Gaslighting como violência gramatical: uma leitura baseada na epistemologia wittgensteiniana
DOI:
https://doi.org/10.52052/issn.2176-5960.pro.v17i47.22668Resumo
Gaslighting pode ser entendido enquanto um tipo de manipulação na qual a vítima é induzida a pôr em dúvida suas próprias percepções e experiências mais básicas e, portanto, sanidade. Para compreender qual a natureza do tipo de dúvida que surge nas vítimas de casos de gaslighting, Trächtler (2022) busca explicitar como é possível que alguém seja levado ao desespero ao ser manipulado a suscitar autoquestionamentos sistemáticos sobre assuntos tão fundamentais de sua própria vida. Para tanto, a autora apresenta uma conceituação do gaslighting enquanto um tipo de injustiça epistêmica seguindo Fricker (2007). Alinhado a isto, a partir de reflexões epistemológicas inspiradas no Sobre a Certeza (1969), obra póstuma de Wittgenstein, Trächtler fornece também uma discussão detalhada sobre a natureza de nossas práticas de duvidar. Aqui defendemos, como Trächler que os autoquestionamentos presentes na prática de gaslighting de fato violam os limites dos nossos jogos de linguagem cotidianos, mas consideramos incoerente interpretar que o dano causado nessa prática incida prioritariamente sobre ao domínio epistêmico da vítima. Nesse sentido, também inspirados em Wittgenstein (1969), defenderemos aqui que o fenômeno gaslighting deva ser mais adequadamente enquadrado conceitualmente como uma forma de violência gramatical. Gaslighting deveria ser tomado, portanto, como um ataque prioritariamente gramatical, no sentido wittgensteiniano, que propriamente epistemológico. A partir dessa conceitualização, exploramos as implicações do que chamamos aqui de violência gramatical e apontamos uma possível forma de resistir, também, gramaticalmente, ao gaslighting.