Chamada para "Dossiê Temático Políticas de Comunicação na Argentina: Conflitos, Resistências e Crise Democrática"
A Revista EPTIC – Revista Eletrônica Internacional de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura – abre chamada para submissão de trabalhos para o dossiê temático Políticas de Comunicação na Argentina: Conflitos, Resistências e Crise Democrática, a ser publicado na terceira edição de 2025 (vol. 27, n. 2, mai-ago.). O dossiê será coordenado pela Profª Lic. Florencia Guzmán (Universidad Nacional de San Luis) e pelo Prof. Dr. Ezequiel Rivero (CONICET, Universidad Nacional de Quilmes). Interessados devem submeter trabalhos até o dia 30 de abril de 2025.
As políticas de comunicação na Argentina, em particular aquelas vinculadas ao setor da radiodifusão, historicamente privilegiaram o desenvolvimento do setor privado comercial. Desde o Decreto-Lei 22.285, sancionado em 1980, durante a ditadura militar, consolidou-se a primazia da lógica mercantil na configuração do sistema de meios de comunicação e a exclusão de prestadores sem fins lucrativos. Durante o menemismo (década de 1990), esse modelo foi aprofundado com uma etapa inicial de privatização de meios públicos, seguida por um processo de estrangeirização e desnacionalização de empresas do setor (Albornoz; Hernández, 2009).
O período de Néstor Kirchner (2003-2007) foi marcado por contradições, com políticas que permitiram tanto uma maior concentração no setor de televisão por assinatura quanto o início do reconhecimento legal do setor não lucrativo como ator da comunicação audiovisual.
A partir de 2008, sob os governos de Cristina Fernández (2007-2015), foram impulsionadas iniciativas voltadas para a democratização das comunicações. Entre elas, a mais emblemática foi a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual 26.522 (Segura, 2016). No entanto, essa normativa enfrentou forte judicialização e resistência do setor empresarial, resultando em uma implementação limitada e um impacto moderado na estrutura do mercado, que permaneceu altamente concentrado. Durante esse período, o Estado passou a atuar na produção de satélites, na manutenção de data centers sob gestão estatal e na expansão da infraestrutura de conectividade, com a criação da Rede Federal de Fibra Óptica (Baladron, 2018), entre outras políticas destinadas a universalizar o acesso às TIC.
A chegada do macrismo (2015-2019) representou um processo de “restauração” que reverteu grande parte do arcabouço regulatório e das políticas voltadas para o setor (Monje, Rivero, Zanotti, 2017 a & b; Rivero, Zanotti, 2017). Essa mudança imprimiu uma abordagem pró-mercado em áreas-chave, como o audiovisual, as telecomunicações e os meios de comunicação públicos (Loreti, de Charras, Lozano, Baladron, 2021; Becerra, Mastrini, 2021).
Durante esse período, houve uma intensificação da concentração midiática, mudanças na estrutura de propriedade dos meios e o desmonte de regulações essenciais. Além disso, paralelamente às políticas adotadas no período, aceleraram-se processos preexistentes, como a convergência digital, a migração de audiências, a concentração empresarial e o aumento da precarização do trabalho no setor.
De modo geral, o governo da Frente de Todos (2019-2023) não reverteu esses retrocessos nem impulsionou uma agenda ativa em matéria de políticas de comunicação (Krakowiak, Mastrini, 2020), o que representou uma mudança em relação à dinâmica oscilante entre modelos progressistas e liberais que caracterizou o período 2007-2019. No entanto, nesse período, houve continuidade nos planos de ampliação da infraestrutura pública de conectividade.
Com a chegada do governo de extrema direita de Javier Milei (2023-), observam-se elementos novos, mas também reminiscências da década de 1990 e da gestão de Cambiemos (2015-2019). Em seu primeiro ano de mandato e com pouca intervenção do Congresso, o Executivo adotou medidas de grande impacto no setor que representam fortes retrocessos, afrontas à democracia, desproteção de setores vulneráveis, aumento exponencial dos lucros de alguns dos atores mais concentrados, captura do Estado, abertura dos céus e desfinanciamento de empresas públicas do setor infocomunicacional. Sem a intenção de ser exaustivo, destacam-se, entre outras medidas:
- Intervenção no ENACOM, com a dissolução de seu diretório e o fechamento de delegações provinciais, enfraquecendo o controle regulatório e a proteção dos direitos de usuários e audiências.
- Intervenção na Radio y Televisión Argentina Sociedad del Estado (RTA S.E.), entidade responsável pela administração dos principais meios públicos nacionais.
- Fechamento da agência nacional de notícias Télam, anteriormente alvo de ataques e desmantelamento durante o período macrista (Suárez, 2019), agora transformada em uma gestora de publicidade estatal.
- Modificação da Lei de Acesso à Informação Pública, restringindo a disponibilidade de dados governamentais.
- Dissolução do Fundo de Serviço Universal (FSU), levantando incertezas sobre o futuro das políticas de conectividade e o combate à desigualdade digital no país.
Neste contexto de mudanças aceleradas, inseridas em transformações mais amplas que transcendem as fronteiras nacionais —como a crescente plataformização da comunicação e a disseminação das inteligências artificiais generativas—, o dossiê busca reunir pesquisas que analisem a evolução e o estado atual das políticas de comunicação na Argentina, a partir da perspectiva crítica oferecida pela Economia Política da Comunicação (EPC).
Para esta chamada de trabalhos, esperamos artigos que proponham reflexões críticas sobre os seguintes aspectos:
- Evolução e estado atual das políticas de comunicação na Argentina
- Políticas de comunicação em governos de extrema direita
- Debates teóricos e metodológicos no campo da EPC na Argentina e na America Latina
- Políticas atuais para os meios comunitários e sem fins lucrativos
- A sociedade civil e suas demandas em matéria de comunicação diante da reconfiguração do Estado
- Política de publicidade oficial em nível nacional e subnacional
- O papel das plataformas globais nos mercados audiovisuais locais
- Debates e iniciativas regulatórias sobre plataformas digitais
- Regulação e impacto da Inteligência Artificial na comunicação e nos meios de comunicação
- Modelos de televisão e rádio pública-estatal
- Estrutura dos mercados infocomunicacionais e concentração
- Precarização do trabalho em tempos de digitalização e plataformas
- Políticas de conectividade e serviço universal
- Infraestrutura pública de telecomunicações e conectividade
Referências
ALBORNOZ, Luis; HERNÁNDEZ, Pablo. La radiodifusión entre 1995-1999: concentración, desnacionalización y ausencia del control público. Em: Mastrini, Guillermo (ed.). Mucho ruido, pocas leyes. Economía y políticas de comunicación en la Argentina (1920-2007) (pp. 261-290). 2da ed. Buenos Aires: La Crujía, 2009.
BALADRON, Mariela. El Plan Nacional de Telecomunicaciones Argentina Conectada (2010-2015) en el marco de las políticas públicas de universalización del acceso a internet. Dissertação de mestrado. Universidad Nacional de Quilmes, Buenos Aires, 2018.
BECERRA, Martin; MASTRINI, Guillermo (comp.). Restauración y Cambio. Las políticas de comunicación de Macri (2015-2019). Ediciones SiPreBa: Buenos Aires, 2021.
KRAKOWIAK, Fernando; MASTRINI, Guillermo ¿Política de comunicación o DNU?. Observacom.org. 03 de set. 2020. https://www.observacom.org/politica-de-comunicacion-o-dnu/
LORETI, Damián, de CHARRAS, Diego, LOZANO, Luis, BALADRON, Mariela. Futuro por Pasado. Regresión de derechos en las políticas de comunicación del gobierno de Mauricio Macri. IEALC, UBASociales: Buenos Aires, 2021.
MONJE, Daniela, RIVERO, Ezequiel, ZANOTTI, Juan Martin. Nuevas disputas por el Derecho a la Comunicación en Argentina: el giro a la derecha a partir de diciembre de 2015. Em: Sierra, F. & Vallejo, R. (eds.). Derecho a la comunicación. Procesos regulatorios y Democracia en América Latina y Ecuador. 2017 Ediciones CIESPAL, 2017a, pp 65-96.
MONJE, Daniela, RIVERO, Ezequiel, ZANOTTI, Juan Martin. Contrarreforma en la TV Pública de Argentina: Cambios regulatorios, institucionalidad afectada y pérdida de centralidad. Revista Eletrônica Internacional de Economia Política da Informacão da Comunicacão e da Cultura - EPTIC. Vol. 19, nº2, mayo-agosto 2017b. Disponível em: https://seer.ufs.br/index.php/eptic/article/view/7225
RIVERO, Ezequiel, ZANOTTI, Juan Martin. Debates hacia la Ley de Comunicaciones Convergentes en la Argentina: de las audiencias públicas al comité de expertos. Revista Eletrônica Internacional de Economia Política da Informacão da Comunicacão e da Cultura - EPTIC. Vol. 19, nº1, jan-abr. 2017, p. 170-183. Disponível em: https://seer.ufs.br/index.php/eptic/issue/view/504
SEGURA, María Soledad et al. Los medios sin fines de lucro entre la ley audiovisual y los decretos. Estrategias, desafíos y debates en el escenario 2009-2015. Editorial de la UNC, libro digital, Córdoba, 2016.
SUÁREZ, Mariano. Télam: el hecho maldito del periodismo argentino: una historia narrada por sus trabajadores. Mil Campanas: Buenos Aires, 2019.