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Folia, arte e militância em terras sergipanas: do Baile dos
Artistas à Parada do Orgulho LGBT
Patrícia Rosalba Salvador Moura Costa
1
Gladston Oliveira dos Passos
2
Marcos Ribeiro de Melo
3
Resumo:
O presente artigo problematiza o artivismo, associação entre arte e política, como manifestação em eventos que
existem ou existiram no estado de Sergipe, a exemplo do Baile dos Artistas e a Parada do Orgulho LGBT. Desse
modo, primeiramente, buscou-se investigar como se constituíram as paradas no âmbito internacional, em seguida
demonstrar o surgimento desse evento no contexto brasileiro e por fm apontar a existência do artivismo na Parada
LGBT de Sergipe. A relevância deste trabalho se deve pelas poucas pesquisas que abordam esse tema. No que tan-
ge a metodologia, foi realizado levantamento bibliográfco, consulta em jornais, entrevistas e pesquisa etnográfca
por meio da observação participante na Parada LGBT de Sergipe nos anos de 2021 e 2022.
Palavras-chave:
Arte. Folia. Parada LGBT. Política. Sergipe.
Introdução
É inegável que independente da forma que a arte se manifesta ela está presente na sociedade e por meio
do ativismo consegue transformar hábitos, comportamentos e culturas. Numa fusão entre esses dois
conceitos obtemos o artivismo que, segundo Santos (2019),
pode ser entendido como um neologismo
conceitual que faz ligações entre arte e política e estimula os usos potenciais da arte como ato de resis-
tência e subversão. Ainda segundo o autor, pode ser encontrado em intervenções sociais e políticas, pro
-
duzidas por pessoas ou coletivos, por meio de estratégias poéticas e performáticas. Sua natureza estética
e simbólica intensifca, sensibiliza, refete e questiona temas e situações em um dado contexto histórico
e social, visando a mudança ou a resistência.
1 Universidade Federal de Sergipe. Campus do Sertão. Programa de Pós-Graduação em Antropologia. São Cristóvão, Sergipe,
Brasil. E-mail: patriciarosalba@academico.ufs.br https://orcid.org/0000-0001-8320-9093
2 Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Antropo
-
logia. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. E-mail: gladstonpassos92@gmail.com https://orcid.org/0009-0000-2115-0209
3 Universidade Federal de Sergipe. Departamento de Psicologia. Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Cinema.
São Cristóvão, Sergipe, Brasil. E-mail: marcos_demelo@academico.ufs.br https://orcid.org/0000-0003-3289-2528
Revista TOMO
São Cristóvão, v. 42, e18777, 2023
Data de Publicação: Junho/2023
Dossiê
Dossiê
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Patrícia Rosalba Salvador Moura Costa; Gladston Oliveira dos Passos; Marcos Ribeiro de Melo
Uma das intervenções sociais e políticas em que o artivismo está presente são as Paradas do Or-
gulho LGBT
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, dentre elas a de Sergipe. Depois de dois anos acontecendo de forma virtual, no dia
28 de agosto de 2022 ocorreu a 21ª edição com o tema “Vote Colorido, dê vez a nossa voz!”, tendo
como objetivo incentivar a sociedade, e em especial a comunidade LGBTQIA+, a escolher candi-
datos/as LGBT+ para ocuparem esses espaços. Uma das novidades trazidas pela coordenação do
evento foi o palco “Sobre(viver)”, que ganhou esse nome como forma de chamar atenção para a
luta que pessoas LGBTQIA+ travam diariamente tentando viver suas vidas em plenitude, sendo um
espaço construído com o objetivo de divulgar os/as artistas sergipanos/as LGBTQIA+ e também
de informar os direitos dessa comunidade. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é apresentar
como o artivismo se manifesta na 21ª Parada LGBT de Sergipe e em eventos que o precederam, a
exemplo do Baile dos Artistas, baile carnavalesco no qual foliões homossexuais e travestis exibiam
fantasias extravagantes.
Dividimos o trabalho em três partes, na primeira é abordado como foi constituída a origem das
Paradas, desde o episódio de Stonewall até sua chegada ao Brasil. Na segunda, é apontado como
surgiu a primeira Parada LGBT de Sergipe e, por fim, na terceira é descrita como ocorreu a Parada
LGBT de Sergipe do ano de 2022 e a sua relação com o artivismo. Na elaboração deste artigo foi
realizada uma pesquisa com material bibliográfico que contribuiu na base teórica deste trabalho
sendo complementada com arquivos do jornal Gazeta de Sergipe e depoimentos disponibilizados
por meio de entrevistas com coordenadores/apoiadores do evento. As entrevistas foram realiza
-
das entre o período de novembro de 2021 e fevereiro de 2022 e são fundamentadas pelas lições
de Roberto Cardoso de Oliveira (1998). Além disso, com o intuito de entender qual significado o
evento tem para esses coordenadores/apoiadores se fez necessário realizar um estudo etnográ
-
fico utilizando a observação participante na Parada LGBT de Sergipe de 2021 e 2022, apoiado no
entendimento de Restrepo (2018, p. 25),
un estudio etnográfico le interesa tanto las prácticas (lo que la gente hace) como los signi
-
ficados que estas prácticas adquieren para quienes las realizan (la perspectiva de la gente
sobre estas prácticas”
5
.
As imagens que compõem este trabalho foram coletadas do acervo dos/as autores/as e também
da ONG ASTRA - Direitos Humanos e Cidadania LGBT.
4
Muito se discute sobre qual a sigla correta quando se refere à diversidade sexual e de gênero. Ao longo da história houve
diversas modificações que estão relacionadas aos processos de “centramento” e “descentramento” dos sujeitos políticos do
movimento, essas transformações surgem devido às disputas por visibilidade como ocorreu com a modificação de GLBT
(gays, lésbicas, bissexuais e travestis) para LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e travestis), após reivindicação do movimento
lésbico, exigindo a troca na ordem de uma das letras (Facchini, 2005, 2020). Ao se referir à Parada, a sigla escolhida será
a LGBT tendo em vista que a coordenação do evento ainda a utiliza na sua identidade visual. Atualmente surgiram novas
siglas, a exemplo de LGBTI+, que incluiu as pessoas intersexo, depois LGBTQIA+, com a inclusão de pessoas queer e assexu-
ais, por fim temos LGBTQIAPN+, por meio da qual foram acrescentadas as pessoas pansexuais, não binárias e outras mais.
5
“Um estudo etnográfco interessa-se tanto pelas práticas (o que as pessoas fazem) quanto pelos signifcados que essas práticas
adquirem para aqueles que as realizam (a perspectiva das pessoas sobre essas práticas)” (Tradução dos autores).
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Folia, arte e militância em terras sergipanas
1. Entre protestos e comemorações: da busca pela liberdade sexual ao surgimento das
Paradas do Orgulho LGBT
A realização de um evento da magnitude da Parada exige a participação de diversas ONGs, coleti
-
vos e militantes individuais, pois seria impossível uma só pessoa dar conta de tantas atribuições
e demandas. A coletividade é de extrema importância tendo em vista que cada coordenador/a
e apoiador/a contribui de alguma forma para a execução. Nesse sentido, os processos coletivos
se tornam relevantes para que ocorram mudanças sociais, institucionais e culturais, foram por
meio deles que surgiu a primeira geração do movimento por libertação sexual. Segundo Quinalha
(2022), no século XIX a perda de espaço do discurso religioso acaba colocando em maior destaque
esferas discursivas médico-higienistas no amplo campo da sexualidade.
Nesse momento histórico, a maior parte dos países europeus possuíam legislações que crimi-
nalizavam as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. (...) Vale ressaltar que a crimina
-
lização das homossexualidades foi um dos fatores principais de aglutinação e de mobilização
dessa geração pioneira no protoativismo. (...). Assim, as batalhas contra a patologização e a
criminalização das homossexualidades são as duas grandes bandeiras que marcaram o surgi
-
mento desse movimento com epicentro na Europa. (Quinalha, 2022, p. 49-50).
No entanto, no século XX, a partir dos anos 1930, a Europa acaba sendo devastada com o advento da
Segunda Guerra Mundial e do nazifascismo, o que gerou uma mudança na localização do epicentro
dos ativismos, que passou a se estabelecer nas Américas, principalmente nos Estados Unidos. En-
tretanto, na Alemanha seguiu existindo a presença de uma subcultura gay urbana, sendo os bares os
locais mais escolhidos para a sociabilidade das pessoas LGBT, por serem espaços mais escuros e re-
servados. Conforme Fernandes (2011), a identidade gay tornou-se um elemento central para que se
forjasse um senso de comunidade, havendo assim a possibilidade da emergência de um movimento,
que foi mobilizado nas décadas de 1950 e 1960 pelo feminismo e pelo movimento negro.
Os primeiros grupos surgem nos anos 1950, com a criação da Sociedade Mattachine
6
e a Filhas da
Bilitis
7
. Ambos tinham como pauta as questões relacionadas com a discriminação no trabalho e as
legislações de criminalização. As legislações repressivas eram a base para as violências policiais
contra homossexuais e pessoas trans e ocorriam com frequência em vários bares, ocasionando di
-
versas revoltas. Dentre elas, a mais famosa é a de Stonewall, nos Estados Unidos, que se iniciou em
28 de junho de 1969 e durou até o dia 03 de julho do mesmo ano. O que era para ser simplesmente
uma ação policial rotineira suscitou uma reação inédita.
O procedimento realizado pelos invasores, as conhecidas “batidas policiais”, era uma praxe e vinha
sendo realizado sem grandes conflitos até a noite em que os frequentadores saíram às ruas e en
-
frentaram os policiais com pedras e pedaços de madeira. Gritava-se palavras de ordem como “Poder
Gay”, “Sou bicha e me orgulho disso”, “Eu gosto de rapazes” e, a partir daí, deflagrou-se um conflito
de rua de grandes proporções e com reverberações nos anos posteriores (Ferreira, 2012). Para Wolf
(2021), o que fez com que a revolta de Stonewall fosse diferente de todo o ativismo gay até aquele
momento não foi apenas a inesperada duração do conflito nas ruas, que ocupou várias noites,
6
A Sociedade Mattachine (no original, Mattachine Society) foi a primeira organização gay dos EUA, fundada por Harry Hay
em defesa dos homossexuais.
7
A Filhas da Bilitis (no original, Daughters of Bilitis) foi um grupo de defesa das lésbicas fundado por Del Martin e Phyllis
Lyon em São Francisco no ano de 1955.
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Patrícia Rosalba Salvador Moura Costa; Gladston Oliveira dos Passos; Marcos Ribeiro de Melo
Mas a mobilização consciente de ativistas novos e experientes que expressaram esse clima
mais militante. Como em uma represa, Stonewall foi a explosão gestada por vinte anos de
avanços lentos, gota a gota, fruto do esforço realizado por homens e mulheres cuja organi
-
zação consciente criou condições para a onda espontânea de fúria. Os levantes, por si só,
não seriam lembrados hoje por seu papel de transformadores da política e da vida gay se
não tivessem sido seguidos por organizações que transformaram a indignação em força
social crescente. (Wolf, 2021, p. 168-169).
A partir dessa revolta houve um deslocamento na forma de se fazer o ativismo, em que o orgulho
seria o vetor ideológico principal de um modo eroticamente subversivo de ser contra uma ordem
social e sexual conservadora. Isso se refletiu na criação de novos grupos que inseriram a expressão
“gay” nos seus nomes, a exemplo do Gay Liberation Front (GLF) e do Gay Activists Alliance (GAA).
No ano seguinte, na região da cidade de São Francisco, iniciou-se uma tradição de luta por direitos
para os homossexuais através de grandes manifestações públicas, que ficaram conhecidas como
Gay Prides Parades (Quinalha, 2022; Ferreira, 2012).
Segundo Ferreira (2012), os novos movimentos sociais da segunda metade do século XX ganha-
ram relevo e se organizaram principalmente durante os anos 1960, 1970 e 1980, impulsionando
novas formas de mobilização em que a resistência nas ruas contra expressões de violência e re
-
pressões de todo tipo foi o mote principal para o surgimento e organização de muitos grupos em
diversas partes do mundo, incluindo o Brasil.
Até que ocorresse a primeira Parada LGBT no Brasil, muitos eventos e acontecimentos marcaram as
diferentes gerações de ativismo em nosso país. Assim como o movimento feminista, a interpretação
da periodização do movimento LGBT vem sendo metaforizada por meio de ondas. Isso foi feito pio
-
neiramente por Green (2015), que definiu duas ondas, a primeira de 1978 até 1985 e a outra a partir
desse momento até os dias atuais. Simões e Facchini (2009) adotaram a mesma metáfora, porém em
um modelo de três ondas. A primeira se deu no período da “abertura política” da ditadura, a segunda
durante o período da redemocratização e a terceira a partir dos anos 1990 até o presente.
Antes mesmo antes de existir um movimento homossexual político e organizado, já haviam sido forma
-
das subculturas homossexuais urbanas em diversas cidades, uma “movimentação” presente tanto nas
reuniões em ambientes domésticos como nos encontros em espaços públicos. Vale ressaltar que são
escassas as informações sobre espaços de convivência e sociabilidade de mulheres homossexuais.
A subcultura homossexual esteve presente entre os anos 1960 e meados dos anos 1970 em diver
-
sos territórios físicos e simbólicos como clubes, saunas e boates, se expandindo e se diversificando,
abrindo o caminho para a expressão de um movimento político homossexual (Simões; Facchini, 2009).
Após esse momento “pré-histórico” do movimento, surge a primeira onda, entre o fim da década de
1970 e meados dos anos 1980, caracterizada como um período antiditatorial e contracultural. Du
-
rante esse momento, algumas referências de mobilização política em defesa da homossexualidade se
destacam: o jornal Lampião da Esquina, que possibilitou a constituição de identidades individuais e
coletivas; o Grupo Gay da Bahia (GGB), fundado na cidade de Salvador, contribuindo com a despato-
logização das homossexualidades; e o Grupo Somos, de São Paulo (Ramos; Carrara, 2006).
A segunda onda é caracterizada como o período no qual se desenvolve um estilo de militância
de ação mais pragmática, mais preocupada com aspectos formais de organização institucional
e voltada para a garantia dos Direitos Civis e contra a discriminação e a violência dirigidas aos
homossexuais. Ela surge com a epidemia do HIV/AIDS, que obrigou o movimento homossexual a
deslocar a sua luta contra o autoritarismo para o combate à doença.
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Folia, arte e militância em terras sergipanas
Segundo Costa (2016), o estado de Sergipe foi um dos primeiros a criar o programa de DST/AIDS.
Diversas ações foram desenvolvidas pelo médico Almir Santana
8
, popularmente conhecido como
“Doutor Camisinha”, e uma delas foi a criação do Bloco da Prevenção, um bloco carnavalesco que
abre o desfile da prévia carnavalesca do estado, o Pré-Caju, que ocorre todos os anos na capital
Aracaju. As pessoas interessadas em participar do desfile do bloco trocam os kits por alimentos
que são distribuídos para as pessoas carentes que convivem com o vírus HIV. Geralmente os kits
contêm camisas, informativos e também preservativos que dão acesso ao bloco e à festa (Costa,
2016). Além disso, a articulação de Dr. Almir com o movimento homossexual foi extremamente
importante na busca de consolidação de políticas públicas de saúde na área da DSTs/AIDS.
Ainda na segunda onda, surgiram campanhas que ajudaram a forjar uma nova percepção do ativis-
mo em relação às institucionalidades. Uma delas foi encabeçada pelo Grupo Gay da Bahia (GGB),
que teve como objetivo a organização de um abaixo-assinado reivindicando a despatologização
da homossexualidade
9
, enquanto a outra tinha como objetivo a inclusão da “expressa proibição
da discriminação por orientação sexual” na Constituição, tendo como porta-voz o advogado João
Antônio Mascarenhas, fundador do grupo Triângulo Rosa, ONG criada em 1985 no Rio de Janeiro.
A partir da década de 1990 se inicia a terceira onda, quando o movimento multiplica as categorias
de referência ao seu sujeito político. E isso ocorre por dois motivos: o primeiro é a influência de
processos globalizados que adotam uma autoidentidade o mais fiel possível às especificidades
de determinado “segmento”; e o segundo é o diálogo socioestatal que exigia uma delimitação de
sujeitos e demandas (Facchini, 2005). É nesse período que se organizam também as Paradas do
Orgulho LGBT, no molde de uma política de visibilidade de massa mais agregadora do que suas
congêneres norte-americanas (Simões; Facchini, 2009). Ainda conforme Facchini (2020), o suces
-
so do formato desse evento faz pensar sobre o acerto do enquadramento transgressor e da produ
-
ção de uma visibilidade plural, baseada em trios elétricos e corpos-bandeira.
As Paradas foram a face pública do movimento, mas também a ponte de contato entre cate
-
gorias forjadas no âmbito de um campo restrito de ativistas cada vez mais voltado às gramá
-
ticas estatais e de uma enorme e multifacetada arena. Contando com ativistas e organizações,
as Paradas evocavam experiências, buscando conectá-las com categorias como “homofobia”,
“orientação sexual” e “identidade de gênero”, entre outras (Facchini, 2020, p. 49).
Apesar de alguns pesquisadores considerarem a Parada de São Paulo como a primeira a ser rea-
lizada no país, fontes demonstram que esse pioneirismo pode ser atribuído à do Rio de Janeiro,
que ocorreu em 25 de junho de 1995, como encerramento da 17ª Conferência Internacional da
International Lesbian and Gay Association - ILGA
10
(ver figura 1).
8
José Almir Santana, natural de Aracaju/SE, é médico formado pela Universidade Federal de Sergipe em 1981, com especializa
-
ção em Saúde Pública, responsável técnico pelo programa estadual IST/AIDS desde 1987 e professor de Biologia desde 1982.
9
No dia 9 de fevereiro de 1985, o Conselho Federal de Medicina atendeu à reivindicação e retirou a homossexualidade do
código 302.0 e passando-a para o código 2062.9, referente a “outras circunstâncias psicossociais” (Quinalha, 2022).
10
A Conferência contou com cerca de 1.200 participantes. Segundo os registros no Guia Oficial da Conferência, houve apoio
do Ministério da Saúde, por meio do Programa Nacional de DST e Aids; da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janei
-
ro, por meio da Divisão de Controle de DST e Aids; dos sindicatos dos Bancários e Previdenciários, ambos do rio, e dos
Trabalhadores na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ; de
duas ONGs internacionais ligadas à temática dos direitos humanos; de quatro empresas privadas e de quatro associações
brasileiras: a ABIA e o Grupo pela VIDDA (ONGs-Aids sediadas no Rio); o Grupo Gay da Bahia (GGB) e o grupo Dignidade.
(Simões; Facchini, 2009, p. 144-145).
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Patrícia Rosalba Salvador Moura Costa; Gladston Oliveira dos Passos; Marcos Ribeiro de Melo
Figura 1
– Matéria da Folha de S. Paulo sobre a 17ª Conferência da ILGA
Fonte: Folha de S. Paulo, 1995.
Porém, em entrevista à revista “Lado A”, o antropólogo Luiz Mott divergiu desse pioneirismo. Para
ele, o último dia do VIII Encontro de Lésbicas e Gays marcou a primeira Parada Gay do Brasil, se
-
guindo o padrão internacional e mantido até hoje no país (Johan, 2015). É nesse encontro que a
Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis foi fundada. De acordo com Mott, no dia 31 de
janeiro de 1995 em Curitiba foi realizada a maior passeata GLT da história do Brasil até então, a
primeira a apresentar o mesmo layout das “
gays parades
” norte-americanas. Estiveram presentes
40 grupos GLT e mais de 500 participantes, dois carros de som, muitos balões e bandeiras com as
cores do arco-íris, travestis, drag-queens e transformistas em profusão, percorrendo as ruas prin-
cipais do centro, com falações na famosa Boca Maldita (Johan, 2015).
No ano seguinte, segundo Camargos (2018), o acontecimento mais próximo que antecede ao que
podemos chamar de Parada teria ocorrido em São Paulo, no dia 28 de junho, por meio de um ato pú
-
blico na Praça Roosevelt promovido pelo Grupo Corsa. Em 1997, depois de uma passeata realizada
no final do IX EBGLT (Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Travestis), alguns militantes do Grupo
Corsa começaram a planejar um evento de maior porte, em comemoração ao 28 de junho daquele
ano (Facchini, 2005). Dessa forma, no dia 28 de junho São Paulo realizava a sua primeira edição.
Com cerca de dois mil participantes, a “Parada do Orgulho de Gays, Lésbicas e Travestis”,
como denominado à época, foi fruto do trabalho dos grupos CORSA, Núcleo de Gays e lésbi
-
cas do PT de São Paulo, Caheusp, Etc. e Tal, APTA (Associação para Prevenção e Tratamento
da AIDS), AnarcoPunks e Núcleo GLTT do PSTU. Saiu da Avenida Paulista e terminou na Pra
-
ça Roosevelt. Uma perua do tipo Kombi, emprestada pelo Sindicato das costureiras de São
Paulo, fazia as vezes de trio elétrico, e, diferentemente das Paradas seguintes, que seguiam
predominantemente ao som da música que tocava nas boates GLS, na primeira Parada ou
-
viu-se MPB, advinda de três fitas K-7 gravadas por uma das organizadoras e reproduzidas
pelas caixas de som da perua. Em todo o trajeto os militantes revezavam-se ao microfone
para discursar e puxar palavras de ordem entre as músicas. (França, 2006. p. 79).
O modelo da Parada de São Paulo se expandiu para outras capitais e cidades do interior, gerando
uma visibilidade inédita para as demandas do movimento LGBTQIA+, como também consolidando
um mercado voltado para esse segmento.
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Folia, arte e militância em terras sergipanas
2. Artivismo em Sergipe: do Baile dos Artistas à primeira Parada do Orgulho LGBT
A Parada LGBT de Sergipe vem, ao longo dos seus 21 anos, atraindo um número expressivo de
participantes que, em sua grande maioria, são pessoas LGBTQIA+. Dentre os diversos motivos
que as fazem sair de casa, um dos principais é o de reencontrar seus/suas amigos/as. Essa é uma
característica dos rituais populares, a exemplo dos carnavais, que objetivam o encontro e não a
separação (DaMatta, 1997).
É interessante observar que DaMatta (1977), ao analisar diversos rituais, apresenta a oposição
categórica entre rua e casa como ponto focal para o entendimento do mundo social, e quando
se refere ao carnaval aciona a dicotomia dessas categorias ao explicar que nesse ritual existe a
dialética do que deve ficar escondido e do que é abertamente revelado. Para o autor, essa súbita
conscientização do “escondido” e do “exibido” conduz à oposição básica na sociedade brasileira
entre o “ver” e o “fazer”: “De fato, em todo carnaval existem as pessoas que fazem coisas (desfilam,
brincam, cantam, etc.) e as pessoas que simplesmente olham. É uma relação de absoluta com
-
plementariedade, como a que ocorre entre a casa (de onde se olha) e a rua (onde as coisas acon-
tecem)” (DaMatta, 1997, p.145). Assim como acontece no carnaval, na Parada algumas pessoas
fazem parte do cortejo enquanto outras ficam apenas olhando.
Green (2019) afirma que a presença de homossexuais nas festas carnavalescas dividia a socie
-
dade, que reagia numa oscilação entre a aceitação e a repressão, entre a curiosidade e a repulsa.
Segundo o autor, na virada do século XIX para o XX os homossexuais masculinos “invadiram” os
bailes com seus trajes femininos.
Eles também organizavam grupos de travestis que participavam do carnaval de rua. Nos anos
40, os bailes de travestis emergiram como o lugar privilegiado para performances públicas da
inversão da representação de gêneros. Ao longo de toda a década de 1950, a projeção desses
bailes aumentou, à medida que eventos organizados exclusivamente para a subcultura ho
-
mossexual cresciam em número, tamanho e visibilidade. Embora os adeptos do carnaval de
rua também se travestissem, os bailes de travestis eram os principais locais onde a regra era
o desregramento, onde se podiam transgredir normas de masculinidade e feminilidade sem
preocupação com a hostilidade social ou punições. Em meados da década de 1970, os bailes
de travestis passaram a ser parte integrante do carnaval carioca. (Green, 2019, p. 342).
Nota-se que o travestismo e a transgressão de gênero se expandiram das ruas para os espaços fe
-
chados. Em Sergipe, por falta de incentivo do poder público, havia muita dificuldade para realizar
o carnaval de rua nos anos 1960. Para suprir essa lacuna, coube aos clubes realizar um carnaval
privativo. Para Melo (2013), por não haver um carnaval de rua, os clubes concentravam quase toda
a animação da capital.
O clube era um local para ver e ser visto na sociedade, onde se concentravam todas as aten-
ções da cidade no período festivo. E na manhã da quarta-feira de cinzas, ocorria um encon
-
tro de foliões do Iate com os do Cotinguiba, entre cinco e seis horas da manhã, na principal
avenida de acesso ao bairro Treze de Julho, com direito a orquestra, e percorrendo as ruas
adjacentes com o intuito de coroar o carnaval que passou; e também como forma de “dar
uma colher de chá” para aqueles que não tiveram condições financeiras para pagar a entra
-
da nos clubes citados. (Melo, 2013, p. 52).
Nas décadas de 1970 e 1980, os bailes carnavalescos presentes nos clubes eram abertos pelo “Bai-
le dos Artistas”, criado pelo cronista e comunicador social João de Barros, popularmente conheci
-
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Patrícia Rosalba Salvador Moura Costa; Gladston Oliveira dos Passos; Marcos Ribeiro de Melo
do como Barrinhos, uma personalidade bastante importante para a cultura sergipana. Foi um dos
responsáveis pela criação da Associação Sergipana de Cultura (ASC). Exerceu diversos cargos na
área da cultura, foi secretário executivo da Sociedade de Cultura Artística de Sergipe e secretário
executivo do Conselho Estadual de Cultura. Com o programa de rádio “Vanguarda Cultural”, da
ASC, iniciou sua caminhada na imprensa sergipana. Nos jornais, trabalhou na Tribuna de Aracaju,
no jornal O Estado de Sergipe e no Jornal da Cidade.
Posteriormente, fez parte da Rádio Cultura, saindo para a rede Atalaia de Televisão. Como colunista
social, promoveu o Baile dos Artistas por 17 anos e trouxe estrelas do Brasil inteiro; realizou diversos
festivais e encontros, a exemplo do Festival da Mulher, o encontro social só para mulheres, a festa anual
das mães e vários encontros regionais de colunistas sociais; criou o primeiro salão de arte em Aracaju,
que foi o Salão Atalaia de Pintura; e realizou inúmeros concursos de decoração de clubes no carnaval
e outras diversas promoções. Além disso, criou a Associação dos Colunistas Sociais de Sergipe e co-
ordenou por oito anos o Miss Brasil em Sergipe (Santos, 2004). Barrinhos faleceu em 2001 de infarto
fulminante, e, para homenageá-lo, a Assembleia Legislativa de Sergipe (ALESE) instituiu em 2019 a
Medalha do Mérito “Radialista e Jornalista João de Menezes Barros Filhos (Barrinhos)”, a fim de presti
-
giar pessoas que contribuíram com a comunicação no estado de Sergipe (Lacerda, 2021).
Segundo Melo (2013), o “Baile dos Artistas”
era protagonizado pelas fantasias exóticas de foliões
homossexuais e das travestis, que eram,
discriminados durante o ano todo, porém naquele momento festivo eram aplaudidos e as
pessoas que não entravam no baile, ao menos iam para a porta dos clubes para vê-los exi
-
bindo suas fantasias extravagantes. Eram realizados ou no Vasco ou no Cotinguiba, clubes
que toleravam a condição sexual da maior parte dos partícipes do baile; ao contrário do
Iate e da Atlética que negavam seus espaços para esse tipo de baile. Alguns deles chega-
ram a contar com a participação de personalidades nacionais como Elke “Maravilha”, Clóvis
Bornay, Clodovil, Roberta Close e Jorge Lafond (mais conhecido através do personagem
Vera Verão) (Melo, L., 2013, p. 52).
Mesmo com a tolerância aos homossexuais e travestis em espaços exclusivos para heterossexuais,
percebe-se que não havia uma unanimidade desses clubes, a exemplo do Iate e da Atlética, que
eram locais ocupados pelas classes média e alta. Na década de 1990, Barrinhos passa a coordena-
ção do evento para o advogado, cabeleireiro e transformista Antônio Lisboa Neto, que é uma refe-
rência tanto para a comunidade LGBT quanto para a sociedade sergipana em geral. Lisboa nasceu
em 2 de julho de 1947, na cidade de Ilha das Flores, e se apaixonou pela arte da maquiagem e do
cabelo após uma viagem que fez a Brasília ao ver seu amigo de nome Jô fazer os cabelos de seus
clientes. Quando voltou a Aracaju, decidiu seguir a carreira de maquiador e posteriormente partiu
para São Paulo para realizar um curso de cabelo.
Lisboa foi tenor solista por 15 anos do coral da Universidade Federal de Sergipe e fazia transformis
-
mo imitando diversas artistas: Clara Nunes, Liza Minelli, Marisa Monte, dentre outras; além disso,
produziu por 12 vezes o Lisboa Halley Show. Era conhecido também como o estilista das noivas,
tendo mais de 15 noivas de destaque da sociedade sergipana que foram ao altar com roupas criadas
por ele. Atuou na televisão sergipana, precisamente na TV Atalaia, nos anos 1989 e 1990, com o
programa “Lisboa à Tarde”. Na imprensa escrita, fez uma passagem pelo jornal Gazeta de Sergipe
11
,
11
Principal periódico sergipano no período de 1950-2000. O jornal se autointitulava “combativo” e defensor de uma política
“mais justa” (Reis, 2014).
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Folia, arte e militância em terras sergipanas
assinando a coluna “Lisboa Socialmente”, publicada na edição dominical do suplemento “A Gazeti
-
nha” (Santos, 2004).
Na madrugada do dia 27 de julho de 1998, Lisboa foi assassinado no quarto de sua residência
por Márcio Pinto do Monte, que deferiu 14 facadas contra a vítima. Márcio morreu num acidente
automobilístico próximo a Maceió, no dia 29 de setembro de 1998, sem explicar as razões que o
levaram a cometer tamanha brutalidade. A morte de Lisboa criou um clamor na população e ao
mesmo tempo foi importante para a divulgação dos casos de assassinatos contra homossexuais
em Sergipe (Oliveira, 2012). Segundo Costa (2016), durante a década de 1990 muitos homossexu
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ais foram vítimas de crimes violentos. Alguns dos assassinatos acometeram pessoas que galgavam
certo prestígio junto à sociedade por ocuparem cargos importantes ou serem de famílias da elite,
fato que chamou atenção da população para esse problema, que também repercutia com bastante
intensidade na mídia.
Assim que Barrinhos passou a coordenação do Baile dos Artistas para Lisboa, uma das suas pri-
meiras iniciativas foi modificar o nome do evento para “Baile das Atrizes”, que em sua segunda
edição teve como tema os 80 anos de Carmem Miranda. No evento ocorria o desfile de fanta
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sias e para a competição o júri votava em três categorias: luxo, originalidade e melhor Carmem
Miranda. Nessa edição competiram cerca de 20 travestis e houve uma homenagem a Everaldo
Alves Campos, mais conhecido como “Magnólia”
12
, a primeira e mais famosa travesti de Aracaju,
que faleceu em 20 de setembro de 2022 com 74 anos. Como convidada especial, Magnólia se fan-
tasiou de “Carmem Sergipana” em homenagem ao grande talento da música popular brasileira.
Essa preferência pela Carmem Miranda se tornou uma tentativa de acionar uma “brasilidade”
a partir da imagem da cantora, sendo muita das vezes utilizada pelas travestis nos repertórios
de shows. Esse dado é analisado por Soliva (2016) por meio da confirmação de Rogéria
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, que
em entrevista ao jornal O Pasquim, no ano de 1973, disse que, no período em que estava no
Carrousel
14
, todas as brasileiras que lá faziam show tinham algum número de Carmem Miranda
em suas composições. Assim como Magnólia, Lisboa se vestiu de Carmem Miranda e desfilou em
uma fantasia luxuosa nas cores rosa e preto, com bastante brilho e acompanhada da leveza do
dançar das plumas (ver figura 2).
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No final da década de 1970, Magnólia causou na Boate Saveiros, um espaço luxuoso e extremamente elitista que ficava
dentro do Iate Clube. Com uma peruca loira, bem maquiada e usando um vestido vermelho, a travesti entrou acompanhada
de um empresário da moda, conhecido como Wilson do Gavetão. Wilson chegou à boate de braços dados com Magnólia,
a primeira travesti assumida de Aracaju. Na ocasião, ambos foram retirados do clube e Wilson teve o seu título de sócio
proprietário cancelado (Souza, 2022).
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Nascida em Cantagalo, município do Rio de Janeiro, em 1943, como Astolfo Barroso Pinto. Rogéria iniciou a sua carreira
como maquiadora da extinta TV Rio, e essa experiência permitiu que conhecesse atrizes como Fernanda Montenegro e
Bibi Ferreira. Seu nome veio de um concurso de fantasias de carnaval do qual participara. Ficou famosa, assim como outras
travestis, com o espetáculo “Les Girls”. Fez sucesso na Europa, sobretudo no “Carrousel de Paris”, onde foi considerada
uma grande vedete. Regressou ao Brasil em 1973, já com o status de uma diva internacional. Rogéria participou de várias
produções – cinema e televisão –, sendo uma das travestis mais conhecidas no Brasil (Soliva, 2016).
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“O Carrousel de Paris”, conhecido por Rogéria e demais “travestis” dessa geração, permaneceu na Rue Vavin de 1962 a
1985, ano em que fez a sua última apresentação, na qual estava presente Divina Valéria. Antes de 1962, o cabaré situava-se
no 40 da Rue du Colisée, no 8ª arrondissement (Soliva, 2016).
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Patrícia Rosalba Salvador Moura Costa; Gladston Oliveira dos Passos; Marcos Ribeiro de Melo
Figura 2 – Lisboa desfilando na segunda edição do Baile das Atrizes
Fonte: Jornal Gazeta de Sergipe, 17 de fevereiro de 1990.
Por meio do transformismo, Lisboa causava uma reivindicação social na ocupação desses espaços
que muitas vezes eram negados aos homossexuais e travestis. Dessa forma, identifica-se a práti
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ca do artiv