“Quando a Massa Erra, o Estado
Avança”: Notas Sobre Transformações
Carcerárias e Criminais em Manaus
(Amazonas)
Fabio Magalhães Candotti*1
Resumo:
Em 2017 e 2019 ocorreram dois ‘massacres’ em prisões de Manaus,
capital do estado brasileiro do Amazonas. O discurso dominante re-
duz esses acontecimentos a uma ‘guerra’ entre facções criminosas pelo controle de rotas internacionais de tráfico de drogas. O artigo parte
de uma problematização desse discurso (de sua natureza colonial e de
seus efeitos de verdade) e esboça uma outra análise que atenta para
as correlações entre transformações carcerárias e criminais. O artigo
defende a ideia de que uma nova gestão do sofrimento e um novo regi-
me de tortura, experimentados por presos e suas familiares, foram de-terminantes para a desestabilização e reconfiguração das alianças no
crime após os massacres. O texto é fruto de uma experiência de conhe-
cimento imersa na luta anticarcerária, incluindo convivência intensa
com familiares de pessoas presas e sobreviventes, comunicações com órgãos de fiscalização e participação em inspeções dentro de unidades
prisionais.
Palavras-chave: Prisão. Crime. Familiares de pessoas presas. Sofri-
mento. Tortura.
* Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas.
Coordena o grupo de pesquisa ILHARGAS e o projeto de extensão InfoCadeia-AM. E-mail:
fmcandotti@gmail.com
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“QUANDO A MASSA ERRA, O ESTADO AVANÇA”
TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
“When the Mass Makes a Mistake, The State
Advances”: Notes on Prison And Criminal
Transformations In Manaus (Amazonas, Brazil)
Abstract:
In 2017 and 2019 there were two massacres in prisons in Manaus, capital of
the Brazilian state of Amazonas. The dominant discourse reduces these two events to a war between criminal factions disputing international drug traffick-
ing routes control. The article starts from a problematization of this discourse
(its colonial nature and its effects of truth) and outlines another analysis that
pays attention to the correlations between prison and criminal transforma-
tions. The article defends the idea that a new management of suffering and a
new torture regime, experienced by prisoners and their families, were decisive for the destabilization and reconfiguration of alliances in crime after the mas-sacres. The text is the result of an experience of knowledge immersed in the fight against prisons, including intense contact with family members of prison-
ers and survivors, communications with inspection institutions and participa-
tion in inspections within prison units.
Keywords: Prison. Crime. Prisioner’s families members. Suffering. Torture.
“Cuando La Masa se Equivoca, el Estado Avanza”:
Apuntes Sobre Transformaciones Carcelarias Y
Criminales en Manaus (Amazonas, Brasil)
Resumen:
En 2017 y 2019 hubo dos ‘masacres’ en las cárceles de Manaus, la capital del
estado brasileño de Amazonas. El discurso dominante reduce estos eventos a
una guerra entre facciones criminales por el control de las rutas internaciona-les del narcotráfico. El artículo parte de una problematización de este discurso
(su carácter colonial y sus efectos de verdad) y esboza otro análisis que se ocu-
pa de las correlaciones entre transformaciones penitenciarias y criminales. El artículo defiende la idea de que una nueva gestión del sufrimiento y un nuevo
régimen de tortura, vividos por los presos y sus familias, fueron determinantes para la desestabilización y reconfiguración de las alianzas en el crimen luego
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de las masacres. El texto es el resultado de una experiencia de conocimiento
inmersa en la lucha contra las cárceles, que incluye un contacto intenso con
familiares de presos y sobrevivientes, comunicaciones con órganos de inspec-
ción y participación en inspecciones dentro de las unidades penitenciarias.
Palabras clave: Prisión. Crimen. Familiares de personas presas. Sufrimiento.
Tortura.
1. Dois massacres, um efeito colonial1
1º de janeiro de 2017. Mais de 50 presos são mortos por outros presos dentro do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Com-
paj), em Manaus, capital do estado do Amazonas. Do ponto de
vista de pessoas que estavam presentes, as histórias são muitas:
a explosão do corpo de um ex-policial que estava no seguro2; a morte de um homem respeitado que estava no convívio e a tris-teza de seus afilhados; pessoas acusadas de estupro poupadas;
presos ‘matando mortos’ para demonstrar dedicação na tarefa de exterminar ‘inimigos’; pessoas mortas pela polícia no meio
do mato e na estrada durante a fuga; o desespero de mulheres
que haviam acabado de visitar seus parentes e ouviram gritos, tiros e, depois, os estrondos da invasão da Polícia Militar; a me-
mória da limpeza do sangue no dia seguinte; o aviso antecipa-
do semanas antes do que estaria por vir; a sensação de que os
verdadeiros interessados no espetáculo não estavam presos em
lugar algum.
1 Agradeço a Flávia Melo pelos comentários à primeira versão do texto; Rafael Godoi
pela leitura cuidadosa da penúltima versão; Karina Biondi pelos breves apontamentos de última hora; e, sobretudo, Priscila Serra pelo estímulo à escrita e por compartilhar a
caminhada que deu vida ao texto.2 As prisões são espaços subdivididos internamente conforme diversas políticas e pers-pectivas (Mallart, 2021). Uma dessas divisões, no Brasil, distingue o ‘convívio’ e o ‘segu-ro’. Nesse segundo espaço, ficam pessoas que, por diversos motivos, são ameaçadas de
morte por aquelas que estão no primeiro.
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26 de maio de 2019. Novamente, mais de 50 presos são mor-
tos por outros presos, dessa vez em quatro unidades prisionais:
a maioria do Instituto Penal Antonio Trindade (IPAT), além de
pessoas que estavam no Compaj, no Centro de Detenção Pro-
visório Masculino I (CDPM I) e na Unidade Prisional do Pura-
quequara (UPP). Novamente, os testemunhos são duros: avisos
de presos e familiares desconsiderados pela administração; familiares chorando na BR-174, na entrada do ramal onde fica
a maioria das unidades, sob a mira de policiais armados, cães
e cavalos; pessoas que foram obrigadas a matarem colegas de
cela com quem compartilhavam o sofrimento; um homem morto
na frente da mãe em meio à visita; presos se sujando de sangue para fingir ferimentos e não serem espancados por policiais; a
‘mentira’ da administração sobre mortes no dia 27: todas teriam
ocorrido no dia 26 e o dia seguinte reservado ao castigo dos que
sobreviveram.
Essa são histórias que desdobraram e continuam a manter vi-
vos os acontecimentos; testemunhos que se assemelham muito
a outros tantos compartilhadas entre pessoas presas, aquelas
que sobreviveram à prisão e suas familiares3. No entanto, não
foram dessa natureza os discursos veiculados, a partir do mes-
mo acontecimento, nas reportagens dos grandes meios de co-
municação brasileiros (Mena, 2017; Carvalho, 2019; entre tan-
tas outras) e em publicações de especialistas (Manso e Dias,
2018; Lima, 2017, entre outras). Nesse caso, o desdobramento
deu-se noutra direção: os massacres seriam parte de uma ou-
tra história, muito mais ampla, da ‘guerra entre facções’, entre
‘organizações criminosas’, originárias do Sudeste brasileiro. O primeiro selaria o fim da aliança de mais de 20 anos entre o Co-mando Vermelho (CV, então aliado da Família do Norte (FDN),
3 Trato familiares de pessoas presas no feminino simplesmente porque as pessoas que assim se identificam são uma imensa maioria de mulheres. Aprendi isso nos movimen-
tos sociais da luta anticarcerária. Ao longo do texto, nomeio esse grupo apenas como
‘familiares’.
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grupo dos algozes) e o Primeiro Comando da Capital (PCC, gru-po das vítimas, que estavam no seguro do Compaj). A razão úl-tima desse conflito estaria numa disputa entre as duas facções
sudestinas, em processo de ‘expansão’, pelo ‘controle das rotas’ do tráfico internacional de drogas. Esse massacre seria, nesses termos, um acontecimento que extrapolaria questões locais. Já
em maio de 2019, seria a vez de uma disputa interna à própria FDN, entre ‘lideranças’ fundadoras da facção, confirmando a
natureza cruel dessa organização.
Não se trata aqui de dizer que esse discurso vitorioso não te-
nha fundamentos. Temos pesquisas que o retomaram, diversi-ficaram e complexificaram, com publicações valiosas para os
estudos sobre crime no Brasil (Feltran, 2018; Siqueira e Paiva,
2019). Também não se pode dizer que as facções e suas guerras – entre si e com as polícias – não estejam nas narrativas agen-
ciadas entre as pessoas que fazem o crime. Mas, ao menos no
Amazonas, o primeiro e o segundo massacres – como hoje são
lembrados por presos, sobreviventes4 e familiares – definem
marcos históricos que extrapolam essas ‘guerras’ e estão longe
de perder sua relevância. O tempo do encarceramento é lento e
longo. Anos depois, continuam a ganhar liberdade pessoas que
estavam do lado de dentro; ainda visitam seus parentes pessoas
que estavam do lado de fora. Trata-se, ainda, de marcos dian-
te dos quais movimentos sociais da luta anticarcerária receiam
expressar um luto público sob pena de estarem homenageando
mortos que, para algumas pessoas vivas, importantes e arma-das, eram inimigos e mereceram esse fim. Ao mesmo tempo, a convivência com familiares e sobreviventes ajudou a confirmar
que uma problematização elaborada no calor do momento não
estava no caminho errado: do ponto de vista de quem vive no
Amazonas, a novidade, bem como o maior perigo em questão,
4 ‘Sobreviventes’ é a maneira como aprendi, na luta anticarcerária, a chamar as pessoas que
passaram pelas (e, portanto, sobreviveram às) prisões. O termo extrapola a noção jurídica e
administrativa de ‘egressos’ ou ‘egressas’.
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não era a expansão do PCC e do CV, nem a ascensão de Família
do Norte – que, aliás, em 2017 talvez já completasse uma década e demonstrasse sinais de declínio. A novidade era a atualização
de uma velha, poderosa e colonial “grande narrativa do Norte”
(Candotti, Melo e Siqueira, 2017).
De maneira muito resumida, pode-se dizer que acontecimen-
tos situados em cidades e estados do Norte do Brasil são mui-
tas vezes narrados como eventos ‘amazônicos’. E sobre a ‘Ama-
zônia’ há uma produção discursiva e imagética difusa bastante monótona: é uma região definida pela sua natureza florestal,
pela pouca presença de um povoamento ‘civilizado’ e por uma diversidade dispersa de povoamento ‘indígena’. Os processos definidos como civilizatórios, sejam eles considerados bons,
sejam maus, são vistos como estrangeiros: ocupam, pene-
tram, desbravam, racionalizam, docilizam, catequizam (etc.)
uma terra ainda um tanto virgem e ao mesmo tempo sedutora, traiçoeira e infernal. Há aí todo um enquadramento de gêne-
ro – erotizado e racializado – do velho encontro colonial. Em
poucas palavras, a região Norte do Brasil é, ainda hoje, pensa-
da como uma colônia, sendo também governada enquanto tal
(Candotti, 2022).
A esse discurso soma-se outro. Faz 30 anos que William da Silva Lima alertou para a centralidade de uma invenção micropolítica brasileira no momento historicamente definido como transição
democrática: a acusação, por uma “repressão” órfã de seus ve-lhos alvos, de presos abandonados no “fim de linha” do sistema
carcerário como “inimigos públicos número um” (Lima, 1991).
Trata-se da nomeação da Falange Vermelha, logo convertida em
Comando Vermelho, com apoio intenso dos meios de comunica-
ção de massa. Invenção que se sustenta numa “paranoia branca” e racista capaz de inverter o que parece óbvio e definir como
perigosas pessoas cujas vidas estavam em perigo, expostas à
morte (Butler, 2020). Desde então, um dispositivo discursivo e necropolítico de ‘crime organizado’ cresceu, complexificou-se e
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encontrou em uma nova geração de coletivos prisionais e crimi-
nais seus pontos de apoio para gerir os ilegalismos populares
(Hirata, 2018) e promover uma expansão carcerária inimagi-
nável durante a ditadura militar. Sobre uma multiplicidade de
acontecimentos que fazem o crime e que vivem a massa de pes-
soas presas no Brasil, projetou-se a imagem de ‘organizações’
hierarquizadas e espelhadas no Estado, desejosas de ocupar o
seu lugar, meio empresariais, meio guerreiras (Biondi, 2017;
Feltran, 2018).
Quando, então, um ‘massacre’ ocorre dentro de cadeias de uma
cidade com mais de 2 milhões de habitantes, não é uma surpresa
que a mesma lógica seja acionada: organizações estrangeiras, as
facções, chegaram à região levando uma certa racionalidade em-
presarial e militar ausente no universo criminal local com o obje-
tivo de ocupar a região e controlar espaços supostamente vazios
ou geridos por grupos mais selvagens. Esse diagnóstico é então
acompanhado pela defesa de uma maior presença estatal armada
na ‘região’ – e não necessariamente em Manaus. O foco é a ‘rota’
que as facções sudestinas disputam, a começar pelas fronteiras internacionais, definidas como ‘abertas’ e ‘descontroladas’.
Não se trata de negar a violência armada dos coletivos crimi-
nais – que por sinal acusam-se mutuamente de ‘oprimir tra-
balhadores’ e pessoas presas –, nem da relevância econômica
de seus negócios. O que importa, aqui, é o efeito de verdade
produzido por um certo discurso e as maneiras como ele pode
servir de ponto de apoio para velhas e novas formas de poder.
Quanto a isso, os ‘massacres’ parecem ter servido de justifica-tiva para um fortalecimento das polícias e da presença militar
no estado do Amazonas. Nas ruas (e rios), nota-se o aumen-to da quantidade de drogas apreendidas; uma menos visível
e comprovável (mas em todo caso muito falada) redução de drogas acessível no varejo; e uma intensificação do confron-to entre facções e polícias, que já levou a (pelo menos) três
chacinas escandalosas promovidas por policiais, inclusive em
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serviço5, e que, em junho de 2021, culminou em ‘ataques’ do CV
(com queima de ônibus e carros, bombas em bancos e monu-
mentos e granadas em delegacias) acompanhados da acusação de formação de uma ‘milícia’ comandada pelo então secretário
de Segurança Pública, que estaria roubando drogas e ouro de traficantes6.O foco empírico deste artigo, contudo, centra em outro aspecto
da ampliação do poder policial e militar como efeito do discur-
so dominante sobre os dois massacres. Algo menos evidente e
espetacular, mas, ainda assim, uma verdadeira revolução num
dos eixos de relação de poder mais importantes quando o as-sunto é o crime e suas políticas e mercados: duas semanas após o primeiro massacre, a Polícia Militar assumiu a administração penitenciária do Amazonas e, ao longo dos anos, modificou a
gestão cotidiana das cadeias amazonenses. Minha proposta é apresentar uma primeira aproximação analítica a respeito das
correlações entre transformações carcerárias e criminais duran-te esse período recente, chamando atenção para a maneira como
uma nova gestão do sofrimento e um novo regime de tortura,
experimentados por presos e familiares, foram determinantes para a desestabilização e reconfiguração das alianças no crime.
Trata-se de uma correlação semelhante às “incitações” mútuas
analisadas por Biondi (2017) e muito distinta daquela que reduz
a relação entre encarceramento e coletivos criminais ao aprovei-
tamento das prisões para o ‘recrutamento’ de novos membros. Mais especificamente, limito-me a mudanças nas cinco unidades
masculinas da capital, que concentram cerca de 70% da conta-
5 Refiro-me ao ‘fim de semana sangrento’ de julho de 2015 (mais de 30 assassinatos); à
‘chacina do Crespo’, em outubro de 2020 (17 pessoas assassinadas); e à chacina de Taba-
tinga, em junho de 2021 (pelo menos sete assassinatos). No meio disso, ainda houve um
conjunto de assassinatos (ao menos cinco pessoas) em agosto de 2020 no Rio Abacaxis, em operação policial justificada pela suposta atuação de traficantes.
6 Perspectiva nem um pouco escandalosa do ponto de vista dos estudos sobre mercados
ilegais no Brasil (Misse, 2002; Hirata, 2018; Rodrigues, 2019) e, mesmo, no Amazonas
(Hirata, 2019; Paiva, 2019).
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gem de pessoas em regimes provisório e fechado nos últimos
anos no Amazonas7. Prisões que, como puder ver, são povoadas por pessoas negras, indígenas e descendentes de indígenas8.
A análise que segue é, ainda, um conjunto de notas elaboradas
a partir de uma experiência de conhecimento muito nova para
mim, radicalmente aliançada a pessoas cujas vidas e lutas re-
sistem ao sistema carcerário. Após anos de pesquisas dispersas
e acompanhamento de estudos de orientandas e orientandos
sobre temas aproximados, em 2019 iniciei uma imersão que,
rapidamente, transbordou o mundo acadêmico. Impulsionado pela intensificação dos microfascismos e pelo recente segundo
massacre, realizei junto com estudantes do meu grupo de pes-
quisa (ILHARGAS) um evento na Universidade Federal do Ama-
zonas intitulado “Sofrimento e morte nas prisões”. O evento teria
sido outro se poucos meses antes algumas familiares de pessoas
presas não tivessem fundado, a partir do sofrimento vivido pelo
mesmo massacre, o Coletivo de Familiares e Amigos de Presos
e Presas do Amazonas (Coletivo FAPAM). Curiosamente, foi um
aliado de ideias, especialista no tema e militante sudestino, Fábio
Mallart, que sugeriu convidar Priscila Serra, articuladora dessa
nova organização. Ele havia visto uma fala dela em São Paulo,
durante o I Seminário Amparar9. No nosso evento, entre um de-
7 O Amazonas possui hoje 18 unidades prisionais, sendo 10 no interior e oito na capital.
Dentre essas, além das cinco unidades que acompanhei mais de perto, há um Centro de
Recebimento e Triagem, uma Enfermaria Psiquiátrica, e o Centro de Detenção Femini-
no (CDF, antigo Centro de Detenção Provisória Feminino). Até meados de 2021 havia
também a Penitenciária Feminina de Manaus (PFM), fechada em razão da baixa taxa de
ocupação. Cheguei a entrar na PFM em fevereiro de 2020 para aplicação de questioná-
rios. Mas ao longo dos últimos anos, a convivência com familiares e sobreviventes de unidades femininas não foram suficientes para formular alguma ideia relacionada com o
tema aqui proposto. A unidade de regime semiaberto foi fechada em 2018 ampliando o
uso da tornozeleira eletrônica.
8 Nas minhas quatro entradas dentro de unidades prisionais de Manaus, nunca encon-
trei, entre presos e presas, uma pessoa branca como eu. Ainda está por ser feita uma
discussão cuidadosa sobre racismo no Norte do Brasil, a meu ver relativamente distinto do restante do país.
9 Amparar é a Associação de Amigos e Familiares de Presos de São Paulo.
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fensor público, um pesquisador, um representante da Pastoral
Carcerária de Manaus e a mãe de um jovem desaparecido pela polícia, Priscila centralizou as atenções com uma fala carregada de uma potência política pouco usual. Entre minhas anotações – incluindo descrições e análises de cenas de castigos físicos, hu-
milhações impostas a familiares, entre outros sofrimentos – lá
estava: “e quando tem massacre, colocam a culpa na facção”.
Desde então, passei a caminhar ao lado dessa ativista, junto a
outras familiares do Amazonas e de outros estados do Brasil,
compartilhando não somente ideias e projetos, mas também os
afetos provocados pelo sistema: medos, desesperos e ansieda-
des, angústias e esperanças, alegrias e ódio. Foi nesse percurso
que participei de uma pesquisa coordenada por pesquisadoras da UFMG e construída junto com familiares e sobreviventes do
cárcere, a respeito dos impactos psicossociais do encarceramen-
to10. Esse projeto me proporcionou uma primeira entrada em
unidades prisionais de Manaus. Mas, sobretudo, foi nessa cami-
nhada que ajudei a construir a Frente Estadual pelo Desencar-
ceramento do Amazonas (doravante Desencarcera Amazonas),
movimento do qual me tornei também articulador e que repre-
sentei em mais de 20 reuniões com instituições da justiça estatal e em duas inspeções em presídios de Manaus. Foi também com Priscila que assinei mais de 50 ofícios com denúncias e pedidos
de informação e de providências – sem dúvida, o maior traba-
lho de coautoria que já realizei. Textos muitas vezes densos e
extensos, embasados em levantamentos cuidadosos de relatos
e documentos. Também foram diversos os encontros presen-
ciais e trocas online com outras familiares do Coletivo FAPAM
e com o pequeno, mas potente grupo de mulheres negras que
toca o Desencarcera Amazonas. Ampliando o raio de relações e
mobilidades, passei a atuar na construção da Agenda Nacional
10 Projeto “Impactos Psicossociais do encarceramento no cotidiano das famílias e em
sua relação com preso/as e egresso/as” coordenado por Vanessa Andrade de Barros e Carolyne Reis Barros e financiado pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN).
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pelo Desencarceramento, movimento social que nos últimos anos revirou sua composição e política a partir do protagonis-
mo de familiares e sobreviventes11. Foi enfim, em função dessa
aliança que criei, em 2021, o projeto InfoCadeia-AM12. Tudo isso num período de tempo profundamente marcado pelos dramas
e urgências da pandemia da Covid-19, cujos efeitos imediatos
e duradouros nos sistemas carcerários de todo o mundo ainda
estamos digerindo.
As notas que seguem foram escritas nesse contexto, que não foi
previamente nem posteriormente delimitado como um campo
de pesquisa. Contexto produzido ativamente junto a outras pessoas e que atravessa e conecta ‘subterrâneos’, ‘superfícies’
e ‘cumes’ do dispositivo carcerário, envolvendo e sobrepon-
do práticas de conhecimento variadas (Godoi et al., 2020)13.
Contexto produzido, ainda, com meu corpo branco, mascu-
lino e não feito pelo trabalho braçal posicionado ao lado de uma maioria de mulheres negras e descendentes de indígenas
numa fronteira entre saberes, cujas diferenças foram historica-
mente agenciadas em meio a desigualdades brutais de gênero,
raça, classe e origem. Uma fronteira cuja natureza colonial se intensifica em nossa região ‘amazônica’ (Candotti, 2022), mas
que, felizmente, é cada vez mais problematizada, tensionada e desconstruída nas universidades brasileiras e nos movimentos
sociais. Este artigo soma-se, assim, a um processo amplo, múl-
tiplo e potente de questionamentos radicais sobre a produção
11 Sobre a história recente da luta anticarcerária no Brasil, ver Telles et al. (2020).
12 InfoCadeia-AM: Informações sobre Encarceramento no Amazonas” é um projeto de
extensão universitária que visa monitorar violações de direitos no sistema carcerário em
aliança com movimentos sociais.
13 Nesse artigo, sobre a produção de conhecimentos (não somente acadêmicos) atra-
vés do engajamento na Pastoral Carcerária, os autores distinguem essas três camadas:
‘subterrâneos’, onde estão espaços prisionais como seguros e castigos, que demandam a produção de testemunhos; ‘superfícies’, que possibilitam cartografias; e o ‘cume’, cor-respondendo às instâncias jurídicas e administrativas, “desdobrando-se em cascatas”,
diante das quais “resta apelar à razão, à racionalidade, à razoabilidade” (Godoi et al.,
2020, p. 155).
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coletiva de conhecimentos, implicando um devir meu, de mi-
nha própria branquitude e masculinidade, interpeladas ora na
direção da desconstrução, ora na da pura instrumentalização14.
Nada, portanto, que eu consiga traduzir como ‘observação par-ticipante’. Mas, também, nada facilmente traduzível por outros sentidos contemporâneos de ‘etnografia’ que insistem em de-
marcar positivamente uma diferença de conhecimentos da qual proponho um esforço, difícil, mas necessário, de contestação e
diluição. Mesmo que em outras publicações essa diferença es-
teja reposta (Candotti, Pinheiro e Alves, 2019), sigo aqui uma reflexão recente na qual, situado numa fronteira colonial, pro-ponho um processo errante e reflexivo de elaboração de um
conhecimento comum, divergente e fronteiriço, tensionado por
confrontos e convergências entre perspectivas e mundos (Can-
dotti, 2022). Nos termos de Flávia Melo (2020) um conhecimen-
to ‘impuro’, forjado “na fronteira, no entrelugar” (p. 56).
Isso se expressa na escrita, entre a primeira pessoa do singular
e a terceira pessoa do plural, entre uma inevitável expressão
de conceitos e afetos incorporados na luta, entre o testemunho e a micropolítica, voltada à construção coletiva de teorias ca-
pazes de ultrapassar o seu próprio contexto militante de cria-
ção. Nisso, dentro da própria universidade, estou muito longe
de estar sozinho e sigo os caminhos já traçados por aliadas e
aliados cuja produção escrita vem há décadas transformando
o saber acadêmico sobre crime e prisão dedicando-se à “des-montagem do arcabouço conceitual que justifica a inflição de
sofrimento como meio de correção de desvios e prevenção de
violências” (Godoi et al., 2020, p. 156; Padovani, 2018; Mallart,
2021; Siqueira, 2020; entre outras citadas ao longo do texto).
14 Em muitas situações, minha condição de homem, branco e ‘professor’ – maneira como sou identificado em muitas situações – foi fundamental para uma comunicação mais eficaz com representantes do sistema de justiça e da administração penitenciária
e com jornalistas.
Fabio Magalhães Candotti
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Também desdobro aqui um longo e intenso diálogo sobre as
formas de governo que colonizam nossas vidas ‘amazônicas’ e
as resistências de mulheres em movimento (Olivar, 2017; Melo,
2020). Em especial, neste artigo, diálogo com as análises de Ra-
fael Godoi (2017, 2019) sobre a produção de sofrimentos e a
soberania assustadora da administração carcerária.
2. “Quando a massa erra, o Estado avança”
O cotidiano das prisões masculinas de Manaus nos anos que an-
tecederam o primeiro massacre é objeto de histórias diversas.
Familiares de presos lembram com nostalgia dos dias de visita, quando ainda podiam levar mais de 1kg de comida, muitas vezes
compartilhada entre as pessoas presentes – ainda que sempre
revirada de maneira humilhante no momento da revista e ainda que o atraso na saída configurasse uma medida de suspensão.
Por vezes, algumas visitas pernoitavam. Na memória de um so-
brevivente, as celas do Compaj não só permaneciam abertas du-
rante a maior parte do dia, como tinham ventilador e, algumas,
televisores. Naquela época, para ele, “não tinha SEAP”.
A perspectiva do sobrevivente de algum modo converge com a
de funcionários e funcionárias da época. Entre 2013 e 2015, em
pesquisa pioneira no Amazonas, Ítalo Siqueira (2016) realizou
uma série de entrevistas com agentes penitenciários (concursa-
dos) e agentes de disciplina e socialização (terceirizados). Por um
lado, as falas relatam a emergência de facções (PCC e FDN) como fator que modificou a relação de forças no cotidiano prisional, ge-
rando ‘insegurança’. Por outro, dão conta de outra ‘chegada’:
Chegou esse papo de direitos humanos e não pode mais ba-
ter. A gente tem direito a não ter direitos. Pelo menos an-
tes acontecia o respeito. O preso tinha que cortar o cabelo.
Quando tinha um mais gaiato, era só a gente levar para o
canto de sempre e dar o corretivo. A empresa só dizia que
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tínhamos carta branca, quem mandava era nós. Agora não
pode mais bater, até mesmo, porque são os presos que man-
dam agora. (apud Siqueira, 2016, p. 175).
Anos depois, em 2021, nos últimos minutos de uma inspeção em uma unidade masculina, enquanto juízes e funcionários do Fórum de Justiça desfrutavam de uma mesa de lanches ofereci-
da pela SEAP, sendo servidos por um preso e uma presa trans
devidamente uniformizadas e silenciosas, um gestor da Secre-
taria e policial militar veio até mim e Priscila – que nos recu-samos a comer, uma vez que entendíamos estar numa posição de fiscais. Ele queria falar dos ganhos obtidos por familiares durante o período da atual administração, iniciada em 2019. An-
tes, “o crime organizado mandava aqui dentro”, a tal ponto que
“as mulheres tinham preferência e as mães esperavam do lado
de fora”. Como uma de nossas preocupações era com os novos conflitos entre coletivos rivais, após explicar a distribuição das
facções minoritárias em diferentes pavilhões de diferentes uni-
dades, garantiu-nos que não havia mais risco de um novo mas-
sacre porque já não havia mais celulares nas mãos de presos.
Esse jogo de perspectivas expressa uma transformação que se
inicia em 1º de janeiro de 2017, com o primeiro massacre. 13 dias após, em meio a transferências de ‘lideranças’ para presí-
dios federais, um tenente-coronel assume a SEAP no lugar de
um policial federal considerado ‘humanista’. Não era a primeira
vez que um militar ocupava o cargo15, mas agora a nova gestão
iniciava-se com apoio das Forças Armadas e uma sequência de
operações conjuntas sob a atenção do jornalismo nacional e in-
ternacional. O novo discurso administrativo fala em ‘menos li-
15 O coronel Louismar Bonates foi titular da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos
(Sejus) entre janeiro e dezembro de 2014 e, em seguida, o primeiro-secretário da nova
SEAP, entre março e setembro de 2015, quando deixou o cargo, acusado de ‘negociar’
com ‘lideranças’ de facções. O mesmo coronel volta ao executivo como titular da Secre-
taria de Segurança Pública em 2019, deixando o cargo após os ‘ataques’ do CV e o salve, citado na introdução, acusando-o de chefiar uma milícia.
Fabio Magalhães Candotti
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TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
berdade’: o massacre ocorreu porque os presos ficavam soltos
dentro das cadeias. O ‘banho de sol’ é reduzido a duas horas.
Contudo, na memória de familiares e sobreviventes, é a partir de
dezembro de 2018, com a morte de um agente penitenciário no
Compaj, que a relação de poder se desloca de maneira radical.
Conforme me contou um sobrevivente, o agente “tratava as mu-
lheres muito mal, revirava a comida, humilhava e ainda olhava para as partes íntimas. No dia em que ele morreu a mulher do
preso que matou desceu chorando”. O ‘geral’ do Compaj ainda teria dito para o preso “segurar a onda”. Já eram novos tempos.
Após a morte, ainda em dezembro, além de um longo castigo co-
letivo na unidade, limitaram o peso da comida levada no dia de
visita e a quantidade de itens do ‘futuro’, pacote de mantimentos
de limpeza e higiene entregue por familiares.
Pode não haver uma relação causal direta, mas em janeiro de
2019, com a mudança de governador do Amazonas, uma nova
gestão assume a SEAP, agora completamente militarizada e com uma nova política administrativa. Um ano depois, em janeiro de 2020, o Coletivo FAPAM apresentou ofício à Defensoria Pública Geral, à Procuradoria-Geral e à Presidência do Tribunal de Justi-
ça com denúncias e reivindicações.
Relatamos que nas revistas Presos e Presas são submetidos à tortura física sendo agredidos, feridos gravemente, são
colocados em celas com o quádruplo de pessoas além da
capacidade, nossos entes nos relataram as violências psi-
cológicas ao ouvirem os gritos de dor daqueles que sofrem violências físicas - sufocamento, socos, ponta-pés, pisotea-
mentos de pessoas deitadas no chão das celas, etc. - uso ex-
cessivo de armamento menos letal e como castigo tem ener-
gia e água desligado, retirada de colchões e ventiladores ,
suspensão do banho de sol e refeições, e o impedimento
da entrada do familiar no dia da visita, a narrativa se torna difícil, pela dificuldade de “criação de provas”, acrescida do
Medo de retaliações. (Coletivo FAPAM, 2020, n.p.).
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“QUANDO A MASSA ERRA, O ESTADO AVANÇA”
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Segundo o testemunho de familiares e sobreviventes, a partir de
maio de 2019, com o segundo massacre, ao menos nas unidades masculinas, instaura-se o que se pode definir como uma nova ges-
tão do sofrimento. Isso inclui um novo regime de revista, que se
tornará diária, com presos completamente despidos sob a mira de
armamento menos letal e letal do Grupo de Intervenção Peniten-ciária (GIP). A água é racionada ao extremo com a justificativa de
evitar a criação de túneis; a energia é progressivamente cortada,
primeiro como ‘castigo’ e depois permanentemente, com a retirada da fiação também por motivo de ‘segurança’ (carregamento da ba-
teria de celulares), o que resulta na ausência de ventiladores numa cidade cujo clima é definido pelo calor. Os presos passam a ser
uniformizados e têm os cabelos raspados. Agora “sem privilégios
para as mulheres de lideranças”, a revista de familiares torna-se
um processo de humilhação sistemática. Entre outros sofrimentos,
elas passam fome por não comer um dia antes da visita para evitar
o aparecimento de manchas de gás no bodyscanner, o que impede
suas entradas. A entrega do ‘futuro’ é suspensa, bem como a entra-da de comida nos dias de visita. Enfim, um novo regime de ‘castigos
coletivos’, com suspensão total das duas horas de banho de sol, de
atendimentos médicos, medicamentos e da entrega de material de
limpeza; redução radical da alimentação e corte de água por mais
de um dia; e espancamentos e tiros de bala de borracha (inclusive
através das grades das celas) promovidos pelo mesmo GIP e por
outros agentes penitenciários. Isso tudo por, pelo menos, uma se-
mana para pavilhões inteiros e em resposta não somente a ameaças
de rebelião ou fuga ou a descoberta de celulares: também a denún-cias feitas a juízes e defensores durante inspeções, pelas menores
“indisciplinas” individuais ou, ainda, por ações desesperadas como
‘batidões’ demandando atendimento médico ou simplesmente um
medicamento urgente para alguém.
Um dos primeiros atos da nova administração da SEAP, antes mes-
mo do segundo massacre, foi a criação do Grupo de Intervenção Penitenciária (GIP), assemelhado a outros tantos instituídos nas
últimas duas décadas no Brasil sob o signo da ‘segurança’. O docu-
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TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
mento com as “normas gerais de ação” (SEAP, 2019) mostra uma
ambiguidade que se faz presente no cotidiano prisional. Ao mesmo
tempo em que trata de “procedimento (sic) a serem adotados (…)
por ocasião de casos de desencadeamento de ações extraordinárias
decorrentes de quebra da ordem por parte da população carcerá-
ria”, listando como “hipóteses” tentativas de fuga e fuga com ou sem reféns e “motins”, o texto define como objetivo do grupo “a aplica-ção da lei” e justifica o uso de “técnicas de Intervenção Tática (…)
durante as indisciplinas de internos” (idem, p. 2-3):
Para alcançar o objetivo e com amparo da lei de execução
penal brasileira, as unidades devem ter procedimentos bem
organizados e orientados para que a rotina diária trans-
corra dentro da normalidade e de forma segura, evitan-
do assim a indisciplina e a possibilidade do fortaleci-
mento do crime organizado dentro do âmbito prisional.
Com isso, vimos a necessidade e a importância da implanta-
ção de procedimentos organizacionais e de segurança bem definidos e organizados, com servidores bem treinados e instruídos, tanto na execução dos serviços de rotina, bem
como na resolução de uma crise como primeiro inter-
ventor. (SEAP, 2019, p. 3-4, grifos meus).A criação do grupo se justifica ora pela necessidade de enfren-
tamento de “crises” e “quebra de ordem”, ora pela resposta a
“indisciplinas” de pessoas presas. Mais do que isso, insere-se de maneira nebulosa no enunciado de uma política de “norma-
lidade” e “segurança” da “rotina”, elaborada como prevenção à
mesma “indisciplina” e ao “fortalecimento do crime organizado”. Nessa ambiguidade normativa do GIP aparece a síntese da pro-
messa pública principal da gestão iniciada em janeiro de 2019,
apenas reforçada com o segundo massacre16.
16 Uma questão que ainda precisa ser melhor observada é a importância que teve a pre-
sença da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP) do Departamento Penitenciá-
rio Nacional (DEPEN), logo após o segundo massacre e que durou quase três meses. Um texto de Lucas Silva e Luísa Cytrynowicz (2019) dá boas pistas para pensar.
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“QUANDO A MASSA ERRA, O ESTADO AVANÇA”
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Em resumo, nos termos de um dos gestores da SEAP, ao justificar
a nova ‘rotina’: “quando a massa erra, o Estado avança”. Nos ter-
mos de um sobrevivente, que estava do lado de dentro durante
os dois massacres: “o crime é burro”.
3. “Nós tinha tudo e acabamos praticamente com nada”
Em 10 de fevereiro de 2020, uma segunda-feira, estava progra-mado o início de um campo da pesquisa nacional financiada pelo
DEPEN. Uma pesquisadora e um pesquisador de fora do esta-
do haviam chegado um dia antes e seria a primeira vez que eu entraria numa unidade prisional. Deveríamos passar a semana
aplicando questionários com pessoas presas e familiares e fa-zendo entrevistas com profissionais de alguns setores do siste-ma e de fora. Mas o fim de semana já não havia sido tranquilo. Nas ruas, as notícias eram de muitas mortes e de ‘áreas’ da FDN ‘tomadas’ pelo CV. Parecia o ápice de um conflito que já durava meses e que havia se intensificado em janeiro. Na sexta-feira, a administração suspendeu as visitas e familiares passaram o fim
de semana aterrorizadas com a ideia de um novo massacre. A
FDN era a facção majoritária em todas as unidades. Na segunda-
-feira à tarde, já ciente desse medo, a equipe de pesquisa foi à
sede da SEAP para conversar sobre os procedimentos da pes-
quisa. Fomos recebidos pela representante da assistência social
da Secretaria que, em meio a uma longa fala sobre as atividades
de seu setor – como o novo aplicativo de agendamento online de
visitas, que “ajuda a controlar melhor” – informou que naque-les dias não seria possível aplicar questionários em função de
“questões de segurança”. O gestor que poderia autorizar estava,
segundo ela, na BR 174, onde se concentra a maioria das unida-
des, ocupado com a “situação”.Assim que a reunião terminou, recebi notícias mais detalha-
das do que poderia estar ocorrendo do lado de dentro: quatro
unidades masculinas tinham ‘fechado’ com o CV. Uma única
Fabio Magalhães Candotti
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TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
morte havia sido registrada. O medo principal era a situação
do Compaj, a principal cadeia de Manaus, onde a FDN era a úni-
ca facção. No começo da noite, um áudio chegou no aplicativo
de conversas do meu celular. Diziam ter sido gravado dentro
daquela unidade. No dia seguinte, a transcrição estava nos por-tais de notícia online. O CV agora era majoritário em todas as
unidades de Manaus.
Os líderes acharam melhor ter a paz. Tanto dentro quanto
fora do sistema. Nós tinha tudo e acabamos praticamente
com nada, por conta dos teleguiados. Ninguém tá ganhan-
do nada com a guerra, ao contrário. Ninguém se acovardou,
simplesmente fechamos a aliança. Não foi nenhum de nós
que tomou a decisão. Foi deles. O pedido veio das ruas. Nin-
guém dá assistência a nada. Nem energia a gente tem, que é
um direito nosso. Até segunda ordem, vamos manter o res-
peito e disciplina. Somos todos sujeitos homens. Estamos
sendo transparentes. (Portal Marcos Santos, 2020).
A fala vai na contramão das expectativas criadas pela perspec-
tiva dominante: não houve ordem do lado de dentro, mas um
“pedido” do lado de fora; a “guerra” não parecia estar funcionan-
do para nenhum lado e a resolução não foi mais um massacre, mas uma “aliança”; enfim, talvez o mais importante, a situação dentro das prisões é citada como uma razão suficiente para essa
“aliança”. Tinham “tudo” e agora estavam “praticamente com
nada”, sem “assistência” “nem energia”. A fala sintetiza em pou-quíssimas palavras – entre elas “um direito nosso” – o que fami-
liares e sobreviventes já estavam dizendo do lado de fora.
Quase no mesmo momento em que o áudio circulou, foram ouvi-das longas rajadas de fogos de artifício por toda a cidade. Naque-
le mesmo dia, o Partido dos Trabalhadores fazia 40 anos, mas comemorava-se outra aliança avermelhada, outra política. A noi-
te, porém, não acabou tranquila. Mais um áudio vindo do lado
de dentro pedia que familiares fossem para a estrada e chamas-
sem ‘os direitos humanos’. A administração estaria ameaçando
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“QUANDO A MASSA ERRA, O ESTADO AVANÇA”
TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
entrar com o Choque da PM e matar os presos. O medo de um
novo massacre entre presos apenas se somou ao velho pavor de
um novo massacre pela PM, acusada de aproveitar os eventos
de 2017 e 2019 para matar e torturar aqueles que sobrevive-
ram. Novamente, dezenas de mulheres foram para a BR 174 e
lá passaram a noite diante do portão que controla a entrada do ramal onde está a maioria das unidades. Não tivemos notícias de
mortes. Na quinta-feira, eu entraria no Compaj para entrevistar
uma maioria de presos de roupas amarelas, após a interferência
da administração na amostra da pesquisa.
4. “Ficam incentivando a violência e o ódio entre internos”
O medo de um novo massacre, portanto, permanece. Foi assim no
auge da primeira onda da pandemia da Covid-19 em Manaus, com
o sistema de saúde e os cemitérios colapsados. Após a suspensão
das visitas de familiares, a fala de um policial a um sobrevivente,
então preso nessa unidade, resume o clima: “agora vocês vão ver quem é a Polícia Militar do Amazonas”. No início do mês de abril,
a Pastoral Carcerária Nacional já havia reportado à imprensa uma
denúncia de centenas de presos doentes por Covid-19 nessa uni-
dade (Anjos et al., 2020). Logo em seguida, a SEAP noticia em seu
site e em suas redes sociais a interceptação de celulares arremes-
sados e a descoberta de um túnel na mesma cadeia. A cada pu-
blicação online, do lado de fora, familiares tinham como certo o ‘castigo coletivo’ para todos os presos. Em 2 de maio, enfim, ocor-
re a ação considerada mais desesperada de todas: presos viram a
cadeia e usam celulares de agentes penitenciários para pedir so-
corro e a presença dos ‘direitos humanos’: “tem irmão morrendo aqui dentro”, dizia uma pessoa enquanto filmava celas mofadas e a ausência de fiação e ventiladores. O resultado da revolta foi a invasão da unidade por mais de cem homens da PM com a justifi-
cativa pública de que presos estavam usando o evento para armar
uma fuga. As histórias contadas por pessoas que continuam pre-sas e que saíram confirmam a certeza de familiares e contam que,
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após semanas de castigos coletivos sucessivos, o primeiro ato da
revolta foi providenciar água e comida. Também falam num surto de gripe e pessoas desmaiando por falta de ar. Enfim, fazem ver
uma longa sessão de tortura: tiros de bala de borracha em corpos rendidos, nus, enfileirados e colados uns aos outros na quadra;
pessoas obrigadas a sentarem nas cinzas de colchões; corredores
de espancamento; mais bala de borracha em corpos em posição
de ‘procedimento’ dentro das celas; e um mês de castigo coletivo
– entre outros detalhes17.
Em julho de 2020, com volta de 15 presos de penitenciárias fede-
rais, mais rumores correram sobre a possibilidade de um novo
massacre. Eles pertenceriam à FDN e, talvez, ao PCC, facções
reduzidas a poucos pavilhões de seguro do sistema carcerário
de Manaus, sendo um deles em Regime Disciplinar Diferenciado
(RDD). Em 1º de março de 2021, quando as visitas de familiares
estavam suspensas por conta da segunda onda da Covid-19, o
Desencarcera Amazonas recebeu uma carta anônima que nar-
rava uma transferência de presos entre pavilhões no Instituto
Penal Antonio Trindade (IPAT). Seis dias antes, 25 pessoas que estavam no pavilhão C – no convívio compartilhado somente por
quem ‘corre junto’ ou não tem inimizade com membros do CV
– teriam sido levadas para o pavilhão RDD, até então ocupado
exclusivamente por pessoas tidas como ‘lideranças’ de facções
rivais. Em troca, 24 pessoas desse seguro teriam sido deslocadas
para o pavilhão C.
Relatos de internos do Pavilhão C:
No sábado dia 27 de fevereiro de 2020, um funcionário da
seap atirou no pé de um integrante do PCC, enquanto faziam um procedimento. O reeducando ficou com o dedo estourado.Os agentes ficam pedindo para que os internos do Pavilhão
C, que são CV, matem os presos do PCC e CDN, pois eles são a
17 A respeito dessa rebelião e da gestão carcerária da pandemia em Manaus, ver Can-
dotti (2020).
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maioria e os inimigos só ocupam 4 celas. Ficam incentivan-
do a violência e o ódio entre internos.
Que estão fazendo batidões, em todas as celas em protesto, porque deixaram os inimigos no meio do convívio da massa
esmagadora.
Que os integrantes do comando vermelho não estão tendo banho de sol desde o final de semana, por conta dos Inter-
nos das 2 facções rivais. Só havendo banho de sol para mem-
bros do PCC e CDN.
Que agentes prisionais ameaçam internos do Pavilhão C a
começarem a matar os integrantes do PCC e CDN, se isso
não acontecer, eles deixaram os integrantes do comando
vermelho sem colchão e sem saco de lixo, dizendo que as
coisas vão piorar caso eles não façam algo contra os inimi-
gos, forçando assim barbárie.
Que desde que levaram os 25 internos que moravam no Pa-
vilhão C para a Rdd e os integrantes de facções rivais que
moravam na RDD, para morar no C, a água só é liberada vez
no dia e por mais ou menos 5 minutos.
Que os internos passam quase que o tempo todo acordados,
temendo por suas vidas, pois a qualquer momento pode
acontecer uma tragédia, não estamos pedindo nada, somen-
te exigindo que seja cumprido a lei, pois enquanto todos
eles estiverem ali dentro quem tem que resguardar a vida deles é o próprio estado, Cade o Juiz da vara de execuções
penais responsável pelas umidades prisionais? Cade o mi-nistério publico para fiscalizar esse absurdo? Cadê a mídia
para divulgar o que a SEAP esta fazendo com esses internos
instigando a violência e morte dentro do IPAT.
Só queremos paz para os inernos, para que cada um cumpra sua pena e possa voltar ao convívio da sociedade18.
Após encaminharmos a carta à Defensoria Pública, no dia 3 de
março, eu, Priscila Serra e mais dois representantes da Comis-
são de Direitos Humanos da OAB acompanhamos uma inspe-ção no IPAT, a convite de um defensor público. Quando enfim
chegamos ao pavilhão C, a troca de presos havia sido (parcial-
18 A carta está citada na forma exata como chegou até mim, com erros de digitação e sem passar por uma revisão em acordo com a norma culta da língua portuguesa.
Fabio Magalhães Candotti
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TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
mente) desfeita um dia antes, conforme informação da própria direção da unidade, que, portanto, confirmou parte da denún-
cia. Ao menos não havia mais presos de facções rivais no con-vívio – mistura que ainda se mantinha no seguro. Passando de cela em cela – cubículos minúsculos de 4 m², com seis ou sete
pessoas – o que vimos foram presos aterrorizados. Entre pro-blemas jurídicos e de saúde, humilhações e violências cotidia-
nas e a incompreensão diante da suspensão de visitas por con-
ta da pandemia (“se os agentes saem todo dia e voltam, por que
a gente não pode receber visita?”), falaram sobre a tensão de
uma semana de privações e provocações de agentes peniten-
ciários e militares: “comecem que a gente termina o serviço”.
O tiro, de armamento letal, no pé de um preso, teria ocorrido
em função de sua recusa em cumprir o ‘procedimento’ ordiná-
rio de revista, que inclui o despimento total com a presença de
agentes penitenciárias.
5. “O sistema está abandonado”
Uma informação nova que apareceu nesse momento pela pri-
meira vez – ao menos para mim e para algumas familiares –
foi a existência de uma nova facção: o Cartel do Norte (CDN).
Inicialmente, a sigla era tão desconhecida que foi interpretada
como uma forma de depreciar a FDN (“Cú do Norte”). A facção
ainda não havia aparecido publicamente com salves e disputas
violentas por ‘áreas’ do CV nas ruas, o que começou a ocorrer
nos meses seguintes, quando se torna evidente sua aliança com
o PCC em meio a constantes referências a Zé Roberto, princi-
pal nome da extinta FDN. No início de junho, chegou até o De-
sencarcera Amazonas um relato de presença de presos do CDN
em uma ala de um pavilhão do Centro de Detenção Provisória
Masculino II (CDPM II). Novamente, a iminência de um novo massacre moveu órgãos de fiscalização a visitarem uma prisão, dessa vez sem a presença da sociedade civil e sem a confirma-
ção da denúncia.
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Mas na medida em que as disputas por ‘áreas’ nas ruas se inten-sificavam e produziam mortes, o medo diante do que poderia acontecer do lado de dentro permanecia vivo. No início de outu-
bro, a grande aliança ao redor do CV parece perder ainda mais
força. Novamente, o Desencarcera Amazonas recebeu denúncia de um possível conflito e encaminhou mais ofícios a órgãos de fiscalização. Dessa vez, sem inspeção, representantes do sistema
de justiça se limitaram a repassar as palavras da administração: dois presos recém-chegados de um presídio federal, insatisfeitos
com o que encontraram, haviam tentado criar uma nova facção, sem sucesso. Já estaria tudo resolvido. No mesmo dia, porém,
áudios gravados por uma mulher circularam pelos celulares com
uma extensa lista de nomes que “rasgaram a camisa” e aderiram
a uma nova facção, criada naquele momento, a Revolucionários
do Amazonas (RDA). Essa, ao longo dos últimos meses, também
viria a se apresentar em aliança com o PCC e com referências à
FDN. Entre outros detalhes, a fala, em tom informativo e posicio-
nada ao lado do CV, explicava que os dois principais nomes da
nova facção estariam “fechados com a SEAP”. A acusação fazia
referência ao fato dos dois terem sido conduzidos por gestores
da Secretaria por diversos pavilhões de uma unidade para que
contassem à massa sobre sua ruptura e mostrar um áudio grava-
do pelo ‘geral’ do CV mandando ‘passar’ que reivindicasse ‘área’.
Na ausência de celulares e com os banhos de sol separados por
pavilhões (quando não por alas de pavilhões), a própria admi-
nistração – e não simplesmente agentes penitenciários – estaria
operando a comunicação entre presos.
O salve lançado em seguida pela RDA ilumina, mais uma vez, as
condições de vida dentro das cadeias como um elemento central:
REVOLUCIONÁRIO DO AMAZONAS BRCLCOPE
**Salve Geral RDA **
Estamos chamando todos leais e guerreiros do estado do
Amazonas Para lutar contra essa opressão que se chama
- CV comando vermelho - , que entrou em nosso estado
Fabio Magalhães Candotti
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Através de um acordo de paz e tomou todo o nosso esta-
do de assalto , Pois . todos os irmãos que estavam dentro
do sistema e fora do sistema Que estavam com suas áre-as perderam suas árias covardemente ficando sem nada
(…) Muitos irmãos Estão dentro do sistema abandonados
, O sistema está abandonado , Muitos irmãos que estam
no sistema perderam suas árias na covardia porque o
conselho se apossou de suas árias , Tiraram os irmão por
estar preso e se apossaram de suas áreas . Os irmão que
perderam suas áreas estão dentro do sistema passando
necessidade, tendo que vender suas merendas para con-
seguir dinheiro de passagem para suas visitas (...) Então
isso acabou a opressão acabou , cansamos de espera a luta
começou , vamos buscar o que é nosso “ RDA “ ( revolu-
cionários do Amazonas ) nós vamos revolucionar nosso
estado , vamos tomar nosso estado de volta , vamos buscar
o que é nosso por direito vamos liberta nosso estado das
mãos desses opressores ..
Que Deus abençoe a todos nunca foi sorte sempre foi Deus
justiça e liberdade para todos BR CO PE CL 19
Se o “acordo de Paz” de fevereiro de 2020 – que fez do CV, por um ano, a única facção presente no convívio das cadeias e com
‘áreas’ na cidade – foi fundado num discurso sobre a situação
dentro das prisões, uma das duas acusações lançadas pela nova
facção em seu momento de apresentação pública refere-se jus-
tamente ao “abandono” do sistema carcerário. Nos termos de
um sobrevivente, sobre o CV: “quando assumiram, prometeram
muita coisa, como por exemplo união estável pra quem não pode pagar, uma loja pra quem não tem família, advogado pra quem tá
há mais de 5 anos e pra quem tem PAD20. E ainda não tá rolando
nada”. Além disso, o CV vem sendo acusado de matar familiares
– o que obrigou a facção a lançar recentemente um salve justi-ficando a morte da mulher e do pai de um membro, então fo-
19 Esse salve também está citado na forma exata como chegou até mim, com erros de di-gitação e sem passar por uma revisão em acordo com a norma culta da língua portuguesa.
20 Processo administrativo, também conhecido como sindicância. É instrumento central
da soberania carcerária. Sobre sua importância no regime de processamento de pessoas
pelo sistema, ver Godoi (2017).
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“QUANDO A MASSA ERRA, O ESTADO AVANÇA”
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ragido, por estarem “compactuando com a safadeza, caindo nas
conversas erradas e nas falsas promessas”21.
6. “Sempre de portas abertas”
Retomo agora um aspecto que atravessa todos os fragmentos
acima. Nos termos da carta de março de 2021 citada acima: “Cadê o Juiz da vara de execuções penais responsável pelas uni-dades prisionais? Cadê o ministério público para fiscalizar esse
absurdo?”
Entre o segundo massacre, em maio de 2019, e abril de 2020, o
Coletivo FAPAM realizou 15 reuniões com praticamente todos os órgãos de fiscalização do sistema carcerário amazonense:
Defensoria Pública estadual (DPE Geral, Criminal, Atendimen-
to Prisional e Direitos Humanos), Defensoria Pública da União
(DPU), Ministério Público do Amazonas (MPAM), Grupo Perma-
nente de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Amazonas (GMF, vinculado ao Tribunal de Justiça) e Comitê
Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (CEPCT). Além dis-
so, esse coletivo de mulheres reuniu-se duas vezes com gesto-
res da própria SEAP e uma vez com o Mecanismo Nacional de
Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT). Entre abril de 2020
21 O salve da RDA também retoma um outro discurso que foi bastante importante para a
FDN: o de que o CV e o PCC são facções estrangeiras ao Amazonas, mesmo que lideradas
por nativos. Se o agenciamento discursivo da grande narrativa do Norte demarca a re-
gião como uma fronteira de expansão para o ‘crime organizado’ do Sudeste, os salves das facções que se afirmam como amazonenses ou nortistas há anos demarcam uma frontei-
ra na direção contrária, repetindo e variando uma perspectiva contracolonial bastante comum na região diante de agenciamentos vários atribuídos ao “Sul” (Candotti, 2022).
A inclusão das bandeiras da Colômbia e do Peru, por outro lado, tornou-se prática cor-rente em salves de todas as facções. A importância da tríplice fronteira para os negócios é inegável, mas não parece ser causa suficiente: mais do que países como ‘aliados’, são lugares vinculados de maneira íntima ao Amazonas e origens comuns a muitos presos e
integrantes de facções. Algo que reforça a ideia de um “complexo urbano transfronteiri-
ço” (Olivar, 2017).
Fabio Magalhães Candotti
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e setembro de 2021, ao lado de Priscila Serra e outras familia-
res do mesmo coletivo, eu mesmo participei de outras 25 reuni-
ões com a presença dos mesmos órgãos públicos e, ainda, com a coordenação local do Programa Fazendo Justiça do CNJ (FJ), a Corregedoria dos Presídios da Capital (Vara de Execuções Pe-nais, VEP) e, escalando ao nível federal, com o Departamento
de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (DMF, do CNJ) e o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura
(CNPCT). Chegamos a ter voz em audiência pública no Supremo Tribunal Federal. Escalando ainda mais, agora ao nível interna-cional, fizemos uma reunião com a representação brasileira da
Associação para Prevenção à Tortura (APT) e Priscila foi ouvida
em audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH). Como resultado desse processo, conquistamos a criação
do “Grupo de Trabalho Amazonas” vinculado à Coordenação
Geral de Combate à Tortura (CGCT, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos). Nesse mesmo período, o Co-
letivo FAPAM e o Desencarcera Amazonas enviaram mais de 50 ofícios à maioria dessas instituições com denúncias e demandas
por informação22.
O primeiro aspecto que chama atenção nessa agenda é a exis-tência de um conjunto amplo e diversificado de instituições com funções de ‘monitoramento’ e ‘fiscalização’ do sistema
carcerário no Brasil. Rede composta, na imensa maioria, por homens brancos e com salários altíssimos. Pode-se considerar que toda essa rede – grosso modo, criada no período demo-
crático – é parte do dispositivo carcerário, ainda que externa
22 No Amazonas, à lista de instituições acima poderiam ser somados o Conselho Peni-tenciário (ligado ao Tribunal de Justiça), o Conselho da Comunidade (ligado à VEP) e o
Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (MEPCT), que está em processo
de criação. Uma boa parte dessas instituições foi criada nos últimos 12 anos, como o DMF, o GMF, o FJ e as que compõem o sistema internacional de prevenção e combate à
tortura, como a APT, CNPCT, CEPCT, MNPCT e MEPCT. A essa rede podem ser acrescen-
tadas outras instituições que não foram criadas ao redor do sistema carcerário, como
diversas promotorias e os tribunais de contas.
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“QUANDO A MASSA ERRA, O ESTADO AVANÇA”
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à administração penitenciária e mantendo com ela relações de
força. Não se trata de uma proposição nova: há quase 50 anos
Michel Foucault tratou os programas de reforma das prisões
como um “elemento de desdobramento utópico” do sistema
carcerário, simultâneo ao seu funcionamento ordinário (Fou-
cault, 1987, p. 225). Algo que Adalton Marques (2018) anali-sou na história da expansão carcerária no Brasil a partir de fins
dos anos 1970.
A respeito da rede atual de instituições, Godoi fala numa “ero-
são das fronteiras prisionais que se desdobra pelo deslocamento
dos centros de poder para fora e para cima” e que “está histórica
e empiricamente associada ao problema da ‘entrada’ do direito
no cárcere, em particular dos direitos humanos” (Godoi, 2019, p.
143). Estudando os relatórios da Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro elaborados a partir de inspeções em diversas prisões, o autor demonstra que entre a equipe de fiscalização
e o corpo de funcionários da prisão “não existe uma relação de
puro constrangimento, nem de total alinhamento, mas sim for-mas de embate e colaboração, negociações assimétricas, inves-
tidas e resistências, coerções diretas e concessões veladas – re-lações de poder, portanto” (idem, p. 148). Contudo, ao fim, é a
assimetria dessas relações que chama atenção. Em um dos casos
analisados, em razão de um alto número de óbitos de presos, a
Corte Interamericana de Direitos Humanos é acionada e realiza,
ela mesma e junto com um conjunto poderoso de autoridades brasileiras estaduais e federais, uma fiscalização dentro de uma
unidade. Mais de um ano depois, a administração ainda não ha-
via tomado medida alguma.
Mesmo uma das mais raras, vastas e altas arregimentações
de forças para fazer “entrar” o direito na prisão esbarra na
inércia e no poder manifesto de uma administração peni-tenciária impassível, só disposta a pequenas concessões, e
não necessariamente a uma completa submissão às injun-
ções da lei” (Godoi, 2019, p. 157).
Fabio Magalhães Candotti
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A experiência que vivenciei mostra uma outra variação da capa-cidade de uma administração penitenciária afirmar sua “sobera-
nia punitiva” (Foucault, 1975, p. 207).Em março de 2020, o CNJ emitiu a Recomendação nº 62 que,
entre outras diretrizes, propunha aos GMFs de cada estado a
criação de comitês “para acompanhamento das medidas de en-
frentamento à Covid-19” nos sistemas carcerário e socioeduca-tivo com participação de órgãos de fiscalização e de associações de familiares (CNJ, 2020). Ainda em março o GMF amazonense
cria um comitê (doravante Comitê da Covid-19) com a presen-ça de representantes da VEP, da DPE, do MPAM, da OAB, do FJ
e da SEAP, além dos órgãos correspondentes ao sistema socio-
educativo. Eu e Priscila Serra também fomos nomeados como
membros e acompanhamos nove reuniões entre abril e julho. Durante todo o período, sem negar a gravidade da situação, a administração sustentou com sucesso um discurso de eficiência no controle do contágio, terminando o período com 99 casos em presídios do interior do estado e somente um caso entre presos
e presas de Manaus. Esse caso único seria de um preso que teria
sido infectado dentro de um hospital e que lá permanecera até o fim do período de transmissão do vírus. Portanto, durante a
primeira onda da pandemia numa das cidades mais impactadas
pela nova doença no Brasil, nenhum caso da Covid-19 foi re-
gistrado nas oito unidades prisionais existentes na época, cuja
contagem de pessoas presas estava ao redor de 5 mil23.
Enquanto isso, outros registros e números se multiplicavam nas
redes sociais da Secretaria e a cada “Relatório Semanal de Ações
de Saúde e Operacional Desencadeadas pela SEAP no Combate ao Novo Coronavírus”. Ao longo do primeiro período de suspen-
são de visitas – nos 117 longos dias entre 13 de março e 7 de julho – foram publicadas 98 notícias no site da Secretaria, contra
23 Sobre a “gestão dos dados” da pandemia no sistema carcerário, ver o estudo compa-rativo entre Distrito Federal e Rio de Janeiro feito por Prando e Godoi (2020).
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64 em 2019 e 40 em 2018 no mesmo período do ano24. Dessas,
46 tinham relação direta com a pandemia. Registravam “orien-tações” sobre o novo vírus a presos/as e servidores/as; “busca
ativa” de pessoas com tuberculose e sintomas da Covid-19; sepa-ração de pessoas em “grupo de risco” em pavilhões específicos;
medida de quarentena para novos internos e internas; higieniza-
ção de pavilhões e celas; injeção de vitamina C e vacinação para
H1N1; recebimento e distribuição de materiais hospitalares, de
limpeza e higiene, além de EPI; reforma de uma enfermaria; ma-
nutenção do banho de sol (“vital para a saúde humana”); curso
para costura de máscaras e, depois, pessoas na confecção; parce-
rias para produção de álcool 70%. O último “Relatório Semanal” do período registrava 2.918 videochamadas no “parlatório vir-tual” e 15.965 “ligações de voz e vídeo aos familiares cadastra-
dos” (SEAP, 2020, p. 31).Relatos de outros lugares do país dão conta de situações seme-
lhantes. O que vale destacar aqui é outro aspecto: a administra-
ção penitenciária local não incluiu entre as medidas de preven-
ção a suspensão de inspeções. Muito pelo contrário, insistiu, nas
reuniões do Comitê da Covid-19 e em publicações online, que estava “sempre de portas abertas para atender aos órgãos de fis-
calização” (SEAP, 2020, n.p.).
Foi assim durante e após a revolta na UPP em 2 de maio, um
sábado. A Defensoria Pública acompanhou o evento de dentro
do setor de administração e apresentou ao Comitê da Covid-19
um relatório em que constavam 16 presos “feridos”, sendo nove
deles “reféns”. A unidade tinha mais de 1.100 pessoas presas.
O texto não fazia qualquer referência ao fato da administração
ter ignorado a demanda dos presos pela presença dos ‘direitos
24 Dados de pesquisa de iniciação científica realizada por Laura Kohn (2021), sob minha orientação. Foram levantadas e sistematizadas somente publicações de notícias no site
da SEAP. Tratava-se, na época, do mesmo conteúdo postado nas redes sociais da institui-
ção, ainda que com diferenças estéticas importantes.
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humanos’ e pediu “honrarias” a um major da PM, gestor da Se-
cretaria, que teria sido “o primeiro homem da linha de frente a
salvaguardar os direitos humanos”. No domingo, ao sabermos de uma possível inspeção da DPE junto com um juiz da VEP, envia-mos ofícios solicitando informações. Na segunda-feira, enquan-to a fiscalização ocorria, era publicado um relatório do MNPCT
sobre as prisões de Manaus, feito com base numa inspeção reali-
zada sete meses antes, que apontava a “saúde” como o principal problema, além de afirmar que as unidades visitadas estariam
“orientadas sob uma mesma perspectiva de humilhação, viola-
ção de direitos e violência, travestido de ‘disciplinamento e se-
gurança’” (MNPCT, 2020, p. 30). Esse relatório foi completamen-
te ignorado pelos representantes do sistema de justiça. Quando, na quinta-feira, a DPE enfim respondeu nosso ofício, estávamos
há dias acompanhando relatos de familiares sobre presos enca-minhados a hospitais. A expectativa mínima era que no segundo
relatório constasse um número superior de feridos. A lista apre-
sentada, contudo, foi a mesma. Além disso, o texto reproduzia
exatamente os mesmos argumentos da administração sobre ou-
tros fatos: ventiladores do corredor dos pavilhões teriam sido
retirados por presos, que também teriam quebrado bebedouros.
Um mês depois, a SEAP enviou por conta própria à mesma De-fensoria um ofício com a documentação de atendimento médico
de 12 pessoas com lesões graves provocadas por policiais milita-
res durante a repressão à rebelião. Segundo o documento, esses
presos teriam escondido as lesões, sendo descobertos graças à
investigação da própria administração. Em nenhuma dos docu-
mentos constou o nome de um preso que – como a própria DPE verificou meses depois a partir da mobilização de familiares – ha-
via tomado um tiro de bala de borracha na boca, além de ter a clavícula fraturada e seguir com problemas de visão, dores em um
braço e uma perna, e dores de cabeça que já levaram um pavilhão
inteiro a fazer um ‘batidão’ para pedir uma simples dipirona.
Como já descrito, em março de 2021, durante a segunda onda da
pandemia em Manaus, pude participar de uma inspeção a convite
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da Defensoria Pública. A motivação foi a denúncia de deslocamen-
to de presos do PCC e do CDN do pavilhão de seguro-RDD do IPAT para um pavilhão de convívio onde estavam presos do CV. Quan-
do entramos na unidade, um grupo de servidores nos recebeu de
maneira muito cordial e tentou nos conduziu numa espécie de visita guiada: uma enfermaria novíssima e aparentemente bem equipada, uma oficina de costura com presos de roupa amarela
trabalhando e uma pequena sala de aula bem decorada. Todos os
espaços recém-reformados. Nos corredores, presos com as mes-
mas vestimentas amarelas trabalhavam em outras pequenas re-
formas. Para minha surpresa – e através de uma máscara PFF2 e
um protetor facial – a cadeia tinha um cheiro forte de tinta fresca.
Enquanto um funcionário falava sobre os programas de trabalho
e educação, outro tirava fotos nossas. Numa cela próxima à enfer-
maria, cerca de dez presos de roupa laranja e de máscara aguar-
davam para ser atendidos. Quando nos aproximamos, em meio a diálogos genéricos sobre a situação jurídica de cada um, sob olhos
atentos de agentes penitenciários, um deles disse em tom baixo e
discreto que só estavam ali porque nós estávamos lá. Após isso,
eu e Priscila insistimos que precisávamos entrar no pavilhão C,
onde ainda acreditávamos estarem os presos do RDD. O funcioná-
rio responsável por nos conduzir disse que naquele pavilhão não seria possível: “questão de segurança”. Poderíamos ir para outro, que nós já sabíamos ser o que, dentro do sistema, é conhecido
como ‘pavilhão dos trabalhadores’.
Essa foi uma inovação espacial da administração atual. Em cada
uma das unidades prisionais masculinas de Manaus foi insti-tuído um pavilhão para presos que participam de ‘programas
de ressocialização’ e que, portanto, passam bem mais do que 2
horas fora das celas. Nunca visitei esses espaços em função da
urgência em visitar os chamados ‘pavilhões do sofrimento’. Mas
Priscila Serra sim. Em agosto de 2021, ela acompanhou outra
inspeção, dessa vez junto com um desembargador e um juiz do
GMF, um defensor público, uma promotora, uma consultora do CNJ e mais um grupo de funcionários do Fórum de Justiça. Mais
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uma vez, o que seria uma inspeção foi convertida em uma visita
guiada, dessa vez com vários membros do alto escalão da SEAP. Oficinas de trabalho, salas de aula, sala para atendimento da de-
fensoria, parlatórios, enfermaria: tudo reformado. No ‘pavilhão dos trabalhadores’, as celas possuíam energia elétrica e venti-
ladores e em algumas havia televisões compradas por familia-
res. Além disso, os próprios gestores contaram que nesse espa-
ço os presos continuam a receber o ‘futuro’ e que suas famílias
podem levar comida durante as visitas, quando permanecem o
dia inteiro. E, desde o retorno das visitas após a primeira onda da pandemia, enquanto as famílias dos ‘pavilhões do sofrimen-
to’ passaram a ir ao longo dos dias úteis, as dos ‘pavilhões dos trabalhadores’ continuam a ir nos fins de semana – tudo sob jus-tificativa de controle sanitário. Ou seja, ali vive-se com algumas
condições semelhantes àquelas que a maioria dos presos tinha
antes do primeiro massacre – com o acréscimo de uma nova dis-
ciplina corporal que não se limita aos uniformes. Inclusive, nun-
ca recebemos denúncias de violências por parte do GIP nesses
espaços. Em outra inspeção, quando eu também estava presen-
te, uma servidora nos contou que os presos que participavam
de ‘programas de ressocialização’ eram selecionados por uma
‘equipe multidisciplinar’. Ainda que não saiba os detalhes dessa
seleção, o que outras falas de gestores deixam evidente é que ali os presos não são definidos por seu pertencimento a facções.
Se, como dito anteriormente, o objetivo de evitar a “indiscipli-
na” e “a possibilidade do fortalecimento do crime organizado”
(SEAP, 2019) pode ser tomado como a principal promessa da
atual gestão, esse é acompanhado de um outro discurso, de ‘res-
socialização’, preenchido por números e mais números crescen-tes de presos ‘incluídos’ em ‘programas’. Esse regime de enun-
ciados – associado a palavras de ordem centrais para uma arte
de governo contemporânea no Brasil (‘paz’ e ‘oportunidade’)25
25 Sobre esse par de enunciados ver Candotti (2011, 2012) e o poderoso ensaio de Aran-
tes (2014).
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– é acompanhado de um certo regime do sensível, que inclui um
modo de distribuir e organizar os espaços e a circulação de pre-
sos e familiares. Essa maquinaria discursiva e material é útil de
duas maneiras ao fortalecimento da soberania carcerária. Por
um lado, na relação da administração com presos e familiares, define uma maneira específica de operar a gestão dos corpos que, resumidamente, diferencia quem merece uma política de
exceção radical e quem merece um pouco dos direitos assegu-rados pela lei. Por outro lado, na relação com os órgãos de fis-
calização, essa maquinaria apresenta o que se espera de uma
boa administração diante de um sistema que um dia foi ‘domi-
nado pelo crime organizado’: a consolidação do monopólio da
violência pelo ‘Estado’ e um processo de ampliação progressi-
va de espaços e ‘oportunidades’ que cumprem a lei. Com isso,
oferece-se alimento para dois discursos (e afetos) que escutei
não somente de representantes desses órgãos, como de pessoas
ligadas a organizações da sociedade civil, no geral, apavoradas
com a simples ideia de pisar dentro das cadeias de Manaus: elo-
gios carregados de preocupações humanitárias e, novamente, a
velha “paranoia branca” com o “perigo” que a maioria dos presos
representam (Butler, 2020).
Portanto, o que se percebe não é exatamente uma inércia da ad-
ministração penitenciária diante das injunções da lei (e de ou-tras normas) encontrada por Godoi no Rio de Janeiro. A gestão
militarizada do Amazonas, ou ao menos da capital, atua ativa-
mente no fortalecimento de sua própria soberania carcerária,
elaborando antecipadamente sua prestação de contas, fornecen-do discursos, números, imagens e reformas prediais suficientes para que os órgãos de fiscalização possam, por sua vez, preen-
cher seus relatórios e conversar em suas reuniões.
Na mesma inspeção de agosto de 2021, Priscila foi a única que
insistiu em visitar os ‘pavilhões do sofrimento’, onde a água da
chuva escorre pelo teto, inundando o piso e as celas. Quando
conseguiu, alguns presos citaram o nome de um jovem que teria
Fabio Magalhães Candotti
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sido espancado e levado para o ‘calabouço’, e indicaram o local
desse espaço. Após nova insistência e um bom tempo de espera,
acessou uma cela isolada que estava vazia e com cheiro muito
forte de tinta fresca. Quando colocou a mão na parede, sujou as
mãos: a tinta sequer havia secado. Após mais uma longa insistên-
cia, conseguiu ver o preso que havia sido citado e fazer com que
um defensor visse seus ferimentos e colhesse seu depoimento.
Tudo foi feito na frente de um policial militar, gestor da SEAP.
7. Gestão do sofrimento e regime de tortura
Prisão: dispositivo de governo de populações calcado em
perversidades múltiplas. Perverso. Não encontro outro ter-mo para qualificar um sistema punitivo que responsabiliza
e incita à mobilização pela imposição da urgência, que capi-
taliza essa mobilização para a perpetuação e expansão do
próprio sistema – e, nas bases desse movimento, capitaliza os afetos que unem as pessoas a partir mesmo da inflicção
de um sofrimento sem medida. Não é outra coisa senão per-verso um sistema punitivo que faz do mínimo da existên-
cia, do imperativo e inegociável da vida, algo que depende do engajamento contínuo de atores vários, que faz de tudo para bloquear e dificultar tal engajamento e que converte os
efeitos dele numa espécie de concessão benevolente (Godoi,
2017, p. 239).
Na contramão da história recente dos estudos sobre prisões, em
publicação anterior, Godoi decidiu analisar o que parece óbvio –
“aspectos da arbitrariedade, da violência e das mazelas estrutu-rais” (p. 17). Mais especificamente, descreveu e teorizou a “pro-
dução de sofrimento” através de dois aspectos do dispositivo
carcerário no estado de São Paulo em tempos de encarceramen-
to em massa, quando as prisões se convertem em um dispositi-
vo de gestão de população. Primeiro, a angústia produzida pelo
“regime de processamento de pessoas” que, na fronteira entre o
sistema de justiça e a administração carcerária, opera através de
uma articulação perversa entre a ilegibilidade dos documentos
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“QUANDO A MASSA ERRA, O ESTADO AVANÇA”
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jurídicos, a opacidade da justiça e a indeterminação da pena26.
Em segundo lugar, a “produção da penúria material” (p. 190), ou
seja, a ausência de mantimentos de todos os tipos (de materiais
de limpeza e higiene a medicamentos) como “forma de inves-
timento estatal” (ibidem) num “sistema de abastecimento” da
rede carcerária espalhada pelo interior do estado que depende
do engajamento e do dinheiro de familiares. Juntos, esse regime
e esse sistema incitam a mobilização sincronizada do lado de
dentro e do lado de fora, de pessoas presas e de suas familiares,
e faz da vida apenada uma espera que nada tem de passiva.Ao fim do livro, o autor lança uma provocação interessante aos estudos sobre crime e especificamente ao debate sobre a emer-gência e expansão do PCC: a assistência jurídica e material pra-ticada por facções, tantas vezes definida de maneira criminali-
zadora como forma de aliciamento de novos membros, pode ser
pensada como “reações coletivizadas” às exigências impostas
pelo Estado. A facção “expressa, mas não totaliza” (p. 241) a mo-
bilização de pessoas presas com o lado de fora. Nesse sentido, se
o dispositivo carcerário é uma das condições de possibilidade
do crime na atualidade, isso não se limita ao seu crescimento
quantitativo, ao tão falado ‘recrutamento’. Também, não se trata apenas de dizer que presos e presas transformam políticas pe-
nitenciárias em novos movimentos (Biondi, 2017). Para Godoi, o
dispositivo carcerário pode ser entendido como condição para a
forma assumida pelo crime do ponto de vista de seus protago-
nistas, em São Paulo e em tantos lugares do Brasil, qual seja, um
‘movimento’ feito de muitos movimentos (Biondi, 2018).
Parte do que foi apresentado ao longo deste artigo permite es-
tender essa análise em mais uma direção que expõe outro as-
pecto da perversidade do sistema carcerário: a das denúncias
26 Em julho de 2019, no mesmo evento da AMPARAR citado acima, a sobrevivente Tem-
pestade disse que “a maior tortura dentro do cárcere é a falta de informação do proces-
so” (Vasconcelos, 2019).
Fabio Magalhães Candotti
233
TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
de tortura. No Brasil, como em tantos outros países, tortura é
uma palavra mobilizada cotidianamente por presos, sobrevi-
ventes e familiares em seus discursos públicos de denúncia; por
organizações não governamentais que atuam contra ‘violações
de direitos’ no sistema carcerário; enfim, palavra que justifica
a existência da rede de órgãos de ‘monitoramento’ e ‘fiscaliza-
ção’. Não vou aqui destrinchar as variações de sentido da palavra
conforme essas perspectivas. Importa por enquanto que essa
centralidade da tortura se dá, em grande medida, por ser um termo-chave do vocabulário jurídico de Estado27.
Em artigo luminoso, Talal Asad (1997) problematiza a “instabi-
lidade” dessa noção para além do registro de sua proibição pro-
gressiva pelos Estados-nações, observando como ela se insere
numa história da relação entre outras noções: de “humanidade”
e de “dor” ou “sofrimento”. Entre vários aspectos tratados pelo
antropólogo turco, dois pontos nos servem. Em primeiro lugar, ao retomar o debate europeu iluminista, identifica a emergên-cia de uma “nova sensibilidade concernente à dor física” (Asad,
1997, p. 1087) que, para além da recusa da tortura como forma de produção de verdades jurídicas, abre a possibilidade de sua
comparação e mensuração objetiva e quantitativa. É também em
virtude disso que o encarceramento é pensado como forma pos-sível de punição legal; como o são outras formas de infligir sofri-mentos físicos nas colônias europeias, sob o signo do “progresso
moral” da população nativa. É dessa perspectiva quantitativa
que sofrimentos são julgados como “necessários” e “inevitáveis”
ou como “gratuitos” e, assim, “desumanos”.
Em segundo lugar, para Asad, essa nova sensibilidade promo-
ve um “discurso de siligo-e-exposição” sobre a tortura do qual
27 No Brasil, desde 1997, há lei específica que a tipifica como crime, além de constar na
Constituição Federal de 1988 como uma das “garantias fundamentais” no famoso artigo
5º, que reproduz, numa variação mais enxuta, o texto da Declaração Universal dos Direi-
tos Humanos de 1948: “ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo
cruel, desumano ou degradante”.
234
“QUANDO A MASSA ERRA, O ESTADO AVANÇA”
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depende “a efetividade de certos tipos de saber disciplinar” (p.
1086-87). Em outros termos, a negação da tortura pelas teo-
rias humanistas modernas promove um jogo entre o enunci-ável e o sensível. Foucault (1987) já havia chamado atenção
para a “imperativo do segredo” (p. 106) como um dos elemen-
tos que faziam da prisão uma solução menos aceitável entre
reformadores da justiça europeia na passagem do século XVIII
e XIX. Aspecto que não se perde com o processo de consolida-
ção do sistema carcerário e reaparece na forma de uma “sobe-
rania punitiva” (p. 207), ou seja, da autonomia administrativa em relação ao sistema de justiça. É com isso que o castigo físico passa “de uma arte das sensações insuportáveis”, típica dos su-plícios públicos legalmente instituídos, “a uma economia dos
direitos suspensos” (p. 14) dentro de espaços de reclusão28.
O que Asad acrescenta à análise de Foucault é um elemento
muito central para o campo de batalhas carcerário contempo-râneo: a definição de um evento como tortura envolve sempre
um confronto entre formas de exposição pública do que pode
ser nomeado e sentido por diferentes pontos de vista e corpos
como ‘sofrimentos’, ‘dores’, ‘crueldades’, tendo como referência
noções de ‘humanidade’.
Dentre essas palavras, sofrimento é, sem dúvida, aquela que
mais ouvi de familiares. Certamente não é um acaso que os es-
paços onde hoje a maior parte dos presos de Manaus passa 22
horas trancada dentro de celas sejam chamados de ‘pavilhões do sofrimento’. Palavra que não nomeia somente as ‘dores físicas’,
mas, de modo muito mais amplo, os múltiplos efeitos negativos
do sistema carcerário, dentro e fora, da cela aos fóruns de justi-
ça, indo da fome à saudade, passando pelas menores humilha-
ções cotidianas, pelo medo da morte, pelo adoecimento mental,
pelo calor ou frio insuportáveis, pela impossibilidade de fazer o
que se gosta, pelo cheiro podre da cadeia e – para fechar rapida-
28 Sobre a importância do segredo no sistema carcerário, ver também Mallart (2021),
a quem agradeço a ideia.
Fabio Magalhães Candotti
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TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
mente o inumerável – pela ausência de informação sobre pro-
cessos. “É muito sofrimento” – como ouvi tantas vezes. Recorro
a essa noção não somente pelo interesse em expor e me aliar a
uma perspectiva subalterna e radicalmente deslegitimada. A sua
amplitude e multiplicidade de sentidos colaboram na análise de
uma certa gestão29.
Nesse sentido amplo e múltiplo, pergunto: o que, em determi-nadas situações, a administração penitenciária torna dizível ou indizível, visível ou invisível? Quais sofrimentos são sustentados
como ‘necessários’ e ‘inevitáveis’? O que é considerado como ‘es-
candaloso’ e precisa ser mantido em ‘segredo’ diante de certos
olhos e ouvidos ou negado em certos tipos de documento?
Essas perguntas não podem ser respondidas sem que se con-sidere a atuação da rede de ‘monitoramento’ e ‘fiscalização’ do
sistema carcerário – que, como já dito, é parte do dispositivo car-
cerário. Diante dela, os sofrimentos são traduzidos por presos,
sobreviventes, familiares e outros coletivos da sociedade civil
como ‘violações de direitos’ e tortura. Hoje, no Amazonas, como
no restante do Brasil, a despeito do tamanho e diversidade dessa
rede, as denúncias dessa natureza geralmente nascem da mobi-
lização de pessoas presas e suas familiares e dependem dessas
para serem levadas adiante. É essa mobilização que aciona a tal rede, cujo comportamento é, com raríssimas exceções, passivo.
Ou ainda, inversamente, é a passividade dessa rede que transfe-
re para aqueles coletivos mais uma função, além daquelas assu-
midas no “regime de processamento” e no “sistema de abasteci-
mento” (Godoi, 2017). Porém, paradoxalmente ou não, é nessa mesma rede que o caráter escandaloso e a potência jurídica das denúncias se enfraquecem e, geralmente, morrem. Dos 55 ofí-
cios que o Desencarcera Amazonas enviou entre maio de 2020
e outubro de 2021 com denúncias e pedidos de informação e
providências, 46 sequer foram respondidos. Nesse verdadeiro
29 Sobre a centralidade dessa noção para familiares em São Paulo, ver Lago (2020).
236
“QUANDO A MASSA ERRA, O ESTADO AVANÇA”
TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
cemitério de denúncias de tortura, ao longo dos últimos dois
anos de imersão minha na luta anticarcerária, somente os ape-
los por atenção à iminência de um novo massacre produziram
algum efeito imediato e, mesmo assim, quase irrelevantes: duas
inspeções e a instauração, pela Coordenação Geral de Combate à Tortura (MFMDH), de um Grupo de Trabalho especificamente
voltado ao Amazonas, com a convocação de representantes de toda a rede de ‘monitoramento’ e ‘fiscalização’. Nenhum esboço
de ação judicial foi iniciado a partir desses eventos a despeito
das dezenas de ‘violações de direitos’ relatadas por presos e
apresentadas em documentos.
Para uma análise mais cuidadosa, seria preciso avançar na des-
crição dessa fronteira entre administração penitenciária, rede de monitoramento e fiscalização e mobilizações de presos, so-
breviventes e familiares. Em todo caso, o que se pode vislumbrar
é uma nova gestão do sofrimento associada a um novo regime de
tortura, iniciados com a ascensão da PM à SEAP e, sobretudo, a
partir do segundo massacre em maio de 2019. Gestão do sofri-
mento: uma administração cotidiana dos limites do insuportável
da vida humana – num sentido que vai muito além do biológico.
Regime de tortura: maneira de tornar dizíveis ou indizíveis, sen-síveis ou insensíveis, de colocar no campo do segredo ou da ex-posição pública, em resumo, de tornar verídicos ou inverídicos
sofrimentos traduzidos na linguagem jurídico-política do estado.
Foi acompanhando os deslocamentos nessa gestão e nesse regi-
me, movimentando-me na luta anticarcerária, que pude enxer-
gar as transformações nos movimentos do crime em Manaus.
Perspectiva que demonstra como o foco na disputa por ‘rotas’ e ‘territórios’ para o tráfico de drogas, quase sempre desdobrado
num diagnóstico de ausência de Estado, deixa de lado mudanças
radicais nas formas de presença estatal. Mais do que isso, des-
considera as incitações mútuas entre Estado e crime que estão
situadas num campo de batalhas carcerário, o qual não se reduz a uma disputa pelo ‘domínio’ das prisões (Biondi, 2017). Sendo
Fabio Magalhães Candotti
237
TOMO. N. 40 JAN./JUN. | 2022
fiel às minhas notas, o mínimo que se pode dizer é que a desesta-bilização das alianças que unificaram e dividiram o crime ama-
zonense nos últimos dois anos, com efeitos diversos nas ruas, fo-ram ações coletivas frágeis – e ainda muitíssimo indefinidas no momento em que finalizo o texto, em dezembro de 2021 – que
responderam, de maneira imediata, a uma composição bastante
sólida, estável e pouco tensionada entre ações da administração
carcerária, em processo de militarização, e de órgãos de monito-ramento e fiscalização, em processo de expansão. Enfim, impos-sível não enxergar nesse campo de batalhas um jogo de forças
que atualiza o racismo numa velha fronteira colonial.
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