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Juventudes e cidadania: práticas culturais e políticas públicas
Organizadores:
Frank Marcon (UFS, Universidade Federal de Sergipe)
Mariana Chaves (Universidad Nacional de la Plata)
Ricardo Campos (Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade NOVA de Lisboa)
As Ciências Sociais têm raízes sólidas nas interações estabelecidas entre os processos sociais, po-
líticos e culturais. Estas interações promovem intercâmbios e complementações importantes para
o desenvolvimento da área. No entanto, a solidificação dos seus diversos campos a partir da divi-
são entre Sociologia, Antropologia e Ciência Política produziu diferenciações potencializadas pelo
processo de especialização e de profissionalização das áreas, que priorizaram objetos de estudo
delineados a partir de conceituações teóricas oportunas e específicas, além de maximizar as espe-
cificidades metodológicas utilizadas em cada uma dessas áreas.
No que delimita a preocupação desse dossiê, se destaca a percepção de que a consolidação da
Sociologia a caracteriza como uma ciência especializada na reflexão e interpretação sobre as rela-
ções, estruturas e os processos sociais. A Ciência Política, tradicionalmente, realiza estudos sobre
o papel das instituições, das formas nem sempre equitativas de distribuição de poder, do papel do
Estado na sociedade e do oferecimento de serviços públicos. Contudo, há um meio termo entre
essas duas áreas, que foi destacado ao longo da história das Ciências Sociais brasileira como Socio-
logia Política e foi explorada, ora como tentativa de construir um campo próprio de análise e ora
inserida como uma subárea da sociologia.
Para isso, parece oportuno destacar um rápido esboço de sua trajetória, demarcando sua origem
associada a uma maior atenção da comunidade acadêmica para a intensificação da onda demo-
crática na Europa do século XX, bem como, em uma crescente complexidade dos desafios daquele
momento que exigiam respostas de natureza sociológica e política. Como apontou Souza (2009),
com a implementação de novos direitos, como direito ao voto, direito a organização etc., novos
temas e objetos de pesquisa passaram a se tornar recorrentes nas ciências sociais, contudo, essas
análises partiam de uma preocupação sociológica que afirmava a estrutura social. Esse enfoque
delimitava esses novos temas e análises a uma subdivisão da sociologia, que rapidamente passou
a ser denominada como Sociologia da Política e, a partir dela, se destacaram os primeiros estudos
pautados na sociologia dos partidos, sociologia dos sindicatos etc.
O que se deu a partir desse início foi a existência de uma série de pesquisas que se estabeleciam
próximas a essas discussões e flertavam tanto com a Sociologia quanto com a Ciência Política.
Perissinoto (2004), ao debater sobre o surgimento e transformações da Sociologia Política, citou
Revista TOMO
São Cristóvão, v. 43, e22234, 2024
Data de Publicação: Novembro/2024
Dossiê
Dossiê
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Frank Marcon; Mariana Chaves; Ricardo Campos (Orgs.)
a definição clássica de Sartori (1969) que diferenciava a “Sociologia da Política” e a “Sociologia
Política”. Sua importância para o campo é destacada pois ele a compreende como um “híbrido
interdisciplinar”, capaz de realizar tanto análises em torno de estruturas sociais, quanto de es-
trutura política, demonstrando assim, que os sistemas sociais, políticos e econômicos são inter-
dependentes.
No caso brasileiro, a sociologia política, dentro dessa lógica híbrida e interdisciplinar, deixou sua
marca em obras que, embora não fossem definidas como tal, possuíam características próprias
desse novo campo, como as obras de Oliveira Viana, Maria Sylvia de Carvalho Franco, Victor Nunes
Leal, entre outros. Isso ocorria, como explicou Sallum Jr. (2002), ao citar o volume 23 da Revista
Dados de 1980, motivado pela pouca diferenciação entre o que se produzia na Sociologia Política
Brasileira e o que já era produzido pela Ciência Política.
A busca por uma diferenciação com a Ciência Política e a tentativa de um maior diálogo com a So-
ciologia passou a ser tornar uma preocupação dominante a partir da década de 1980 e foi sendo
ampliada nas décadas seguintes com o esforço de pesquisadores como Brasílio Sallum Jr., André
Botelho, Renato Perissonoto, Nelson Rosário de Souza, entre outros. Essas tentativas de definição
da área foram responsáveis pela presença de disciplinas em pós-graduação, dossiês e artigos em
revistas1 e com a presença constante nos eventos de Sociologia (com GTS na SBS) e de Ciência
Política (com uma área temática especifica na ABPC).
Embora a sociologia política tenha ocupado seu espaço no interior das duas grandes áreas de ori-
gem, ele ainda não possuiu força para se estruturar como uma nova área, mesmo assim, ela tem
servido de refúgio para propostas interdisciplinares que buscam o diálogo entre a Sociologia e a
Ciência Política, servindo assim como uma ponte importante nos debates das ciências sociais.
Esse dossiê surgiu do interesse de seus organizadores em contribuir para a solidificação deste
“hibrido interdisciplinar”. Assim, o foco do dossiê foi reunir pesquisas que pudessem ter temáticas
distintas, mas que tivessem um foco de demonstrar como podemos operacionalizar atualmente o
quadro analítico da Sociologia Política.
A partir dessa ideia buscávamos textos que intrincassem análises em torno da Sociologia e da
Ciência Política, sustentadas em seus debates teóricos ou que manifestassem em suas propostas
metodológicas e empíricas uma ruptura dos usos específicos e isolados dessas duas áreas.
Embora a Sociologia Política tenha se consolidado como uma subárea de pesquisa, ela ainda en-
frenta os problemas da, cada vez maior, especialização de nossas produções e da necessidade im-
posta pelas grandes agências de fomento de nos situarmos nossos temas em Sociologia ou em Ci-
ência Política. Os artigos que compõem este dossiê comprovam o quanto a Sociologia Política pode
ser, de fato, uma junção entre arcabouços analíticos da Sociologia e da Ciência Política, criando um
caminho bastante frutífero.
Para iniciar este dossiê, apresentamos o artigo de Igor Suzano Machado, “Sociologia política da
política ou sociologia política do político?”. A leitura nos leva a uma teorização sobre a política e
o político a partir da distinção observada nos trabalhos de Laclau e Mouffe e a análise sobre os
possíveis objetos de estudo da Sociologia Política.
Em seguida o artigo “O impacto da Pandemia de Covid-19 na Educação Brasileira” de Janaina Oli-
veira, Luciléia Colombo, Lucas Santana que contribui para o debate sobre políticas públicas e de-
sigualdades sociais ao avalia analisar as políticas públicas emergenciais empreendidas no âmbito
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Juventudes e cidadania: práticas culturais e políticas públicas
da educação, observando os impactos dessas ações sobretudo do ensino remoto, na educação bá-
sica brasileira em três estados diferentes do Brasil: Amazonas, Maranhão e São Paulo.
O terceiro artigo, escrito por Alex Ricardo Bombarda, tem como título “As reformas neoliberais e
a precarização do trabalho docente na educação paulista”. O autor mapeia as principais reformas
educacionais ocorridas no estado de São Paulo nos anos 1990 e concomitantemente, analisa o im-
pacto dessas mudanças em relação à atuação do sindicato para ponderar em que medida a política
neoliberal moldou a educação e a atuação da Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Esta-
do de São Paulo (APEOESP). A importância desse texto para o dossiê, está em sua atuação híbrida
tanto ao se pensar a política pública quanto a atuação do sindicato dos professores.
Em sequência temos o artigo: “Quando o assunto é união estável de pessoas do mesmo sexo e
aborto: respostas de crentes evangélicos” escrito por José Eduardo Caldeirão que traz o resultado
do trabalho de campo sobre as visões de mundo dos membros das igrejas evangélicas Assembleia
de Deus – Belém e Igreja Internacional da Graça de Deus, com o enfoque nas questões envolvendo
o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Caldeirão tem produzido uma pesquisa
bastante relevante sobre a atuação e comportamento político e religião, algo que se destaca na
proposta desse dossiê.
No quinto texto, “A guerra dos “imbroxáveis” contra a boneca de plástico. A vertente mais reacio-
nária do Bolsonarismo”, Ariel Finguerut e Fernando de Oliveira Vieira aprofundam o debate em
torno das redes de movimentos masculinistas que vem se consolidando nos cenários das novas
direitas. O artigo, com a preocupação de estabelecer um estudo de caso sobre youtubers e influen-
cers digitais da “machosfera”, ressalta a necessidade de que se desenvolvam pesquisas sobre o
recrudescimento reacionário em torno do tema da masculinidade. É importante destacar que os
estudos sobre as novas direitas têm se encaixado de forma bastante robusta de maneira interdis-
ciplinar nas ciências sociais, história e comunicação social, mostrando que novos temas e novas
problemáticas necessitam de uma análise que amplie as especificidades das áreas.
Por fim, o artigo ““Marxistas, maníacos e lunáticos”: as retóricas das novas direitas sobre a domina-
ção das esquerdas nas universidades dos Estados Unidos da América (EUA)”, escrito Marco Auré-
lio Dias de Souza e Camila de Jesus Oliveira analisa a transnacionalização de ataques reacionários
da educação realizados pelas novas direitas, buscando suas origens em movimentos das novas
direitas estadunidenses. Para isso, o artigo estabelece retóricas reacionárias que servem como
direcionamento para analisar a atuação do ativista David Horowitz e sua influência em campanhas
internacionais de ataques a professores e universidades. Ao fazer isso, o artigo necessidade de
um arcabouço teórico e metodológico diversificado que compreenda a atuação de movimentos de
viés conservador/reacionários/ a produção de pensamento pelas novas direitas e a construção de
projetos políticos associados a esse campo político.
Ao se emaranhar em temas que conectam o atual cenário de ascensão de políticas de direita com
temas sobre educação, gênero e religião, esperamos que o leitor da Revista Tomo tenha a possi-
bilidade de encontrar as análises próprias da Sociologia Política. Esperamos também que esses
artigos contribuam para o debate em torno dos temas e para a formação de novos Sociólogos-
-Políticos interessados em desenvolver análises que conjuguem contribuições da Sociologia e da
Ciência Política.
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Frank Marcon; Mariana Chaves; Ricardo Campos (Orgs.)
Referências
BOTELHO, A. (2007). Sequências de uma sociologia política brasileira. DADOS Revista de Ciências Sociais. 50(1), 49-82.
Botelho, André. O retorno da sociedade: política e interpretações do Brasil. São Paulo Vozes, 2019.
PERISSINOTO, R. M. Política e sociedade: por uma volta à Sociologia Política. Política e Sociedade, Curitiba, vol.3, n.5,
p.203 -232, 01 de jan. de 2024. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/1986. Data
do Acesso: 02 de mai. 2024.
SALLUM JUNIOR, B. Notas sobre o surgimento da Sociologia Política em São Paulo. Política e Sociedade, Curitiba, vol.1,
n.1, p.73-86, 01 de jan. de 2002. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/4930. Data
de Acesso: 02 de maio de 2024.
SARTORI, G. Da Sociologia da política à Sociologia Política. In: LIPSET, S. M. (Org.). Política e Ciências Sociais. Rio de
Janeiro: Zahar,1969.
SOUZA, N. R. Sociologia Política. Curitiba: IESDE, 2009.
HISTÓRICO
Recebido: Dezembro/2024
Parecer: -
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Aceito: -
Revisado Autor: -
Revisão Gramatical/Ortográfica e ABNT: Dezembro/2024
Revisado Autor: Dezembro/2024
Diagramação: Dezembro/2024
Publicado: Dezembro/2024
Equipe Editorial Revista TOMO envolvida no processo editorial deste artigo
Marina de Souza Sartore (Editora-Chefe)