Entre Terreiros, Unidades de Internação
e Grupos de Internet: Etnografando

Mobilidades nas Fronteiras do (I)Lícito e
do (In)Formal em Alagoas

Nido Farias dos Santos*1

Ada Rízia Barbosa de Carvalho**2

Rangel Ferreira Fideles do Nascimento***3

Resumo:
Neste artigo, a partir de três relatos de mobilidades de pessoas e objetos por entre divisas nacionais, propomos um olhar para a configuração de distintas negociações nos cruzamentos entre mercados (i)lícitos e (in)formais, levando em consideração o cenário de reestruturação urbana, econômica e política que atravessa as periferias alagoanas, bem como a expansão de mercados informais e ilegais pelo país. Para isso, traremos ao foco cenas captadas no cotidiano de periferias urbanas e instituições de encarceramento, demonstrando como tais negociações podem ocor-rer em circuitos religiosos e de diversão em terreiros, nas trocas de pe-ças de som automotivo em redes sociais e no transporte de drogas por entre os estados do país. Nossos dados provêm de pesquisas desenvol-
vidas individualmente ou em conjunto desde 2013, tomando como foco Alagoas e suas interconexões com outros estados e regiões.
Palavras-chave: Periferias urbanas. Mercados ilícitos. Mobilidade ur-bana. Nordeste.
* Doutorando em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas. Mem-bro do Gruppaes - Grupo de Pesquisa Periferias, Afetos e Economia das Simbolizações. E-mail: nidofarias@yahoo.com.br** Mestra em sociologia pelo PPGS/ UFAL. Doutoranda em sociologia no PPGS/USP. Membra do GRUPPAES. E-mail: riziaada@gmail.com*** Mestrande em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos. Bacharel em Ci-ências Sociais pela Universidade Federal de Alagoas. Pesquisadora membro do Grupo de Pesquisa em Periferias, Afetos e Economia das Simbolizações (PPGS/UFAL). Pesquisa-dora convidada do Grupo de Pesquisa em Sexualidade, Entretenimento e Corpo (PPGS/ UFSCAR). E-mail: rg.fideles@gmail.com

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Between Terreiros, Detention Unities And Internet
Groups: Conducting Ethnography Of Mobilities at

The (I)Licit And (In)Formal Borders in Alagoas
Abstract:
In this article, from three accounts of mobilities of people and objects across national borders, we propose a look at the configuration of distinct negotiations in the intersections between (i)licit and (in)formal markets, considering the pro-
cesses of urban, economic and political restructuring that cross the peripheries
of Alagoas, as well as the expansion of informal and illegal markets throughout the country. For this, we will bring into focus scenes captured in the daily life of
urban peripheries and incarceration institutions, demonstrating how such ne-gotiations may occur in religious and entertainment circuits in terreiros, in the
exchange of car sound pieces in social media and in the transportation of drugs between the country’s states. Our data comes from research developed indivi-dually or jointly since 2013, focusing on Alagoas and its interconnections with other states and regions.
Keywords: Urban peripheries. Illicit markets. Urban mobility. Northeast.
Entre Terreiros, Unidades De Internación Y Grupos de
Internet: Etnografiando Movilidades En Las Fronteras

De Lo (I)Lícito Y De Lo (In)Formal em Alagoas

Resumen: En este artículo, a partir de tres relatos de movilidades de personas y obje-tos por límites nacionales, proponemos una mirada para la configuración de distintas negociaciones en los cruzamientos entre mercados (i)lícitos e (in)formales, considerando los procesos de reestructuración urbana, económica y política por los que atraviesan las periferias alagoanas, así como la expansi-ón de mercados informales e ilegales por el país. Para eso, hemos de traer al
foco escenas captadas en el cotidiano de periferias urbanas e instituciones de encarcelamiento, demostrando cómo esas negociaciones pueden ocurrir en los circuitos religiosos y de diversión en terreiros, en el intercambio de piezas de sonido automotivo en redes sociales y en el transporte de drogas entre los estados del país. Nuestros datos provienen de investigaciones desarrolladas

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individualmente o en conjunto desde 2013, tomando como foco Alagoas y sus interconexiones con otras provincias y regiones.
Palabras clave: Periferias urbanas. Mercados ilícitos. Movilidad urbana. Nor-deste.
IntroduçãoNeste artigo, propomos reflexões sobre as mobilidades de pes-
soas e objetos por entre fronteiras e divisas, numa perspecti-va caleidoscópica que enreda três experiências de pesquisa de campo preocupadas em lançar luz sobre as porosidades entre mercados (i)lícitos e (in)formais1, partindo do estado de Alago-as, mas sem deixar de perceber suas múltiplas conexões com outros contextos nacionais. Aprofundaremos tais reflexões por meio do diálogo entre três relatos etnográficos de distintos ato-
res, pressionando e sendo pressionados por múltiplas neces-sidades e regimes de justiça, em suas lutas por valor, sobrevi-vência, existência e valor humano (Carvalho, 2020; Elias, 1980, 1995, 2000; Feltran, 2008; Misse, 2006).Temporalmente, o primeiro relato se localiza em princípios dos anos 2000, no terreiro de Lorival2, pai de santo em uma periferia

1 Conforme nos esclarece Misse (1997), embora a distinção entre o que seria uma atividade formal ou informal se relacione, a princípio, aos gradientes de subordinação à regulamentação estatal, tais atividades não são necessariamente separadas, uma vez que flexibilizações informais, inclusive ilegais, constituem muitos empreendimentos lidos como formais. São, como ainda esclarece Misse, múltiplas e complexas as redes que se desenvolvem por meio das estratégias aquisitivas que cruzam práticas legais e ilegais. É partindo de tal perspectiva que, neste artigo, estamos falando em mercados ilícitos e informais.2 Os nomes de pessoas e lugares aqui mencionados são fictícios.

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de Maceió. “Lourival adorava os márginals”3, relata Frozen, na época, sua filha de santo. “Não sabia se era terreiro ou cadeia de tanto bandido”, prossegue ela. Lorival era responsável por
angariar parceiras sexuais para os márginals que frequenta-vam as festas de seu terreiro. Eles, por sua vez, entravam tan-to com as bebidas quanto com a parte monetária. Entretanto, nem tudo eram flores. Os finais das festas semanais marcavam--se pela imprevisibilidade dos ataques de inimigos do crime e pela presença de policiais querendo que ele, Lorival, prestasse
conta dos ilícitos que por ali circulavam. Talvez, fazendo eco ao fato de que policiais de baixa patente representassem figu-ras de ordem e lei. Talvez, cobrando impostos sobre um negó-cio ilegal. Tais tensões desembocaram em sua migração para o estado de São Paulo, percurso feito por muitos nordestinos em busca de melhores oportunidades de emprego, desde meados do século XX, bem como por aqueles lidos como envolvidos com o cri-
me
e que buscam se afastar de alguma treta que lhes ameace a vida. Esse último foi o caso de Lorival. Numa das intrigas com os inimigos, o terreiro não só foi invadido, como Lorival e todos os presentes foram ameaçados de morte. A rede de Lorival, que lhe era como uma família, foi assim desfeita. Ele se viu só e na miséria. Já os márginals dividiram-se entre os mortos e os espa-lhados pelos interiores de cidades alagoanas. Frozen também migrou para o interior de Alagoas, onde viveu por anos, até se sentir segura para migrar novamente para Maceió. A trajetória de Lorival aponta para as articulações entre as experiências re-

3 Termo utilizado para referir-se a homens envolvidos em dinâmicas criminais e em redes pelas quais circulam pessoas dissidentes de gênero e sexualidade. Saliento que, nesse caso mais específico, o uso do termo demarca o cruzamento entre formas de erotismo e a percepção de que os envolvimentos podem desencadear em atos de vio-lência. É útil demarcar que diferente de outras etnografias, o temor se revela como um gradiente que informa a tessitura de práticas eróticas em periferias urbanas maceio-enses. Sobre violência e gênero em periferias, ver Efrem Filho (2016), Lopes (2018a) e Lopes (2019b).

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ligiosas e de diversão e os mercados criminais, conformando redes de mútua proteção e afeto e de trocas de bens materiais, inclusive ilícitos.O segundo relato é o de Clériston, um instalador de som automo-tivo da capital, Maceió, que almejava algum dia ser um mestre4 do setor. Ele participava, entre 2013 e 2017, da maior comuni-dade de compra, venda e troca de equipamentos do Facebook em Alagoas, buscando construir uma reputação em torno do seu
trabalho – seu carro-chefe era a fabricação de caixas acústicas. Estava sempre discutindo sobre a eficiência de equipamentos com outros amantes de som e, às vezes, com figuras importan-tes de outros estados, com quem travava verdadeiras batalhas verbais. Clériston estava entre muitos outros aficionados de pe-riferias alagoanas que dependiam da existência dessas redes de compra, venda e troca de equipamentos, em sua maioria usados, para ganhar a vida com seus serviços, e, muito além disso, para também se posicionar ante outros amantes de som no contexto do crescimento, na última década, de circuitos de competições de pressão sonora5 nas cidades alagoanas. Comprando e vendendo peças no grupo para alimentar sua pe-quena instaladora num bairro da periferia de Maceió, a Clériston Som, o instalador estabelecia conexões, talvez sem o saber, com redes criminais e serviços ilegais que passaram a alimentar o mercado de peças usadas de som automotivo no estado. Desde 2013, pelo menos, o roubo de sons automotivos e peças se tor-
naram mais comuns no estado com o crescimento de circuitos de diversão popular, lançando os objetos nas redes de trocas coordenadas e reguladas por esses espaços virtuais, em que os membros se colocavam indiferentes à procedência dos objetos. A busca de Clériston por reconhecimento e sustento o colocava
4 Uma das figuras que revolucionaram o setor com a invenção de novos equipamentos, como Tico Som ou Diógenes, ambos consagrados.5 Volume, potência.

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como ator em um mercado emergente que atravessava de forma fluída o formal e informal, o lícito e o ilícito.Por fim, o terceiro relato se localiza mais ou menos no mesmo período, entre 2015 e 2016. Depois de uma cansativa viagem de mais de um dia e meio num ônibus da Santo Amaro, que atra-vessou parte do país pela BR-101, Ruth finalmente se aproxi-mava da rodoviária de Maceió. O ônibus estava parando em sua vaga no estacionamento, e as pessoas começavam a se levantar para organizar suas malas, bolsas e sacolas. Do lado de fora, três viaturas esperavam. Policiais – civis, militares e federais –, com armas às vistas, olhavam fixamente para o ônibus já esta-cionado. Já é de se imaginar o que estava por vir: revistas nas malas, bolsas, sacolas, tudo o que os passageiros tivessem em mãos. Àquela altura, não havia muito o que fazer. Ruth foi levada a uma delegacia. Na mochila que ela trazia, foram encontrados
três tijolos de cocaína. A jovem, mais tarde, viria a relatar que receberia mil reais pelo transporte da droga. O dinheiro serviria para mobiliar sua casa.Ruth, que, segundo seu prontuário institucional6, já havia circu-lado por entre a fronteira de uma cidade do Centro-Oeste do país e o Paraguai, colaborando no transporte de maconha, e tendo também se movimentado por entre presídios do país, devido a sua trajetória afetiva e familiar, foi presa em Maceió. Acusada
de transportar cocaína, a jovem foi presa em uma unidade de internação da cidade, mas logo foi transferida de volta para a sua cidade de origem, no Centro-Oeste. Sua trajetória de circu-

6 O prontuário é uma espécie de coleção de documentos armazenados em uma pasta, contendo informações institucionais sobre a passagem de garotos e garotas pelo Siste-ma Socioeducativo, e o de Ruth é apenas um dos que fazem parte de um extenso banco de dados da pesquisa “Mercados Ilícitos, Amor e Diversão nas Periferias de Maceió”. Cada pasta foi fotografada por nossa equipe, documento por documento. Em seguida, os documentos foram colocados em ordem cronológica. Então, em forma narrativa, a passagem de Ruth foi reconstruída a partir dos registros feitos sobre ela (Carvalho, 2018, 2021).

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lação por ambientes de encarceramento a tornava uma ameaça à segurança da unidade, segundo os profissionais que geriam o lugar. Assim, dessa vez sob a tutela do Estado, Ruth atravessou, mais uma vez, as divisas do país. Seu relato aponta para como instituições como a polícia, o judiciário e o penitenciário, em Alagoas e Brasil afora, têm contribuído para modelar padrões informais de justiça, abrangendo pessoas e grupos em territó-rios urbanos de periferia (Rodrigues, 2019), fazendo interagir repertórios de justiça do Estado e do crime.Os cruzamentos entre os relatos de Lorival, Ruth e Clériston estão
profundamente relacionados com o fato de estarmos partindo do estado brasileiro mais marcado por baixos índices de desenvolvi-mento humano e que atinge seu auge de urbanização, e periferi-zação urbana, apenas nos anos 1990, consequência de uma grave
crise econômica, decorrente da falência de uma de suas principais
fontes de renda, e de desigualdade e violências, a indústria sucro-alcooleira (Rodrigues, 2019, 2020b). Crise que, alongada por ten-tativas de recuperação do setor e da sua reestruturação produtiva, ainda causou impacto na segunda década dos anos 2000 devido
ao crescimento de novas expectativas de direitos trabalhistas do campo, redefinindo novos cursos de migrações que têm o Centro--Oeste do país como destino de muitos trabalhadores.Parece-nos importante enfatizar, ainda, conforme o caso de Lo-rival explicita, a atuação de policiais de baixa graduação nas po-líticas criminais em periferias urbanas alagoanas, o que ficou evidente, sobretudo, entre os anos 1980 e 1990, período de he-gemonia dos grupos de extermínio, que realizavam, também, rou-bos e sequestros. Atuação que, já nos anos 2000 e, sobretudo nos anos 2010, devido a políticas de segurança locais e nacionais de endurecimento penal, passaram a se articular e rivalizar com uma nova “disciplina”, a das facções, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), que já vinham se expandindo para o estado, como o relato de Ruth irá demonstrar, e, aos pou-cos, se territorializando em suas periferias urbanas, numa disputa

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por territórios e pelo monopólio de sensos de justiça7. As trajetó-rias de mobilidade de indivíduos como Lorival e Ruth e dos obje-tos comprados e vendidos por pessoas como Clériston clarificam tais problematizações incontornáveis para se pensar as margens alagoanas, em suas interconexões com as divisas nacionais, e na fluidez das fronteiras entre mercados (in)formais e (i)lícitos.
1. Enredamentos teórico-metodológicosUma série de pesquisas tem apontado para como as fronteiras entre mercados lícitos e ilícitos, legais e ilegais, formais e infor-mais são muito mais porosas, tensas e negociadas do que podem parecer à primeira vista (Aquino, Hirata, 2018; Feltran, 2008, 2019; Misse, 2006; Telles, Cabanes, 2006). Pesquisas como as de Machado da Silva (2010), passando por Michel Misse (2010), abriram flancos de entendimento sobre a gestão da violência sobre populações e territórios em periferias urbanas cariocas, apontando para a produção desses territórios e das pessoas que os integram como perigosos (Leite, 2012; Oliveira, 2014). Tais contribuições continuam a ser desenvolvidas a partir de etno-grafias realizadas em distintos contextos nacionais.
Neste artigo, estamos particularmente inspirados pelas proposi-ções de Telles e Hirata (2007) e Feltran (2019), que, a partir de uma visada etnográfica, apontam para como podem acontecer as ambíguas articulações entre tais mercados, seguindo as inter-conexões entre pessoas e objetos que circulam e agem por entre
fronteiras marginais, nas lutas por meios de subsistência, sobre-vivência, existência e valor humano (Elias, 1980, 1995, 2000).
7 Tal expansão só veio a ficar evidente em Alagoas e em outros estados do Norte e Nor-deste do país em meados de 2016, com um rompimento de uma espécie de armistício entre os grupos faccionais PCC e CV, inaugurando uma figuração de guerra em quebradas e cadeias entre os que se enunciavam como aliados de uma ou outra facção (Carvalho, 2021; Dias, Manso, 2017; Rodrigues, 2019, 2020b).

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Entendemos que, para pensar em porosidades, tensionamentos e negociações em tais mercados, é preciso reconhecer, também, como esses são atravessados pelas articulações entre regimes normati-vos, tanto em espaços de encarceramento como em periferias ur-banas. Apesar de serem performadas rígidas diferenciações entre o legal e o ilegal, ordem legítima e crime, as cenas da vida cotidiana demonstram como tais diferenciações são também ambíguas e ne-gociadas, de modo que Estado, crime e religião podem, em várias circunstâncias, inclusive, se entramar e se reproduzir (Carvalho, 2020; Feltran, 2008; Vital, 2015), nas figurações entre indivíduos unidos por laços de interdependências (Elias, 1980, 1994).Amparados nas questões que já têm sido apontadas por etnografias socioantropológicas, chamamos atenção para como a circulação de corpos e objetos por fronteiras, físicas e simbólicas, dão mostras de tais articulações e negociações, às vezes desembocando em conflitos violentos, às vezes em engajamentos. São mobilizados os meios disponíveis nas lutas por ascensão às condições de respei-to, dignidade e proteção. Tudo isso num contexto de capitalismo fluido, leve e em que o Estado parece diminuir cada vez mais sua presença quando se trata de bem-estar social (Côrtes, 2005; Gar-land, 2012; Hathazy, 2015; Wacquant, 2003). Contexto também de expansão de redes, entre elas, interessando-nos de maneira espe-cífica as redes dos mercados informais, ilícitos e ilegais (Castells; Cardoso, 2005; Castells, 2019), que assumem feições específicas em contextos específicos, como o que tratamos em Alagoas. Para responder às questões que nos colocamos, lançamos mão de distintas experiências de campo, que têm se desenvolvido
desde 20138 em bairros de periferia de Alagoas e em instituições
8 No caso de Carvalho, em unidades de internação, do Sistema Socioeducativo Alagoano, desde 2015 (Carvalho, 2018, 2020). No caso de Farias, em circuitos periféricos de festas, encontros e competições de som automotivo em cidades alagoanas (Santos, 2016; Santos, Rodrigues, 2019; Santos, 2021, no prelo). No caso de Nascimento, a circulação de pessoas dissidentes de gênero e sexualidade em redes entre terreiros de candomblé/umbanda e mercados ilícitos, a exemplo de tráfico de drogas (Bianchetti, 2011; Nascimento, 2018; Nascimento, 2019).

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de encarceramento. São circulações que nós, assim como nossos
interlocutores, experimentamos, fosse em festas em terreiros, em unidades de internação, fosse em grupos de Facebook. Em tais circulações, tivemos a oportunidade de desenvolver inter-locuções com atores que ocupavam distintas posições nesses campos: pais e filhos de santo, socioeducandos e agentes de se-gurança, amantes e mestres de som automotivo, etc. Além disso, nos aproximamos das distintas linguagens produzidas por nos-sos interlocutores, e que nos serviram de guia para aprofundar nossas pesquisas de campo, fossem nas discussões de grupos de Facebook, fossem nos prontuários institucionais.No caso específico de Lorival, foram considerados os relatos dos
diferentes sujeitos envolvidos na cena, de modo a apontar para uma negociação em torno de seus envolvimentos e participa-ções em mercados ilícitos. Conforme Florence Weber e Stéphane Beaud (2007) enfatizam, a descrição de situações e o conheci-mento empreendido pelos sujeitos em narrar atos configura-se como de caráter concreto e localizado. As relações constituídas em cenas e suas intersecções, dessa forma, permitem demons-
trar como eventos situados e datados ganham sentido em cenas diferentes. A trajetória de Clériston e o modo como se conecta a mecanis-mos de coordenação e regulação de mercados de peças de som automotivo foi coligida a partir da imersão etnográfica no gru-po de troca de equipamentos e fóruns, como observador parti-
cipante9, tomando parte do desafio de pensar as condições em que a internet figura nas sociedades contemporâneas (Fragoso, Recuero, Amaral, 2011, p. 170-203). Perfis, comentários, discus-sões, compra de equipamentos e posts de oferta dos serviços
9 Um tanto negligenciado, pois minha participação como pesquisador não foi muito bem-vinda, tendo negado vários pedidos de interlocução e posts. Foi nessa medida que minha participação negativa foi reveladora de aspectos cruciais do campo, a exemplo da projeção sobre minha figura como um agente fiscalizador.

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do amante de som, entendidos como conjunto de informações auto-organizadas por categorias nativas10 com funções deter-minadas em relação às dinâmicas do grupo, e o diálogo com a etnografia tradicional dos espaços de encontros de aficionados
por som automotivo foram articulados para dar inteligibilidade à sua história e reivindicações. Reconstruir partes de atuação de membros do grupo de Facebook, como Clériston, exigiu trans-plantar o conceito de espaço e lugar para a internet, assim como não mais tratar os espaços virtuais como “‘não-lugares’ ou ain-da, dicotomicamente, em termos de ‘real’ versus ‘virtual’” (Poli-vanov, 2013, p. 13).Por fim, o relato de Ruth corresponde à organização cronológica dos eventos registrados desordenadamente em seu prontuário por funcionários do Sistema Socioeducativo Alagoano. Por meio deles, é possível ter uma versão, um vislumbre, das dinâmicas de transporte de cocaína entre o Centro-Oeste e o Nordeste do país. Lançar mão desses documentos implica em reinterpretar as in-terpretações dos agentes do Estado, os funcionários, que pro-duziram uma versão sobre a trajetória de Ruth, além de buscar os vestígios de seus percursos até o momento em que foi pre-sa, refletindo sobre suas conexões com os mercados criminais, especificamente por meio do transporte de mercadorias ilícitas por entre fronteiras e divisas brasileiras. Em outros termos, em-bora as informações que nos chegam por meio dos documentos institucionais sejam parciais e histórica e culturalmente situa-das, elas fornecem rastros de Ruth, de suas vivências e de sua trajetória (Carvalho, 2021).
10 Relativamente, porque parte importante da organização do espaço virtual é estrutu-rado pela plataforma e seus algoritmos, cabendo pensar as formas de apropriação e usos diferenciais desses.

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2. Cenas etnográficas

2.1. Cena de Lorival e sua esprita

A esprita de Lorival, como o pai de santo se referia a ela, não só incorporava em lugares e tempos não aguardados, como tam-bém participava de negócios escusos. Sua esprita, ele dizia, ha-via sido sua mãe, irmã, companheira. Posições não tão inocen-tes, pois Lorival, até onde se sabia, havia se criado sozinho no
mundo
, expressão popular no contexto de periferias urbanas
alagoanas para marcar a experiência de sujeitos desprovidos da mediação primeira de relações de proteção e cuidado a partir de laços familiares. Esse elemento não é residual, mas se rela-ciona aos trânsitos e pressões experimentados por indivíduos e grupos humanos situados em periferias urbanas, que se nutrem de múltiplas redes definidas como família, uma das principais vias de acesso a padrões de proteção e cuidado, mas igualmente de conquista de valor humano (Rodrigues, Silva, Santos, 2020). No plano local, as famílias de santo são essenciais para compre-ender os deslocamentos de sujeitos por entre fronteiras físicas e simbólicas (Brah, 2011), assim como a transmissão de símbolos de prestígio e consideração em periferias (Nascimento, 2018, 2021). Lorival, homossexual abertamente assumido, efeminado, pobre e sem família, foi acolhido justamente por sua família de
santo, provendo e sendo provido pelos recursos sociais dessa família, que reunia diferentes sujeitos e ocupações, assim possi-bilitando o acesso a redes mercantis.
A esprita de Lorival e as consultas dela, como ele referia, talvez o permitissem desfrutar dos vínculos possivelmente estabelecidos entre clientes e filhos de santo. A esprita e as consultas realizadas por Lorival, incorporado por ela, eram as responsáveis por livrá--lo da miséria, da fome, assim como um dos principais veículos de luta por estabelecer-se enquanto um sujeito digno. Nada tão diferente de inúmeras outras trajetórias que articulam histórias

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sobre a mediação de espíritos, ocupação de postos de trabalho e rearranjos no mundo do trabalho em periferias maceioenses.Os cruzamentos entre Lorival, sua esprita e a boca de fumo vi-zinha a seu terreiro apontam para um terreno em que pessoas e mercadorias circulam. O terreiro de Lorival aponta para a oferta de proteção para os meninos da boca de fumo e para as recipro-cidades que fundam esse campo. O poroso, consequentemente, qualifica-se a partir dos múltiplos constrangimentos possíveis de serem reconstruídos à luz dos deslocamentos dos sujeitos em meio à formação de zonas fronteiriças. É necessário situar,
desse modo, que a circulação de sujeitos em periferias urbanas
brasileiras sob inúmeros constrangimentos aponta para a ne-
cessidade de um olhar mais apurado para as tramas construídas também em torno das formas e modos como populações e sujei-
tos são inseridos numa ordem pública.Se, por um lado, Lorival movimentava uma rede de sujeitos e pessoas, fazendo circular mercadorias ilícitas, possibilitando o
encontro entre consumidores e vendedores de drogas e entor-pecentes, assim como encobrindo atividades de tráfico e roubo sob os olhos das investidas constantes da polícia, por outro, tor-nava-se também um sujeito desejado por outros homens. Conse-quentemente, a figura de Lorival tornava-se corrupta naqueles termos, isto é, se de um lado era o sujeito que possuía a posição de cuidado sobre várias mulheres, de outro, era o mesmo sujeito que as envolvia com márginals. Evidente que nessa formulação não estão excluídas as possibilidades de aceite/recusa por parte das mulheres. Entretanto, a figura de Lorival como conselheiro
sublinha a rentabilidade dos vínculos com os márginals. Havia, no entanto, uma impossibilidade de policiais baterem na porta do terreiro para fiscalizar o que lá se passava, apesar do em-
baralhamento das fronteiras entre templo religioso e boca de fumo, e, consequentemente, também dos personagens que compunham o espaço. Nesse sentido, Lorival tornava-se, por um lado, o sujeito

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que aconselhava e tornava viável vínculos entre filhas de santo e
márginals, como, de outro, a figura com quem os policiais se cho-cavam, isto é, esses últimos não poderiam exigir trocas monetárias para tornar o negócio da boca de fumo seguro. Agentes menores e possíveis de serem mais móveis, como policiais de baixa patente, não ganhavam força. Ou seja, não poderiam disputar “oportunida-des de obtenção de dinheiro e outros benefícios associados ao po-der de fazer impor ou não a atuação do aparato repressivo policial e condenatório judicial” (Rodrigues, 2019, p. 203). Nem tão pouco converter a ilegalidade em mercadoria negociável (Misse, 2010).Eventos envolvendo a participação de personagens como Lori-
val e os meninos-da-boca num circuito de divertimento sexual--erótico, com trocas monetárias e consumo de drogas ilícitas, demarcam uma porosidade entre as noções de legal e ilegal, bem como o intercruzamento entre diferentes setores da vida em pe-riferias urbanas. Tais porosidades, no entanto, são marcadas por muita instabilidade, sobretudo para os que, como o pai de santo, estão em uma posição por demais frágil. Num ataque por parte dos policiais que estavam saindo no prejuízo devido à rede de proteção criada por Lorival e os márginals, esse se viu obrigado a atravessar as fronteiras do país para proteger sua vida. Num ato apressado, ele vendeu o imóvel onde se localizava o terreiro. O dinheiro, entretanto, foi roubado por um de seus fi-lhos de santo. Lorival migrou para São Paulo, desse modo, sob os auspícios das parcas economias e favores reunidos em sua rede de alianças. Lá, chegou a dormir sob marquises, passar fome, flertar com redes de prostituição, até o instante do retorno para Alagoas.

2.2. Cena de Ruth e o transporte de cocaínaSegundo as informações escritas nos registros de atendimentos da garota, já internada na unidade de internação, o caminho que a levou à privação de liberdade começou ainda em sua cidade natal, no Centro-Oeste do país, num dia de feira. Ruth estava com uma

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amiga comprando roupas. A amiga disse que tinha alguém para lhe apresentar. E foi assim que Ruth chegou em Jane, que lhe fez a proposta de ajudá-la no transporte dos tijolos de cocaína para Maceió. Como já mencionado, a jovem receberia mil reais pela em-preitada, valor que serviria para comprar móveis para sua casa.É interessante perceber como uma rede de mulheres foi quem se engajou no agenciamento de Ruth para fazer o transporte de cocaína. A amiga da cidade no Centro-Oeste apresentou Ruth a Jane, que era de Maceió, para onde elas trariam a cocaína. Tais redes de relações, que interligam e possibilitam a circulação de pessoas e mercadorias por entre as divisas das duas regiões do país, são muitas vezes instáveis, marcadas por riscos, inseguranças e por repressões estatal e do próprio crime, embora, muitas ve-zes, agentes do crime e do Estado ajam em cooperação e articula-ção, e não apenas em contraposição (Carvalho, 2020). Como muitos jovens que circulam pelas marginais fronteiras e di-visas entre legal e ilegal, Ruth foi alvo da institucionalização de sua vida desde muito cedo. Sua trajetória é um bom exemplo da seletividade penal do sistema de justiça brasileiro. A acusação de tráfico, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, não seria suficiente para a privação de liberdade, afinal, não se tratava
de um ato infracional entendido como violento, ou que amea-çasse a vida de outros de maneira direta (Brasil, 1995). Por outro lado, Ruth era reincidente, já havia sido presa anteriormente11.
11 Ainda enquanto esteve internada em Maceió, Ruth teria relatado às funcionárias que a atendiam outros fatos interessantes. No ano anterior, em 2014, ela havia passado por outra apreensão. Dessa vez, junto ao ex-namorado. Eles faziam transporte de maconha entre a fronteira Brasil-Paraguai, também pelo Centro-Oeste do país. O controle de tal fronteira está em franca disputa, justamente devido às possibilidades de entrada de dro-gas, armas e outras mercadorias ilícitas. Dessa vez, Ruth não ficou internada, mas foi le-vada ao Conselho Tutelar. Nessa ocasião, a rede de agenciamento da garota para circular por entre fronteiras em empreendimentos ilícitos envolvia um parceiro afetivo-sexual. Segundo a garota, eles transportavam “uma tonelada e duzentos quilos de maconha”, que seguia num comboio de três caminhonetes, “fazendo um batedor” para disfarçar o transporte de droga. Trava-se de um empreendimento muito maior, e mais arriscado.

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Desde a infância, ela vivenciou o encarceramento, tendo a vida marcada pelas movimentações entre o dentro e fora dos muros de cadeias (Godoi, 2010; Mapa do Encarceramento, 2015).Sua mãe visitou-a apenas uma vez na unidade, os agentes do Estado logo se mobilizaram para impedir que ela continuasse a visitar a filha. Isso porque a mãe teria mencionado também
ter tido envolvimento com práticas criminalizadas, desde os 12 anos de idade. A mãe da garota também fora internada durante a adolescência várias vezes, além de ter sido encarcerada no siste-ma prisional. Na visão dos agentes do Estado, a mulher demons-trava ter “experiência com o mundo da criminalidade e com o da reclusão”. O pai e a mãe de Ruth teriam se conhecido enquanto estavam presos, de modo que a adolescente teria nascido em um presídio feminino, onde a mãe cumpriu pena. Ruth também já havia passado 30 dias presa, em uma situação anterior não especificada. Além disso, seu ex-namorado estaria encarcerado em um presídio de alta segurança.Sua trajetória pessoal e familiar de encarceramento e sua atua-ção no crime contribuíram para que Ruth se visse mais uma vez atravessando as divisas do país. Depois de alguns meses na uni-dade de internação de Maceió, ela foi transferida para cumprir medida de internação em sua cidade de origem. Havia o receio entre as funcionárias que a acompanhavam de que ela fosse res-
gatada
da unidade, pois teria envolvimento com algum grupo
de risco
, que, nesse momento, já poderiam ser as redes e alian-ças expressas pelos símbolos PCC e CV. Ainda que de maneira afastada, que ela não fosse irmã ou cunhada da facção, ou seja, reconhecida como, de fato, alguém “de dentro”, o transporte de drogas para Maceió que ela fazia provavelmente era perpassado pelo controle de algum dos grupos mencionados. O fato de a mãe de Ruth ter sido presa anteriormente, bem como o de seu ex-na-morado estar preso em um presídio de alta segurança, também levantou suspeita entre as funcionárias da unidade. Enfim, eram suas circulações por cadeias, bem como suas redes de relações

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familiares e afetivas nesses ambientes, que a tornavam suspeita (Padovani, 2015).Os fragmentos das movimentações de Ruth apontam para cone-xões que podem se estruturar em âmbitos locais, nacionais e até transnacionais, agenciando pessoas e formas de atuação. Cone-xões que se configuram a partir de grupos familiares, de amigos, vizinhos ou tantas outras, a depender dos contextos de inser-ção dos indivíduos. Conexões que são mantidas sob uma ordem instável, de ameaças e proteções, a partir das emergências e da coordenação de interesses mútuos (Rodrigues, Silva, Santos, 2020; Sena, 2017). Bumachar (2016) chama atenção para como tais deslocamentos não podem ser reduzidos apenas a questões econômicas emergenciais, mas satisfazem necessidades e de-sejos de diversas ordens, articulando “não apenas práticas eco-nômicas (in)formais e (i)legais, mas também uma diversidade de experiências que intersectam questões laborais, familiares e afetivas” (p. 84), como também parece ser o caso de Lorival, sua
esprita, seus filhos de santo e o emaranhar desses com os me-ninos-da-boca. Tais cooperações, no entanto, são, muitas vezes, frágeis, e os compromissos são mantidos sob a ameaça de puni-ção (Feltran, 2019; Lessing, 2008). Pessoas como Ruth e Lorival estão entre os mais vulneráveis em suas atuações e circulações por entre as fronteiras do ilegal, tendo como um fim quase certo
cadeia ou morte, como costuma-se dizer. No caso de Ruth, foi a cadeia. Lorival, por pouco, a morte.

2.3. Cena de Clériston e as mercadorias de origem duvidosaAssim como o terreiro de Lorival e as cadeias por onde Ruth pas-
sou, a internet, especialmente as redes sociais, como o Facebook, também se constitui como um espaço social de intercruzamentos. Por meio desses espaços virtuais, através de comentários, posts e discussões acaloradas no grupo Triplo X, foi possível conhecer histórias de pessoas como Clériston: tinha 30 e poucos anos, era casado, com três filhos, formado em uma universidade pública

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em um curso da área de humanas e morador de uma periferia da parte alta de Maceió. Costumava participar, entre 2013 e 2017, desse grupo de amantes de som para comprar e vender peças,
bem como apresentar o trabalho, fruto de sua virtuose autodida-ta, que desenvolvia em projetos de som. Era nesses fóruns – nos quais alguns membros seletos do grupo procuravam argumentar e expor, através de textos, fotos, vídeos e experiências registradas do desempenho de equipamentos – que Clériston enfrentava en-genheiros profissionais, montadores experientes e até mestres do som automotivo. Dependia também disso para construir seu nome como instalador, já que muitos consumidores acompanha-vam a conversa. Clériston sentia-se numa cruzada heroica na qual estava envolvida não só a construção de uma reputação como téc-nico de som, mas a vitória biográfica através dos estudos. Com um nome ainda por fazer e uma família para sustentar, Clé-riston era bastante atuante no grupo. Diríamos que, nesse período, ele se destacava. Dependia muito da conexão proporcionada pela rede de amantes de som para oferecer seus serviços de confecção de caixas acústicas e instalação. “CAIXAS T18 - MODELO ORIGINAL ELETROVOICE novas, pintadas. Medidas. R$ 500.00”. Vendia tam-bém uma variedade de equipamentos, entre pneus, baterias, alto--falantes, realizando trocas com alguns deles, e quando não estava vendendo, estava comprando. “PRECISO DE UM CAPACITOR DE 20 Farad. alguém tem ou sabe onde vende?”. Ainda, costumava publi-car textos de avaliação de equipamentos e críticas, sempre muito articuladas e ácidas, a outros amantes e instaladores. O mercado in-formal coordenado pelo grupo virtual era essencial para o serviço de Clériston, como o era para outros que não podiam acessar servi-ços diretamente no mercado formal de produtos “novos na caixa”, e certa vez, em um dos posts em que costumava tecer comentários sobre questões mais gerais do som automotivo, deixou isso bem claro: “Alô galera do no precinho, só pago x, marreteiros12 e afins, acredito que grupos como esse são de VENDA e TROCA, e não LEI-
12 Insistentes.

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LÃO. [...] se tá achando caro, vai na loja e compra um novo…”. O post demonstra como o grupo era destinado, também, para negociações
em um recado para os lisos, uma categoria nativa usada para iden-tificar maus negociantes, aqueles sem dinheiro para pagar o valor pedido e, insistentemente, irritantes.Os equipamentos, que um dia haviam transitado no mercado for-mal de peças de som automotivo, tinham ali seus fluxos coordena-dos por outras formas de interação e de regulação das trocas que incorporavam ao seu dinamismo a despreocupação com a com-provação de origem dos equipamentos. Distintamente de outros grupos de compra, venda e troca de produtos usados no próprio Facebook, a exemplo dos de celulares, em que a preocupação com a licitude dos produtos é, de forma um tanto padronizada, repre-sentada pela fotografia das notas fiscais, no grupo de som auto-
motivo muito pouco se apresentou a necessidade de diferenciar produtos conforme sua origem. A comprovação dessa regra podia surgir de algo bem inesperado. Certa vez, despontou no feed do grupo o post de um membro à procura de notas fiscais para com-prar. Com medo de que seu equipamento fosse apreendido pela polícia em alguma blitz, buscava alguém que pudesse fornecê-las, mediante pagamento, para que “comprovasse” a origem das pe-ças do seu som. Esse “descuido” com a comprovação da origem das peças se devia, em parte, à própria dinâmica da montagem.
A maioria dos amantes de som automotivo costuma ir montado o equipamento aos poucos. Guardam dinheiro e vão adicionando partes, não necessariamente substituindo as mais antigas. Quan-do se desfazem dessas, já se foram meses ou anos. Por outro lado, a oportunidade de incrementar seu projeto, muitas vezes ideal-mente inatingível, faz com que o comércio de peças mais baratas seja uma dádiva, algo difícil de recusar. Os grupos eram assim lu-gares de cruzamentos e porosidades que operavam trânsitos di-versos entre mercados formais, informais, lícitos e ilícitos.Já faz tempo que o roubo de paredões e peças de som automotivo tornou-se comum em Alagoas, sobretudo no período entre 2012

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e 2018. Um exemplo é o caso do roubo de um paredão de som13 avaliado em 700 mil ocorrido em Taquarana, no agreste alago-ano, para ser desmanchado no Ceará. Formado por dezenas de peças, um equipamento como esse renderia um bom dinheiro se escoado para lojas e redes de compra, venda e troca. De forma
diferente, outras investidas se pautaram no movimento inverso
de roubar baterias de torres de operadoras de celulares para re-chear os estoques de lojas de peças ou vendê-las da forma que fosse possível (Gazeta Web, 2014). Esse tipo de roubo pareceu ser um investimento lucrativo, já que continuou a articular ini-ciativas criminosas nos anos seguintes (TNH1, 2018). Elas te-riam alto valor de mercado, segundo o delegado responsável pela prisão, porque serviriam para montar paredões de som. Por fim, esses equipamentos acabariam circulando também nas re-des virtuais que alimentavam investimentos de lisos e profissio-nais como Clériston para tocar a vida e para serem reconhecidos por outros amantes de som. De mão em mão e de nó em nó nas redes virtuais de comércio informal – entre lojas, bandidos, ins-taladores e amantes de som – as peças atravessavam de forma fluida diferentes regimes normativos e dimensões da vida social sentidas largamente como compartimentalizadas.
3. Lutas por valor humano e circulações de pessoas e
mercadorias por fronteiras marginaisO caleidoscópio apresentado a partir das cenas etnográficas se insere num processo que tem se desenvolvido em Alagoas ao longo das últimas três décadas e que serviu de moldura para novas formas de gestão de ilegalismos. Estamos falando da de-

13 Paredões de som são sistemas sonoros monolíticos carregados por reboques de auto-móveis que se cristalizaram no imaginário popular como parte do estilo de vida de frações da classe média urbana empresarial em muitas cidades nordestinas. Constituído por meio do arranjo funcional e estético de aparelhos de reprodução sonora – entre subwoofers,
woofers, drivers e twiters – e de alinhamento, alimentação e potencialização do som – como processadores, geradores de energia e módulos de amplificação –, muito conhecidos por “infernizarem”, com seu apelo superlativo à festa, áreas residenciais urbanas.

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cadência da indústria têxtil, da produção fumageira e, especial-mente, das reestruturações produtivas do setor sucroalcooleiro, que têm se traduzido em constante crise para a renda de tra-balhadores e em mudanças na política econômica das cidades, preocupadas, a partir da década de 1990, em acomodar o incha-ço do setor informal e em administrar hordas de trabalhadores desempregados e, muitas vezes, desabrigados. Tais processos proporcionaram o aumento da importância das cidades médias ao longo dos últimos anos e remodelaram as dinâmicas dos flu-xos migratórios entre Alagoas e outras regiões do país, em evi-dência a região Centro-Oeste, em forma de migrações de retor-no (Patarra, 2003). Estamos falando em trânsitos circulares de trabalhadores por entre regiões com oportunidades de empre-go distribuídas sazonalmente ou regidas por contratos tempo-rários, como ocorre na indústria sucroalcooleira entre cidades alagoanas – São Miguel, Boca da Mata, Teotônio Vilela – e mato grossenses, por exemplo.Essas são, na verdade, alterações de tempos, espaços e ritmos da experiência urbana, como Telles (2006) chama atenção, em que
se implicam deslocamentos inter e intra-urbanos, bem como mutações no campo do trabalho. É nesse contexto de transfor-mações que a vida social se vê atravessada pelos mercados ilí-citos e informais, que também se expandem em intensidade e capilaridade. Tais processos, por sua vez, ainda em consonância com as proposições de Telles, têm mediações de escala variadas, como os relatos trazidos também procuram demonstrar, depen-dentes das inscrições contextuais vivenciadas pelos indivíduos e do jogo tenso das relações por eles estabelecidas.As cenas trazidas, de distintas perspectivas, apontam para o cruzamento entre modos de proteção e satisfação pessoal em múltiplos espaços e temporalidades e lógicas de governo de pessoas e mercadorias nas margens urbanas. A trajetória de Lo-
rival, antes exposta, apresenta como o estar no corre, correr
com o crime
(Rodrigues, 2020b) liga-se não só à satisfação e à

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realização pessoal a partir da segurança ontológica que preside apresentar-se como alguém confiável, como igualmente liga-se a cursos de diferenciação social e canalização de ambivalências que são presentificadas nos modos como os sujeitos referem-se a si, aos outros e, a dizer, igualmente à oferta de mercadorias. É possível perceber, ainda, um circuito de oferta e consumo de bens simbólicos e espirituais que, a exemplo dos outros relatos, evidencia a participação em mercados informais e ilícitos, dire-tamente relacionada com a necessidade de proteção e segurança daqueles cuja vida é margeada em riscos de destruição abrupta.
As ações dos sujeitos se encontram mediadas por referenciais de cuidado, zelo e autoproteção.O transporte de cocaína realizado Ruth, por sua vez, aponta para as transformações nas interdependências socioespaciais provo-
cadas pelo alagamento das redes criminais, interligando os mer-cados ilícitos em nível nacional e até transnacional, coincidindo justamente com o mencionado contexto de mudanças mais gerais no padrão migratório da força de trabalho. Esse relato apresen-ta o modo como as redes criminais têm imprimido padrões de transporte de cocaína em rotas marginais, as mesmas pelas quais também circulam, normalmente em transportes clandestinos, mi-
grantes trabalhadores em busca de oportunidades de emprego, alguns deles, pais e cuidadores de muitos adolescentes que, assim como Ruth, cumprem medida socioeducativa em unidades de in-ternação. Migrações que também abrem novas possibilidades de aproximação e atuação nas redes criminais, como as facções PCC e CV, para esses jovens14 (Rodrigues, Amorim, 2021, no prelo).
14 Ao longo do prontuário de Ruth não há menções diretas a possíveis vínculos que a garota pudesse ter com facções, como o PCC ou o CV, pelo menos não nesses termos. Há menções diretas a grupos de risco, de maneira mais vaga. A partir da pesquisa de campo realizada em unidades de internação nesse mesmo período (2015/2016), no entanto, en-tendemos que a menção indireta contida no documento pode se relacionar ao fato de que as vinculações de adolescentes ao PCC ou ao CV eram negadas por funcionários, embora, àquela altura, diversos adolescentes já mencionassem abertamente aproximações com um ou outro grupo, e, alguns deles, mencionavam suas circulações para o Centro-Oeste ou

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O relato de Clériston, por sua vez, ilumina os mecanismos de encaixe e desencaixe necessários à gestão dos espaços, e que podem constituir, como uma virtualidade real (Castells, 2019; Polivanov, 2013), novos modos de regulação e coordenação das redes criminais. A circulação de peças e mercadorias pelas fran-
jas informais das redes sociais, atravessando divisas, nos ajuda a pensar sobre a gestão de mercados formados em e por um espa-ço-tempo comprimido entre localidades mais interdependentes do que no passado. Por um lado, as trocas de peças constituem um pequeno capítulo do processo de estreitamento da rede de cidades alagoanas, do aglutinamento de pequenas e médias ci-dades e de redefinição de suas relações com a capital. Por outro, elas mesmas dependem da circulação da mercadoria nos planos nacional e global. Um alto-falante fabricado na Ásia e comprado pela internet numa loja de São Paulo pode encontrar seu último destino em Girau do Ponciano15. Nesse caso, as redes virtuais são como uma instância mediadora, às vezes centrais, da regula-ção e coordenação de mercados informais e ilícitos.Por meio dos três relatos, chamamos atenção para as interfaces
entre regimes normativos, compreendidos como ilegais e crimi-nais, os quais, para jovens como Ruth, para amantes de som auto-motivo como Clériston, ou para personagens que circulam entre o espaço cinzento entre terreiros e pontos de varejo de drogas como Lorival, podem consistir em fontes de reconhecimento e valori-zação, seja mobiliando a casa, no primeiro caso, seja digladiando verbalmente em fóruns de som automotivo, no segundo, seja par-ticipando de redes de comercialização de divertimento e proteção
espiritual no terceiro. Há um sentido de gratificação, subsistência
Sudeste do país enquanto uma frente de aproximação com as facções nacionais. É a partir de tais interlocuções com adolescentes em campo, no mesmo período em que Ruth esteve internada, que, então, inferimos que ela poderia de alguma forma estar próxima de tais grupos faccionais, ainda que não se reconhecesse como irmã ou cunhada, ou seja, como alguém “de dentro”, e que, ao mencionar possíveis envolvimentos da adolescente com gru-
pos de risco
, eram aos grupos faccionais que os funcionários se referiam.15 Pequena cidade do Agreste alagoano.

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e proteção latente em tais práticas e redes de relações, que podem ser compreendidas enquanto crime organizado, por parte dos agentes estatais de segurança pública ou da imprensa, por exem-plo, ou como práticas de diversão popular, por parte daqueles que dela usufruem. E, assim, vão sendo tecidas as interfaces entre for-mal/informal, lícito/ilícito, à medida que indivíduos mobilizam
seus corpos em empreendimentos do crime, ou investem material e afetivamente na circulação de mercadorias sem origem definida para a constituição de aparelhos de competição. Quando se trata do mercado de peças de som automotivo, o en-trecruzamento de serviços de fabricação e instalação de equipa-mentos, peças de origem desconhecidas, roubos de equipamentos e demanda por notas fiscais operados por redes virtuais de trocas têm como ponto de articulação as lutas por valor humano entre os amantes de som entremeadas por práticas, códigos, normas e valores restritos à compreensão “leiga”, como dizem. São as práti-cas de montagem e competição de sons que se popularizaram nas periferias alagoanas os fios que unem amantes, empresas e mer-cados lícitos e ilícitos, formais e informais regulados pelo grupo virtual, mostrando como a luta por valor humano nesses espaços atravessa de forma fluida instâncias normativas definidas como lícitas e ilícitas. Tudo isso sob a incriminação de redes discursivas formadas por jornalistas, policiais, chefes de operação, políticos e agentes do Ministério Público na produção de classificações es-tigmatizadoras – desordeiros, atrasados, criminosos – surgi-das do intenso e já duradouro conflito urbano ocasionado entre donos de sons e moradores de áreas residenciais de bairros de periferia (Gazeta Web, 2015a, 2015b; Gazeta de Alagoas, 2019). Esses discursos têm embasado, ao longo da última década, a pro-dução de leis orgânicas e estaduais de combate à poluição sonora,
negando, por outro lado, a possibilidade de desenvolvimento de festas e competições de som em lugares públicos.No caso de Ruth, o sistema aberto de conexões e relações afeti-vas que implicaram em sua atuação no tráfico de drogas também

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facilitou enlaces entre operações do crime e projetos surgidos
de demandas materiais e afetivas da vida cotidiana, em suas cir-culações por entre divisas e fronteiras, e pelo dentro e fora dos
muros de cadeias. Oportunidades, reconhecimento, proteção e dinheiro advindos da sua participação no transporte de cocaína se dividiam com formas de realização material e afetiva, ambas desempenhando o papel de fontes de geração de autovalor.Na trajetória de Lorival, pressões assistidas por episódios de des-tituição de famílias, assim como dissidências sexuais e de gênero e a participação em famílias de santo convertem-se em oportu-nidades de participação em redes ilegais, entre o consumo de entorpecentes, passando por mercados eróticos ilegais, assim como é possível situar a precariedade assistida nas montagens e remontagens de redes socioafetivas. Consequentemente, esse campo apresenta justamente a participação de diferentes per-sonagens na configuração de mercados e de subalternização de pessoas. Possivelmente atuando como espirais mortais que se, de um lado, fazem com que o consumo e venda de drogas se tor-nem possível, de outro, como propõe Partha Chatterjee (2008, p. 131), assentam-se numa política dos governados que aciona
de modos divergentes e diferentes a experiência compartilhada, assim como um caráter moral nas exigências e negociações em torno de agendas da governamentalidade do Estado moderno nacional. Argumentamos que a articulação entre as mobilidades de indi-víduos e mercadorias e as lutas por valor humano e subsistência são elementos-chave para que se compreenda parte das vidas e políticas marginais no estado de Alagoas. Essa articulação pos-sibilita iluminar parte de um circuito de diversão popular, bem
como as correrias do tráfico de entorpecentes no estado. Todos alvos de mecanismos de repressão policial-penal, de diferentes
maneiras, e em diferentes intensidades, mas apontando para como há uma forte impressão estatal na modelação de tais prá-ticas, ainda que pela sua negação.

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Fazemos um esforço por pensar junto a Das e Poole (2004), no sen-tido de captar como determinadas práticas políticas, regulatórias e disciplinares que constituem o que se entende por Estado tam-bém conformam as práticas tidas como indesejadas ou criminais. A trajetória de Ruth por ambientes de encarceramento e sua possível aproximação com o crime organizado é um bom exemplo, assim como o processo de criminalização das disputas de som automotivo. Nesses sentidos, as fronteiras marginais por nós descritas também podem ser pensadas em suas articulações com o Estado.
Conclusão e mais perguntasÀ guisa de um último comentário, a partir de diferentes campos de articulação e pesquisa apresentados, salientamos a configuração de distintas margens, negociações e cruzamentos entre dimensões da vida social vistas como rigidamente delimitadas e concebidas até como opostas, mas que se permitem ver articuladas, confundidas e mutuamente atravessadas nas lutas por sobrevivência, respeito e proteção de sujeitos periféricos. Esses, por sua vez, são ao mesmo tempo arrastados no processo de transformação da vida urbana em seus espaços, ritmos, tempos e instados a contribuir para a continuidade de trânsitos humanos e materiais entre fronteiras físicas e simbólicas.O olhar sobre esses distintos cenários de trânsitos constantes e relações desencaixadas permitiu tornar mais evidentes formas de negociação e circulação de pessoas e mercadorias movidas
por diferentes fontes de constrangimento, regimes normativos e redes instrumentais. Por meio da transversalidade contextu-
al apontada pelos relatos, acreditamos poder contribuir com a iluminação de processos de natureza semelhantes, entre eles a costura, feita distintamente em cada trajetória, entre mercados criminais, agentes do Estado e atores às margens em busca de subsistência e valor humano.

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Essa transversalidade é útil também para evidenciar a natureza dos constrangimentos que tanto constituem mercados quan-to impelem atores a mover-se, cruzar cenários e dimensões. A transformação dos padrões migratórios colocados à mão de obra errante e o aumento dos fluxos proporcionados, geridos e, até certo ponto, regulados por mecanismos de transmissão de informação põem em evidência a necessidade de compreender configurações extensas, móveis e desencaixadas, como visto nas trajetórias de Clériston, Ruth e, um pouco mais indiretamente, Lorival. Essa parece ser uma exigência metodológica cada vez mais necessária atualmente.Como Misse (2006) chama atenção, as expansões de mercados ilícitos e de mercados informais pelo tecido social das cidades brasileiras são intrinsecamente relacionadas, obedecendo às particularidades da história social de cada lugar, às correlações entre ciclos econômicos e políticos, bem como ao comporta-mento desses mercados. Desde os anos 1970, aproximadamen-te, pesquisas socioantropológicas têm se empenhado por com-preender tais processos, sobretudo nas maiores capitais do país, Rio de Janeiro e São Paulo. Mais recentemente, no entanto, com a percepção de como tais mercados estão cada vez mais inter--relacionados, em nível nacional, atravessando divisas regionais
e estaduais, tem-se voltado o olhar para as margens brasileiras, os sertões ainda menos estudados.Nesse sentido, argumentamos pela necessidade de atualizar tal discussão a partir de novas perspectivas, que possibilitem recolocar e lançar novas questões. No caso alagoano, ao que nos parece, as interpenetrações entre a participação e satisfa-ção de pessoas em fronteiras ilegais/legais, ilícitas/lícitas são tensionados por ideais de segurança criminalizantes e puniti-
vistas, pautados, por exemplo, no encarceramento e em legis-lações proibitivas de práticas de diversão popular, frente a um contexto afetado profundamente por remodelagens. Isso, por exemplo, recoloca questões em torno de como ao investigar a

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expansão e desenvolvimento de mercados ilícitos e ilegais, o papel de tradições locais de gratificação não pode permanecer como intocado. No caso mais específico deste texto, os ideais de proteção e segurança na trajetória de Lorival, a participação em circuitos ilegais de divertimento como em Clériston e, mais indiretamente, Ruth.Olhar para as mobilidades de indivíduos e mercadorias que cir-cularam por entre as fronteiras alagoanas, para além de ilumi-nar a expansão dos mercados ilícitos e informais a nível local, permite compreender, com essas articulações, encaixes e desen-caixes desses mercados a nível nacional num olhar que parte da periferia do Brasil. Permite compreender também como os mais recentes rearranjos econômicos e políticos, com diferentes im-
pactos regionalmente, têm remodelado e pressionado as peri-ferias urbanas do país, bem como os arranjos dos mercados em suas imbricações nas fronteiras do (i)lícito e do (in)formal.
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Recebido em 08/07/2021Aprovado em 23/11/2021

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