O Pordē de Crates e a Conversão de Metrocles à Filosofia Cínica
DOI:
https://doi.org/10.52052/issn.2176-5960.pro.v12i32.11539Abstract
O presente trabalho tem como finalidade investigar uma anedota contada por Diógenes Laércio no Capítulo 6 do Livro VI de sua obra Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres. Nela, Diógenes nos conta uma história sobre Metrocles, um peripatético discípulo de Teofrasto, que certo dia enquanto fazia exercícios na academia de ginastica soltou um peido involuntariamente. Tal ato foi realizado tendo em vista que Metrocles era fraco fisicamente e que, por este motivo acabou soltando o peido, pois seu corpo estava fazendo muita força durante os exercícios. Ao ser alvo de escárnio público, Metrocles trancou-se em seu quarto pretendendo morrer de inanição. No entanto, os pais do rapaz chamaram o cínico Crates de Tebas para ajudar o pobre garoto. O mais famoso pupilo de Diógenes, o Cão, com apenas um simples peido conseguiu reanimar o menino, convertendo-o para a filosofia cínica. No entanto, apesar de ser engraçada e escatológica, tal história possui um conteúdo altamente sério. No fundo, Diógenes Laércio nos mostra - implicitamente - uma disputa entre a ética aristotélica e a ética cínica. Nos mostra que a ética peripatética não foi suficiente para impedir o rapaz de se matar devido à vergonha que sofrera. Isso se dá tendo em vista o grande valor dado pela escola para os: 1) bens corpóreos (como a beleza e a força física) e os 2) bens externos (como a honra). Metrocles ao ser alvo de escárnio público tendo em vista sua frágil condição física não detinha de dispositivos necessários para resistir aos eventos externos que lhe ocorreram. Por outro lado, a filosofia cínica detinha de tais dispositivos. O cinismo, marcado pelo extremo naturalismo, mostrou para Metrocles que tal problema se dava ao seu extremo apego ao νομός (convenções). Com um simples ato (peido), Crates nos mostra conceitos-chaves da filosofia cínica, a saber: a ideia de retorno à natureza (κατα φυσιν), o falar verdadeiro (παρρησία) e o despudor (ἀναίδεια) e, acima de tudo, o pragmatismo da escola cínica, pois o cinismo é caracterizado como uma escola que realiza sua filosofia através da ação. Tais conceitos, concentrados em uma pequena história são centrais para o autodomínio (ἐγκράτεια) e a liberdade (ἐλευθερία) do cínico perante as convenções (νομός) da sociedade, garantindo assim a felicidade (εὐδαιμονία) do indivíduo.