá lotado em Oiapoque (Entrevistado A, 2021),
é muito perigoso, pois não obstante estejam relacionados com a composição econômica local, apontou o entrevistado que tra-
zem a reboque repercussões graves quanto ao funcionamento
social da cidade, pois assimilando comportamentos criminosos
como algo normal, o discernimento social é prejudicado no sen-
tido de diferenciação daquilo que é permitido ou proibido por lei, configurando uma tolerância que se estende também para
crimes violentos.
20 Como exemplo dessas ações performáticas desencadeadas pelo Estado nas regiões
de fronteira uma merece destaque. Denominada de Operação Ágata, foi criada em 2011
como parte do Plano Estratégico de Fronteira do Ministério da Defesa, possuindo como
intuito prevenir e reprimir ações criminosas na faixa de fronteira, atuando em diversas
frentes em ação integrada; é uma operação de saturação que por demandar um grande
aparato logístico requer um volume de recursos impossível de ser disponibilizado para
o ano todo (Paiva, 2016).
Otávio Couto
333
TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
Nessa perspectiva, de acordo com o Promotor, não existe uma
ausência do Estado no município, mas uma ideia de ausência
do Estado fruto da naturalização dos ilegalismos existentes,
pois se ausente fosse, certamente a qualidade de vida em Oia-
poque seria muito pior daquela que se tem hoje. Desse modo,
asseverou que o porte da cidade não condiz com a violência
de alguns ilícitos, muitos decorrentes justamente das ativida-
des ilícitas que caracterizam as interações locais. Nesse senti-
do, conforme apontou Paiva (2016, p. 76) em sua pesquisa, em Oiapoque os “acertos de contas” também habitam as crônicas
policiais da cidade, nas quais geralmente a “bala possui nome
e endereço certo”.
Assim, apesar de ser um município privilegiado com uma série
de instituições de segurança pública e judiciárias (Polícia Fede-
ral, Polícia Rodoviária Federal, Exército, Polícia Civil, Polícia Mi-
litar e Varas do Poder Judiciário Federal, Estadual e Ministério
Público, dentre outras), as modalidades de conquista do capital econômico, salvo no caso dos funcionários públicos – que jus-
tamente em razão da quantidade numerosa de variadas insti-
tuições sediadas no município representam um contingente itinerante significativo –, giram em torno das porosidades clan-
destinas que dinamizam sociabilidades transnacionais, as quais,
para além do dinheiro, correlacionam desejo social de status e
reconhecimento (Silva Neto, Sá, 2019).
De acordo com o relato de um agente da PF (Entrevistado B,
2021) residente no município há mais de uma década, tendo sido Oficial de Ligação da entidade policial com a Guiana Fran-
cesa pelo período de dois anos em Saint-Georges, no Centro de
Cooperação Policial (CCP)21, além de ter exercido – junto com
21 Estabelecido desde 2010 na cidade de Saint-Georges na Guiana Francesa, o CCP foi
fruto de um Acordo-Quadro celebrado entre Brasil e França em 1996 com o intuito de viabilizar a multiplicação de intercâmbios científicos, culturais, educativos e esportivos,
além do acordo de construção da Ponte Binacional – inaugurada provisoriamente em 2017 – que simbolicamente uniria o Mercosul à União Europeia. Integram oficialmente o
334
ILEGALISMOS E SOCIABILIDADES TRANSNACIONAIS
TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
o Delegado responsável – a chefia do Núcleo de Operações da
Delegacia da PF em Oiapoque, a economia do município está as-
sentada sobre quatro pilares que constituem quatro ilegalida-
des: madeira ilegal (que alimenta as movelarias e a construção
civil); a compra e venda ilegal de ouro; o câmbio ilegal de moeda
estrangeira; e a pesca ilegal no Parque Nacional do Cabo Oran-
ge (PNCO)22. Indagado sobre o motivo da relativa tolerância das
forças de segurança acerca dessas ilegalidades, respondeu o que
é notório para todos que vivem na região: que caso haja um des-
mantelamento incisivo dessas práticas delituosas “o município
quebra” (Entrevistado B, 2021). Em relação aos principais cri-
mes transfronteiriços, o entrevistado mencionou o garimpo e a imigração ilegais, além do tráfico de drogas, armas, munição e
pessoas. Assim, a implementação de um projeto de segurança
regional é tarefa complexa, pois “[...] tangencia perigosamente
a questão do desenvolvimento, pela possibilidade de entrar em conflito com a economia e com o sistema de trocas local” (Hirata,
2015, p. 32).
Quando perguntei sobre a coexistência entre diversas institui-
ções de segurança presentes na cidade com os referidos ilega-lismos, além da relação de dependência social e econômica dos
munícipes com aquelas práticas, salientou que por tais moda-
lidades criminosas serem de prejuízo difuso, de modo geral, a
sociedade não se percebe prejudicada. Pelo contrário, pois de
acordo com o entrevistado, é comum as pessoas remeterem
aos ilegalismos a representação de atividades geradoras de em-pregos e benéficas para a comunidade local, não exigindo das
autoridades policiais o enfrentamento dessas práticas, mas
condenando ações que porventura resultem em prisões e apre-
ensões relacionadas com os ilícitos. No entanto, de acordo com
CCP desde sua criação a PF, a PAF e a Gendarmerie.
22 O PNCO é uma unidade de conservação criada pelo Governo Federal em 1980 no
intuito de preservar a diversidade de ecossistemas que estão localizados na foz do rio
Oiapoque e na costa norte do Brasil, no estado do Amapá.
Otávio Couto
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TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
o agente, essa visão da sociedade local, que inclusive não raro
também é compartilhada por policiais que atuam na fronteira,
não contempla o fato de que esses ilegalismos são a ponta de um
iceberg de crimes com potencial ofensivo muito maior, os quais
ultrapassam os limites territoriais da região, alcançando gran-
des centros urbanos e alimentando organizações criminosas de
grande calibre.
A percepção dessas nebulosas ressonâncias oriundas de ile-
galismos que se operam em regiões periféricas do território
nacional, como a fronteira franco-brasileira, e se conectam aos
seus principais centros urbanos, transversaliza práticas coti-
dianas que entrelaçam perspectivas de informalidade, licitude
e ilicitude determinantes para a constatação da transitividade
dos ilegalismos que emerge dessas relações não facilmente va-
loradas moralmente ou pela interpretação jurídico-legal, jus-
tamente por estarem sobrepostas em uma grade analítica que
envolve experiências de vidas que transitam entre o certo, o
errado e o duvidoso a depender da natureza do enfoque em-
preendido.
Esse cenário, percebido e problematizado por pesquisadores
em relação aos inúmeros mercados ilícitos que se conjecturam
na sociedade, revela a complexidade em riscar limites sobre os
comportamentos humanos que subsistem nessa transitividade,
tarefa de compreensão necessária para o melhor enfrentamen-
to de suas questões e impactos. Nessa perspectiva, Telles e Hi-rata (2010, p. 41) aludem que “[...] Leis, codificações e regras
formais têm efeitos de poder, circunscrevem campos de força e
é em relação a elas que essa transitividade de pessoas, bens e
mercadorias precisa ser situada”. Em outras palavras, se deve
compreender tais relações a partir de um enfoque que privilegie
suas vicissitudes localizadas nas “dobras do legal-ilegal” – apro-
veitando os termos de Telles (2010) – e que são fundamentais
para o entendimento dos fatores que compõem essa realidade.
Em suma:
336
ILEGALISMOS E SOCIABILIDADES TRANSNACIONAIS
TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
Não se trata de tomar essa binaridade como chave explicativa,
mas de prospectar seus efeitos, o modo como os jogos de poder se configuram nesses espaços, a distribuição diferenciada dos
controles e, em torno deles, os agenciamentos práticos que se
curvam ou que escapam aos dispositivos de poder implicados nessas categorias e codificações (Telles, Hirata, 2010, p. 41). Em 2017 foi deflagrada a Operação Crisol pela PF23 que envol-
veu a execução de mandados judiciais nos estados do Amapá,
Mato Grosso, Pará e São Paulo, investigando uma organização
criminosa que articulava um esquema de retirada de ouro de
garimpos ilegais que chegou a movimentar cerca de 180 quilos
de ouro por semana, o equivalente a 27 milhões de reais. Em re-
lação às suspeitas do envolvimento de organizações criminosas
poderosas nessa “rota do ouro” ilegal proveniente dos garimpos
clandestinos, entrevistados disseram já terem se deparado com
relatos da participação de facções criminosas de amplitude na-
cional nas articulações que envolvem o ouro e o câmbio ilegal
com esquemas de lavagem de dinheiro e captação de recursos
através de investimentos nesses mercados ilícitos.
Embora até o momento não tenha surgido provas que sejam
capazes de comprovar tais conexões, é fato que os “donos dos
garimpos” não são os garimpeiros que suportam as piores
condições possíveis de sobrevivência dentro das matas. Desse modo, além do possível envolvimento de entidades financeiras
de grande porte, como uma das maiores empresas do Brasil no
ramo de distribuição de valores imobiliários (DTVM), que tam-
bém foi alvo das investigações da Operação Crisol, políticos e empresários oiapoquenses igualmente figuram como parte es-
sencial para o funcionamento do mercado ilícito de ouro e euro.
No entanto, conforme o depoimento de um dos entrevistados,
“[...] o grande empresário do ouro e do euro, tu não vê ele não.
23 Notícia disponível em: http://www.pf.gov.br/agencia/noticias/2017/02/operacao-cri-
sol-desarticula-esquema-ilegal-de-distribuicao-de-ouro-no-ap. Acesso em: 22 mai. 2021.
Otávio Couto
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Tu vê ele na igreja, o ‘distinto cidadão’. Tu vê ele na política [...]
Não vê ele mostrando. Essa que é a realidade” (Entrevistado E,
2021).
Nesse sentido, segundo o relato de um político local (Entrevis-
tado C, 2021) que já foi vereador e inclusive concorreu ao pleito
para prefeito da cidade de Oiapoque, a relação entre a sociedade
local – sobretudo os grupos sociais que ocupam posição de des-taque econômico – com os garimpos legais e ilegais é histórica
e notória. Dessa forma, tal qual o atual prefeito do município e
seu pai, que também já exerceu a mesma função, diversos po-
líticos e ex-prefeitos estão direta ou indiretamente conectados
com a exploração de ouro na região fronteiriça. De acordo com
o entrevistado, alguns parlamentares inclusive já “levantaram a
bandeira para a causa do garimpo” (Entrevistado C, 2021), cons-
tituindo atividade enraizada nas dinâmicas comerciais locais,
sendo comum comerciantes possuírem pequenas balanças em
seus estabelecimentos para que a troca de mercadorias por ouro
seja possibilitada.
Além disso, de acordo com outro entrevistado (Entrevistado D,
2021), uma grande parte dos empresários da cidade fez e man-
tém suas fortunas “alimentando” os garimpos ilegais em Guia-
na Francesa. Disse que embora se trate de uma economia ilegal,
muitas pessoas dependem dessa cadeia, pois envolve a compra
de remédios, gêneros alimentícios, equipamentos e maquiná-
rio para as atividades de mineração, além de serviços que são
essenciais para essas atividades, como o transporte de pesso-
as e mercadorias realizado pelos conhecidos “pirateiros”24 e
24 São trabalhadores que realizam o chamado “transporte alternativo” em suas picapes
com tração nas quatro rodas, fazendo geralmente o traslado entre Oiapoque e Macapá
e vice-versa. Nos períodos de chuvas no estado, que abrangem vários meses do ano, o trecho não asfaltado de aproximadamente 112 quilômetros da BR-156 fica praticamente
intransitável em razão dos inúmeros atoleiros que se formam na estrada, trechos que
somente através dos experientes e equipados “pirateiros” é possível atravessar. Nesses
períodos o valor médio de uma “passagem” por pessoa é de 300 reais.
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ILEGALISMOS E SOCIABILIDADES TRANSNACIONAIS
TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
caminhoneiros que abastecem a cidade com os mais variados
produtos.
No entanto, apesar do envolvimento da elite local com ati-
vidades de financiamento e organização dos garimpos clan-
destinos em Guiana Francesa e região, de modo geral, os
entrevistados asseveram que em sua grande maioria os ga-
rimpeiros são trabalhadores que atuam para seu sustento e
de suas famílias.
Paralelo ao mercado ilícito de ouro está o de euro, cujo câmbio
e circulação é o mais importante para o equilíbrio e saúde da
economia do município, segundo o relato de um comerciante
local (Entrevistado E, 2021). Esse indivíduo, que chegou na ci-
dade sete anos atrás vendendo mercadorias na calçada, hoje é
proprietário de duas lojas, além de nesse período ter constru-
ído duas casas e adquirido imóveis em seu estado de origem,
o Pará. De acordo com ele, que já trabalhou com o câmbio in-
formal de euro em Oiapoque, esta é a moeda que “comanda” as
transações locais. Isso se deve pelo fato de que muitos brasi-
leiros que atravessam a fronteira de forma ilegal retornam ao
Brasil para comprar insumos que são mais baratos e acessíveis do que na Guiana Francesa. A esses fluxos também se somam
os guianenses e brasileiros documentados que pelos mesmos
motivos preferem muitas vezes comprar produtos e alimentos
em Oiapoque, além de outros estrangeiros como surinameses,
por exemplo.
De acordo o depoimento do comerciante, esse “câmbio negro” –
conforme verbalizou – ocorre de forma escancarada pelos mais
de 100 cambistas que todos os dias o realizam na frente do Joa-
quim Caetano da Silva (escola estadual), principalmente de noi-
te, quando muitos trocam dinheiro para gastarem nos diversos
bares e casas de prostituição da cidade. Em relação à falta de fiscalização dessas práticas pelas autoridades policiais, é inte-
ressante destacar a seguinte fala:
Otávio Couto
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TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
Eu fui parado pela PM por dirigir embriagado, tava voltan-
do de uma festa, e conduzido pra fazer o auto de prisão em flagrante. Com meus pertences eu tinha 800 euros e uns
2000 reais em dinheiro. Esse dinheiro me foi devolvido! Pa-guei a fiança em real e o dinheiro me foi devolvido. Não me
perguntaram nem fonte nem nada. Se a própria instituição
policial deu como normal, devolveu o dinheiro pra sair de
lá, pro senhor ver como as instituições tratam isso. Tratam
como coisa normal. (Entrevistado E, 2021).
Nesse mesmo sentido, relatou que é comum os próprios poli-
ciais e agentes de segurança pública se aproveitarem do câm-
bio ilegal típico da cidade. Além dos mercados ilícitos de ouro e
euro, as ilegalidades também são sintomáticas na precarização
das atividades de trabalho no município. Funcionários sem car-teira assinada e sem acesso a quaisquer benefícios, além do pa-
gamento exclusivo através de “diárias” de 50 reais no comércio
são a regra em boa parte dos casos.
Nessa perspectiva, na oportunidade em que estive enquanto
Coordenador do Núcleo de Práticas Jurídicas (NPJ) do Curso
de Direito do Campus Binacional de Oiapoque, pude participar
diretamente da equipe que viabilizou a efetivação da Justiça do
Trabalho Itinerante25 no município durante o segundo semestre
de 2018, tendo-se em vista a ausência de Vara do Trabalho na
região. Nessa ocasião, ao longo do procedimento de tomada das
reclamações trabalhistas no NPJ relatadas pelos diversos traba-lhadores que nos procuraram, fiquei impressionado de como a
informalidade e o abuso dos funcionários por parte dos comer-
ciantes locais são naturalizados pela maioria dos empregadores.
De todos os relatos, me recordo especialmente de um em que o
empregado me disse que havia sido persuadido por uma auto-
ridade policial do município a não procurar seus direitos traba-
lhistas, o que corrobora a interface íntima entre os ilegalismos locais com as estruturas sociais e econômicas de Oiapoque.
25 Notícia disponível em: https://www.trt8.jus.br/noticias/2018/justica-do-trabalho-
-no-extremo-norte-do-brasil. Acesso em: 22 mai. 2021.
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De acordo com o relato de um Policial Penal que foi Diretor do
Centro de Custódia de Oiapoque (CCO)26 de 2017 até 2020, o fato do ouro ser proveniente da Guiana Francesa dificulta muito a ação das autoridades policiais de fiscalização e combate dessas
atividades (Entrevistado D, 2021). A fronteira é muito extensa e o fluxo de pessoas atravessando ilegalmente é muito intenso,
o que reduz drasticamente a possibilidade de alguém ser abor-
dado por alguma operação de controle desses indivíduos. Além
disso, relatou que quando ocorre alguma apreensão, não raro os policiais ficam abalados emocionalmente em razão de que na
maioria dos casos são garimpeiros extremamente humildes ves-
tindo trapos e com pequenas quantidades de ouro, sendo esse o “salário” de meses de trabalho árduo dentro das florestas.
Essa percepção foi compartilhada por vários dos entrevistados
que, assim como apontam estudos similares realizados em ou-
tras pesquisas (Vargas, Aquino, 2019; Martins, Superti, Pinto,
2015), enxergam os garimpeiros da “base da pirâmide” como
simples trabalhadores, explorados pelos empresários locais
que estariam no “meio da pirâmide”. No topo da relação pira-
midal estariam os atores misteriosos que nunca ou raramente aparecem, geralmente identificados como grandes organizações financeiras e criminosas, dentre as quais foram mencionadas
facções de abrangência nacional.
Diante do exposto, observa-se que a mitigação do crime em
Oiapoque e na fronteira franco-brasileira está relacionada com
as dinâmicas ilícitas que envolvem câmbio de moeda estran-
geira, migração e garimpos, essencialmente. Por outro lado, na
Guiana Francesa a usurpação ilegal dos recursos minerais acar-
26 De acordo com o entrevistado, o CCO, além de receber pessoas que cometeram infra-
ções na Comarca de Oiapoque, também recebe infratores foragidos de outros municípios
e estados. Caso o indivíduo tenha cometido a infração em Oiapoque, ele pode permane-
cer no CCO até a tramitação em primeira instância de seu processo, enquanto os demais
na primeira oportunidade são transferidos para a capital, Macapá. A capacidade máxima
do CCO é para até 50 internos, mantendo geralmente a ocupação em torno de 40 presos.
Otávio Couto
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reta uma ramificação de condutas criminosas que comprime a
articulação constante de estratégias para o enfrentamento des-
sa rede cuja base operacional é a cidade fronteiriça brasileira.
Não obstante os esforços multilaterais de cooperação policial
e penal no combate aos crimes na fronteira27, evidentemente
a gestão desses ilegalismos se estrutura de forma bastante di-
versa nos dois territórios.
Tomando a expressão “gestão de ilegalismos” cunhada por Mi-
chel Foucault (1999) dentro da perspectiva da penalidade para
designar uma maneira de “[...] riscar limites de tolerância, de dar
terreno a alguns, de fazer pressão sobre outros, de excluir uma
parte, de tornar útil outra, de neutralizar estes, de tirar proveito
daqueles” (Foucault, 1999, p. 226), percebe-se uma grade teóri-
ca potente para revelar essa gestão diferencial de ilegalidades.
Pois além de caracterizar a “economia do garimpo” em Oiapoque
demarcada pela interface de comportamentos lícitos e ilícitos,
também possibilita compreender a pedagogia punitiva (Lara,
2017) dessa região fronteiriça onde os ilegalismos praticados
repercutirão diferencialmente a depender da cidadania de seus
autores, alternando maleabilidade e rigidez nesse pêndulo de mobilidades cujas representações ressignificam identidades e
determinam intensidades de mecanismos de controle desses
ora “aventureiros”, ora “invasores” brasileiros. Nesse sentido, oportuna a reflexão de Vera Silva Telles (2010) sobre os impactos dessas redefinições nos ordenamentos so-
ciais e jogos de poder quando diz que:
[...] Não se trata de universos paralelos, muito menos de
oposição entre o formal e informal, legal e ilegal. Na verda-
de, é nas suas dobras que se circunscrevem jogos de poder,
27 Notícia disponível em: https://www.portal.ap.gov.br/noticia/2611/amapa-e-guia-
na-francesa-buscam-aprimorar-combate-aos-crimes-na-fronteira. Acesso em: 17 abr.
2021.
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relações de força e campos de disputa. São campos de for-ça que se deslocam, se redefinem e se refazem conforme a
vigência de formas variadas de controle e também, ou so-
bretudo, os critérios, procedimentos e dispositivos de incri-
minação dessas práticas e atividades, oscilando entre a to-
lerância, a transgressão consentida e a repressão conforme
contextos, microconjunturas políticas e relações de poder que se configuram em cada qual. (Telles, 2010, p. 102).
Acompanhando a reflexão da autora, no caso franco-amapaen-
se a dicotomia entre as posturas de repressão aos ilegalismos transnacionais assumidas politicamente refletem índoles de dis-
tintos interesses para a região. Enquanto na margem brasileira
os desdobramentos decorrentes dessas ilegalidades são essen-
ciais em razão da incapacidade do Estado em garantir alterna-tivas de subsistência socioeconômicas e desenvolvimento local,
sintoma premente de sua histórica ausência nas faixas de fron-
teira – sobretudo do Arco Norte28 –, ao lado francês tais ilegalis-
mos assumem contornos de delinquência29 no sentido foucaul-
tiano do termo, como esclarece o autor quando pondera sobre as finalidades da prisão:
[...] Ela contribui para estabelecer uma ilegalidade, visível,
marcada, irredutível a um certo nível e secretamente útil –
rebelde e dócil ao mesmo tempo; ela desenha, isola e subli-
nha uma forma de ilegalidade que parece resumir simboli-
camente todas as outras, mas que permite deixar na sombra
as que se quer ou se deve tolerar. Essa forma é a delinquên-
cia propriamente dita. Não devemos ver nesta a forma mais
intensa e mais nociva da ilegalidade, aquela que o aparelho
penal deve mesmo tentar reduzir pela prisão por causa do
28 “Este foi o caso do Projeto no Amapá e do Projeto Calha Norte, para ficar em apenas
alguns exemplos do século XX [...], ao largo do desenvolvimentismo do passado e do pre-
sente encontramos populações inteiras que procuram sobreviver em meio a uma eco-
nomia incipiente e pouco articulada com o resto do país [...]” (Neves et al., 2016, p. 39).
29 Nesse sentido, interessante o testemunho de um entrevistado na pesquisa de Aquino
e Vargas (2016, p. 99) quando diz: “Brasileiro vai para a Guiana praticar crimes, porque
tudo lá é crime, garimpo é crime, trabalho ilegal é crime”.
Otávio Couto
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perigo que representa; ela é antes um efeito da penalida-
de (e da penalidade de detenção) que permite diferenciar,
arrumar e controlar as ilegalidades [...] (Foucault, 1999, p.
230).
Desse modo, ainda que isoladamente a atividade de mineração
ilegal não resulte na maioria das vezes na prisão de brasileiros,
pois de acordo com a fala de Claude Suzanon, presidente do Par-que Amazônico da Guiana, “é complicado erradicar os garimpei-
ros clandestinos porque eles mal vão à prisão”30, outras ilegali-dades que se ramificam a partir dessas práticas caracterizam,
em conjunto, parte relevante da criminalidade transfronteiriça
que, de acordo com o que foi exposto no Seminário Franco--Brasileiro de Cooperação Policial e Penal ocorrido no final de
201931, compreende os crimes ambientais – sendo que a ativi-
dade dos garimpos ocasiona consequentemente a destruição da floresta –, imigração ilegal, tráfico de pessoas, tráfico de drogas e
crime organizado. O quantitativo de brasileiros que estão presos
no Centro Penitenciário de Rémire-Montjoly – única instituição
prisional da Guiana Francesa – reforça o espectro de delinquência
que contamina a população de brasileiros naquele território. De
acordo com dados acessados através de contato com o Ministério
da Justiça francês, em primeiro de março de 2021 a penitenciária
contava com 634 presos, sendo que 96 eram brasileiros –o que demonstra uma representação significativa desse grupo na popu-
lação total aprisionada.Nesse sentido, a partir da configuração da criminalidade trans-
fronteiriça na fronteira franco-brasileira e suas inter-relações
30 Trecho extraído de reportagem intitulada “Na ‘Amazônia francesa’, parque ocupa
quase metade do território e garimpo é maior ameaça ambiental”. Disponível em: ht-
tps://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/08/30/na-amazonia-francesa-parque-ocu-
pa-quase-metade-do-territorio-e-garimpo-e-maior-ameaca-ambiental.ghtml. Acesso
em: 18 abr. 2021.
31 Notícia disponível em: https://www.portal.ap.gov.br/noticia/2611/amapa-e-guia-
na-francesa-buscam-aprimorar-combate-aos-crimes-na-fronteira. Acesso em: 17 abr.
2021.
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com as dinâmicas sociais e econômicas da região, percebe-se
que o tratamento dos ilegalismos em Oiapoque é peculiar. En-
quanto do lado brasileiro a mitigação dos ilegalismos é sinto-
mática, realidade que persiste historicamente e foi explorada ao
longo deste tópico, ao lado francês tais ilegalismos contextuali-
zam instrumentalidades que asseveram o controle de imigran-
tes, dentre os quais os brasileiros se destacam em decorrência
da intensidade de suas clandestinas mobilidades transfronteiri-
ças e representações que exercem enquanto protagonistas das
atividades de mineração ilegal, questão urgente que preocupa
em diversos sentidos as autoridades francesas.
Considerações finais
Portanto, diante do percurso argumentativo desenvolvido até
aqui, se observa que as dinâmicas que envolvem os ilegalismos na fronteira franco-brasileira e seus mercados ilícitos configu-
ram um cenário complexo e multidimensional. Atravessando li-
citudes e ilicitudes entre percepções que se borram a partir da mescla de sociabilidades e representações por vezes antagôni-
cas, dependendo de qual lado se está da fronteira, as mobilida-des de brasileiros em seus fluxos transfronteiriços condensam
ao mesmo tempo o papel de sustentáculo da organização social e econômica de Oiapoque e de ameaça e desafio premente para
os mecanismos de controle social gestados na Guiana Francesa.
A dicotomia entre os tratamentos empreendidos pelos respectivos
Estados nacionais em relação aos ilegalismos que caracterizam essa
fronteira é diretamente relacionada com os impactos que essas ati-vidades causam nas atmosferas socioeconômicas locais. A mitigação
do crime em Oiapoque favorece a estrutura comercial do município,
gerando empregos e possibilitando a sobrevivência de pessoas que
à revelia do Estado não teriam as mesmas condições. Por outro lado,
os mecanismos de controle de imigrantes desencadeados na Guiana
Francesa são considerados exagerados mesmo em comparação com
aqueles existentes na França Hexagonal. Nesse sentido, essa frontei-
Otávio Couto
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ra experimenta, embora exista uma Ponte Binacional, um paradoxo
de não conexão formal – dada a baixa porosidade da Guiana France-
sa em razão das barreiras documentais impostas –, embora infor-
malmente seja atravessada cotidianamente pelos inúmeros atores locais que animam os fluxos (i)legais dessa localidade, realidade que
se reforça desde o início deste século.
Entretanto, não obstante a representação desses ilegalismos em
Oiapoque ser amenizada por boa parte de sua população, confor-
me pode ser observado através dos depoimentos dos interlocuto-
res entrevistados nesta pesquisa, os desdobramentos dessas prá-ticas criminosas ainda são poucos conhecidos. Refletindo acerca
do “efeito bumerangue” mencionado por Daniel Hirata (2015, p.
30), que faz os ilícitos transfronteiriços entrarem em ressonância
com a representação da violência urbana. Foram tateados nesta
pesquisa indícios de que os ilícitos mitigados localmente em Oia-
poque podem estar conectados com atividades de grandes orga-
nizações criminosas, conforme também se vislumbrou a partir de investigações deflagradas pela PF. Este esforço teórico-reflexivo se propôs ao intuito de possibilitar uma compreensão panorâmi-
ca sobre as dinâmicas da fronteira franco-brasileira relacionadas
com os ilegalismos e mercados ilícitos que caracterizam esse es-paço geográfico, inter-relações que merecem estudos mais apro-
fundados capazes de revelar conexões que ultrapassam os contor-
nos desse cenário e se vinculam a atores outros de uma rede cuja
extensão e impactos ainda permanece obscura.
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