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Revista TOMO
São Cristóvão, v. 42, e19372, 2023
Data de Publicação: Junho/2023
Dossiê
Gênero, sexualidade e resistência nas artes:
olhares e diálogos desde o Sul global
Danielle Parfentief de Noronha (UFF, Universidade Federal Fluminense)
Erna Barros (UFS, Universidade Federal de Sergipe)
Este dossiê é fruto das pesquisas e reflexões que realizamos, em especial, no âmbito do Grupo de
Estudos Culturais, Identidades e Relações Interétnicas (GERTs/UFS), especificamente no GT sobre
gêneros e sexualidades, o qual coordenamos. O conjunto de artigos que compõe esta publicação
também tem a intenção de dar continuidade ao dossiê “Arte e Gênero” que organizamos na Revis
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ta Ambivalências (de Noronha; Barros; Ezequiel, 2020). Dessa vez, o nosso intuito é apresentar
trabalhos que dialoguem com leituras do Sul global, compreendendo o conceito não apenas como
um marcador geográfico e territorial, mas também epistemológico e político. com uma especial
atenção aos processos de resistência que envolvem o universo das artes em relação aos gêneros e
às sexualidades.
Os artigos aqui publicados trazem distintas práticas artísticas, como audiovisual e cinema, artes
plásticas, graffiti, HQ, música, performance, entre outras, que são utilizadas e/ou analisadas para
visibilizar diferentes processos de resistência (Lugones, 2019) que envolvem o universo das artes
em relação ao gênero e às sexualidades. Nesse sentido, os textos apresentam leituras que apon
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tam para narrativas artísticas que propõem rupturas aos discursos binários e normatizadores
que são impostos e naturalizados pelo sistema-mundo moderno/colonial (Quijano; Wallerstein,
1992), que seguem uma lógica patriarcal e cisheteronormativa, e, desse modo, são propostas que
possibilitam narrativas e representações mais plurais e diversas.
Além disso, os estudos que compõem esta publicação estão auxiliando para uma mudança nas bi
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bliografias, perspectivas e objetos das nossas universidades (e pesquisas) ocidentalizadas (Gros
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foguel, 2016), pois trazem teorias e práticas que levam em consideração o lugar social, territorial
e político dos corpos que produzem conhecimento. As pesquisadoras e os pesquisadores aqui
presentes dialogam, então, com outras formas de saber e ser, sem, obviamente, desconsiderar o
rigor e os métodos de uma investigação científica, mas também atentas e atentos às realidades e
aos conhecimentos que as e os cercam.
Nesse sentido, as discussões visibilizam as especificidades das intersecções entre diferentes mar
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cadores sociais da diferença e abordam a temática geral do dossiê em diálogo com questões como
o racismo, a gordofobia, a LGBTQIAPN+fobia, entre outras. São pesquisadoras e pesquisadores de
diversas regiões e universidades do país e também do exterior, que estão refletindo sobre essa
Dossiê
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Danielle Parfentief de Noronha; Erna Barros
relação entre artes, gêneros e sexualidades também por meio de um olhar das Ciências Sociais e a
partir de diferentes métodos, perspectivas e teorias.
O artigo “Conservadorismo, discursos antigênero e disputas narrativas em torno das artes con
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temporâneas no Brasil”, escrito por Danielle Parfentieff de Noronha e Maria Cristina Viviani, busca
investigar o papel dos discursos antigênero na articulação do conservadorismo no Brasil e das
disputas narrativas produzidas em torno do tema no sistema das artes. Para isso, sob perspectivas
decoloniais e feministas, as autoras apresentam uma discussão sobre o tema principalmente a
partir de uma bibliografia latino-americana contemporânea, que é articulada a eventos artísticos
relacionados ao gênero e a pautas LGBTQIAPN+ que foram alvos de investidas conservadoras em
2017, véspera de ano eleitoral.
Em seguida, Ana Paula de Barros apresenta no texto “Resistências aos discursos hegemônicos
nas HQs: o olhar das quadrinistas latino-americanas acerca dos gêneros e das sexualidades” uma
discussão sobre de que maneira, nas últimas décadas, algumas quadrinistas, principalmente, la
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tino-americanas têm abordado os corpos e as sexualidades femininas em suas obras, adotando
diferentes estratégias de resistência à colonialidade de gênero e aos discursos patriarcais, racistas
e eurocêntricos em torno da ideia de feminilidade hegemônica.
Ainda nessa chave da resistência, Erna Barros e Letícia Galvão discutem, no artigo “A resistên
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cia feminina através das agências estetizadas: Reflexões sobre o movimento punk e o graffiti em
Aracaju”, os modos como, no contexto das culturas urbanas contemporâneas, as artes podem se
configurar enquanto recursos de contestação de espaços hegemonicamente masculinos por parte
de mulheres, como no caso do graffiti e do punk, em que definem novas modalidades de ativismo
político na atualidade.
O protagonismo de mulheres é tema do trabalho “Memória, narrativas e resistência com as mu
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lheres Xokó”, de autoria de Ugo Maia Andrade e Ana Marinho. A partir da compreensão de que o
recorte etnográfico sobre o povo Xokó, até o momento, pouco apresentou as narrativas femininas
sobre o papel das mulheres na história das lutas de retomada do território indígena, o artigo bus
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ca refletir sobre a intersecção entre gênero e a construção da memória coletiva, compreenden
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do formas de resistência e o protagonismo das mulheres Xokó. Para isso, utilizam a etnografia, a
pesquisa documental e o audiovisual, que se torna um recurso de contato e interlocução com as
memórias dessas mulheres.
Essa relação entre mulheres, memória e resistência também é abordada no artigo de Catarina Sa
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les Oliveira, “Um encontro com as protagonistas de Cabo Verde. Mulheres, memória e resistência”,
que, por meio de uma pesquisa etnográfica exploratória composta por “entrevistas-conversas”
com 13 mulheres cabo-verdianas e participação direta em eventos culturais, busca mapear di
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ferentes formas de (re)significação da memória coletiva e histórica e perfis de resistência, bem
como elencar questões-chave que norteiam essas mulheres e que, para a autora, consubstanciam
propostas de fazer feminismo(s)
no Cabo Verde contemporâneo.
Na sequência, Catarina Laranjeiro traz reflexões sobre o cinema e o audiovisual como formas de
resistência de mulheres na Guiné-Bissau, visibilizando essas cineastas e suas obras. Além disso,
contextualiza as produções cinematográficas de mulheres no campo mais amplo de suas realida
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des sociais e políticas, investigando também como essas produções têm representado as transfor
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mações de gênero no país, demonstrando seus pontos diferentes, mas também os padrões comuns
presentes nessas narrativas.
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Introdução - Gênero, sexualidade e resistência nas artes
Em “Desmantelando sistemas de controle: o ato de criação queer como fabulação e resistência”,
Daniel Oliveira Silva propõe pensar como o cinema queer, com suas estratégias estético-narrati
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vas, pode contribuir para uma proposta antinormativa de gênero e de sexualidade. Para isso, em
diálogo com teorias decoloniais, investiga como diversos filmes contemporâneos têm encenado
um ato de criação queer e em que medida é possível pensar tal ato de criação no âmbito brasileiro.
Escrito por Patrícia Rosalba Salvador Moura Costa, Gladston Oliveira dos Passos e Marcos Ribeiro
de Melo, o artigo “Folia, Arte e Militância em Terras Sergipanas: do Baile dos Artistas à Parada
do Orgulho LGBT” apresenta um histórico do desenvolvimento da Parada do Orgulho LGBT de
Sergipe, apontando os contextos internacional e nacional que influenciaram a sua criação, e uma
etnografia do evento nos anos de 2021 e 2022. A autora e os autores defendem a existência do
artivismo na Parada LGBT sergipana.
O artigo “Masculinidades em cena: uma análise de ‘Rainha Diaba’ e ‘Madame Satã’”, de Jonatas
Breno Silva Santos e Renata Malta, investiga as masculinidades em personagens gays nos filmes
brasileiros “Rainha Diaba” (1974) e “Madame Satã” (2002), em que os protagonistas estão inseri
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dos em um contexto de subalternidade, marginalidade, desvio e ruptura social. Assim, a pesquisa
tem o intuito de visibilizar como seus protagonistas são representados em relação às questões de
gênero e outros marcadores como raça, etnia e classe.
Ana Ângela Farias Gomes e Victor Adriano Ramos discutem a representação das mulheres negras
nas telenovelas brasileiras em papel de protagonismo no estudo “Tem negras nessa novela? A
representação da mulher negra em Lado a lado”. Em diálogo com o pensamento feminista negro,
especialmente a partir das reflexões de Patricia Hill Collins e Lélia Gonzalez, a autora e o autor re
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fletem sobre como essas representações atuam para quebrar noções estereotipadas da população
negra em geral e, em específico, da mulher negra, ou manter conceitos racistas e pré-determina
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dos.
Por meio da carta como método e forma de análise, “Carta para Anastácia”, escrito por Morgana
Barbosa, apresenta um diálogo entre a arte, as desigualdades de gênero e o racismo na sociedade
brasileira. A narrativa do texto parte da experiência coletiva da autora na performance artística
Epístolas Profanas, que busca refletir o silenciamento cultural das mulheres na construção histó
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rica da identidade de gênero no Brasil, considerando as intersecções raciais, sobretudo a questão
da mestiçagem e suas implicações (est)éticas, em uma perspectiva decolonial.
Para fechar este dossiê, Elaine de Jesus Souza, Eugerbia Paula da Rocha e Claudine Santos apre
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sentam o texto “Todo mundo tem corpo de biquíni”: problematizando a gordofobia e padrões de
feminilidades a partir do filme “Dumplin’”, que traz os resultados de uma pesquisa construída por
meio de grupos focais com estudantes do ensino Médio do Cariri cearense. O filme é o ponto de
partida para a interlocução e o diálogo com as estudantes, que refletem sobre gordofobia, gênero
e sexualidade, em especial, no contexto escolar.
Por fim, gostaríamos de agradecer a todas as pessoas que enviaram seus trabalhos para a chamada
deste dossiê, às e aos pareceristas e à toda equipe da Revista TOMO. Esperamos que esta publi
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cação contribua para as discussões sobre arte, sexualidade e gênero e também seja uma forma
de resistência e um lugar para visibilizar pesquisadoras, pesquisadores e estudos mais plurais e
diversos. Boas leituras!
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Danielle Parfentief de Noronha; Erna Barros
Referências
de Noronha, Danielle Parfentieff; Barros; Erna; Ezequiel, Maíra. Dossiê Arte e Gênero.
Revista Ambivalências,
v. 8, n. 15,
2020. Disponível em: https://seer.ufs.br/index.php/Ambivalencias/issue/view/1026
Grosfoguel, Ramón. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os
quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI.
Sociedade e Estado
, 31(1), 2016, p. 25-49.
Lugones, María. Rumo a um Feminismo Descolonial.
Estudos Feministas
, 22, 3, 2014.
Quijano, Aníbal; Wallerstein, Immanuel.
La Americanidad como concepto, o América en el moderno sistema mun-
dial
. Rics, 44(4), 1992, p. 583-591.
HISTÓRICO
Recebido:
Junho/23
Parecer: -
Parecer: -
Aceito: -
Revisado Autor: -
Revisão Gramatical/Ortográfica e ABNT: Junho/23
Revisado Autor: Junho/23
Diagramação: Junho/23
Publicado: Junho/23
Equipe Editorial Revista TOMO envolvida no processo editorial deste artigo
Marina de Souza Sartore (Editora-Chefe)