Apresentação

Autores

  • Renata Ferreira COSTA UFS
  • Phablo Roberto Marchis FACHIN USP

DOI:

https://doi.org/10.51951/ti.v10i20

Resumo

Apresentação

 

Nesta edição, a Revista Travessias Interativas publica artigos cujas propostas de trabalho concentram-se no âmbito da Filologia, da Crítica Textual e da Crítica Genética. Em um contexto de pesquisa documental, com uma série de recursos tecnológicos, advindos principalmente das Humanidades Digitais, que têm proporcionado novos caminhos e significativas formas de enriquecimento de ciências consideradas tradicionais, como a Filologia, a Paleografia, a Diplomática, a Codicologia e a História, nunca se fez tão necessário um estudo substancial de textos, manuscritos e impressos, da sua gênese ao seu processo de transmissão.

O artigo que abre o volume tem como título Um caminho de retorno como base: proposta de normas de transcrição para textos manuscritos do passado. Sílvio de Almeida Toledo Neto, considerando a Filologia como curadoria textual, apresenta um conjunto de normas semidiplomáticas com o objetivo de facilitar a leitura ao pesquisador não afeito à consulta direta de manuscritos e permitir a recuperação do modelo que se pretende transcrever. Trata-se de abordagem teórico-prática que tem como resultado o fato de que um conjunto de normas nunca pode ser considerado definitivo nem quanto à categoria em que se enquadra, nem quanto ao gênero de texto que pretende transcrever, nem quanto à época escolhida, pois a transcrição classificada como semidiplomática varia em relação às suas limítrofes e ao tipo de intervenção gráfica e conjuntura que aceita.

Carla Carolina Ferreira Gomes Querino, com artigo intitulado Livro de ofícios diversos do asilo São João de Deus (1876-1884): aspectos paleográficos, codicológicos e diplomáticos, apresenta o resultado de análises filológicas iniciais acerca de um relatório que integra o Livro de Ofícios Diversos do Asilo São João de Deus (1876-1884), com documentos relacionados à comunicação entre o Asilo e a Santa Casa de Misericórdia da Bahia, responsável por sua administração desde a sua inauguração em 1874 até 1912. O objetivo do estudo é a apresentação e a descrição de características paleográficas, codicológicas e diplomáticas dos relatórios selecionados. Trata-se de trabalho que tem como base a materialidade documental e a sua escrita, possibilitando também ampliar o conhecimento acerca da situação da saúde pública na Bahia, em especial no que se refere ao contexto da saúde mental durante a segunda metade do século XIX.

No terceiro artigo, Lapidando manuscritos diamantinos: uma escriptura sob a lente da filologia, Elias de Souza Santos, tendo como base uma escritura particular de compra e venda, presente em um memorial do Mulungu dos Pires, povoado localizado nas adjacências de Iaraquara, na Chapada Diamantina, Bahia, apresenta o tratamento filológico realizado, mais especificamente, a edição semidiplomática. O estudo proposto enfatiza a importância de se preservar a memória documental de um povo, assim como a diamantina, que por vezes se perde porque os testemunhos são incinerados, jogados ao lixo e depositados em lugares inapropriados pelo próprio homem, por julgarem não serem importantes, assim são também entregues às intempéries do tempo, às traças, cupins e insetos em geral.

Por meio de carta de denúncia das internas do Recolhimento do Santo Nome de Jesus, datada do século XIX, escrita na Bahia, e pertencente ao acervo da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, Rose Mary Souza de Souza e Norma Suely da Silva Pereira apresentam o artigo intitulado Edição de uma carta das internas do recolhimento do Santo Nome de Jesus: abreviaturas e outros aspectos paleográficos. O trabalho apresenta aspectos da escrita, do suporte e da estrutura do documento. Trata-se de pesquisa de base filológica, por meio da realização de uma edição semidiplomática e de investigação de um documento que relata aspectos de um conflito envolvendo algumas mulheres enclausuradas, as quais alegam sofrer violência física e psicológica dentro do recolhimento. Como resultado apresentam particularidades da escrita do período, bem como novos aspectos acerca da prática do recolhimento feminino.

Com o título Pelos caminhos da edição filológica: o processo crime de homicídio de 1902-1909, Izaías Araújo das Neves Paschoal e Rita de Cássia Ribeiro de Queiroz buscam preservar uma parte da história da cidade de Feira de Santana (Bahia), local em que o processo crime de homicídio de Marcellino Manoel dos Santos, cometido pelo réu Manoel Mendes de Aragão, foi lavrado, cuja documentação manuscrita está sob guarda do Centro de Documentação e Pesquisa (CEDOC) da UEFS. Ao disponibilizar o corpus para pesquisa, os autores visam auxiliar nos estudos linguísticos. O trabalho tem como objetivo a edição fac-similar e semidiplomática do documento, de acordo com as edições filológicas feitas no âmbito do Grupo de Estudos do Texto (GET), da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).

Em O labor filológico na edição de um manuscrito histórico do século XIX, Tamires Sales de Quadros e Eliana Correia Brandão Gonçalves apresentam três edições filológicas, em versões fac-similar, semidiplomática e interpretativa, de um manuscrito disponibilizado na plataforma digital do Projeto Resgate. Escrito em 7 de julho de 1822, o texto trata da aclamação do Príncipe D. Pedro na vila de Itapicurú. O documento é acrescido em significações em contexto de leitura com viés político-histórico e pedagógico, por meio de edições de textos – conservadoras e atualizadas – direcionadas tanto a um público de especialistas quanto a um público mais amplo. As autoras defendem que o trabalho filológico também pode se tornar instrumentação coletiva e individual para o reconhecimento das narrativas registradas na edição de documentos históricos e da história dos grupos sociais, de sua língua e de sua luta.

Carolina Faleiros Felício e Vanessa Regina Duarte Xavier, em Saibam quantos este publico instrumento virem: um estudo de realizações gráficas em manuscritos oitocentistas catalanos, fazem uma análise descritiva de ocorrências gráficas em documentos manuscritos notariais produzidos em Catalão, Goiás, na segunda metade do século XIX. O estudo focaliza as grafias de vocábulos com “h” diacrítico, etimológico e marcador de hiato, com consoantes geminadas e com consoantes duplas, identificando-as como práticas de escrita vigentes no período pseudoetimológico da ortografia portuguesa, no qual os documentos se inserem.

No artigo O livro de actas da Companhia Agro Fabril Mercantil (1912-1941): transcrição e análise linguístico-filológica de manuscritos do sertão nordestino, Cezar Alexandre Neri Santos e Kátia Silene do Nascimento propõem uma edição diplomática de partes de um livro de atas da companhia Agro Fabril Mercantil, documento da primeira metade do século XX, que oferece uma série de possibilidades de estudos. Neste texto, os autores dedicam-se a apresentar o contexto histórico e socioeconômico da Vila das Pedras e a importância da companhia têxtil naquela sociedade de princípios do século XX, os aspectos codicológicos, assim como a descrição de algumas variantes ortográficas e abreviaturas presentes no manuscrito.

Em “Assumptos profundos de penetrar”: a escrita do códice 132 do Mosteiro de São Bento da Bahia e um possível novo testemunho, Rafael Marques Ferreira Barbosa Magalhães discute questões relativas à procedência e autoria do códice 132, manuscrito setecentista de cunho autobiográfico sobre o Marquês de Pombal, salvaguardado no Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia, e levanta a possibilidade de tratar-se de um texto politestemunhal. Nesse estudo filológico, a hipótese inicial de haver outro testemunho do mesmo texto, um livro manuscrito da coleção Jardim de Vilhena, do Arquivo da Universidade de Coimbra, justifica o cotejo dos índices dos dois testemunhos, comprovando-se a correspondência entre os textos.

Ceila Maria Ferreira, em artigo intitulado Singularidades de duas edições críticas de textos literários do século XIX, expõe e explica algumas particularidades de duas edições críticas que estão sendo preparadas por ela: a de Papéis Avulsos, coletânea de contos de Machado de Assis, e, com viés genético, a de narrativas de viagens, de Eça de Queirós. O trabalho empreendido, que se insere no âmbito da Crítica Textual Moderna, uma vez que conta com textos originais das obras, procura destacar os posicionamentos críticos dos autores e dar a conhecer aos leitores, além da história da transmissão dos textos, informações relativas a outras edições dessas obras desconhecidas na atualidade. A autora destaca como contribuições da Crítica Textual e de edições críticas, especialmente na sociedade contemporânea, a preservação e divulgação do patrimônio cultural escrito e a formação de pessoas mais críticas e mais propensas ao exercício da cidadania.

Ainda na esteira da Crítica Textual, Renata Ferreira Costa, em Proposta de edição crítico-genética do conto “A Enchente”, de Manuel dos Passos de Oliveira Telles, oferece ao leitor a oportunidade de conhecer aspectos da vida e do trabalho literário de um escritor ainda desconhecido do grande público, o sergipano Manuel dos Passos de Oliveira Telles, ao tempo em que apresenta uma proposta de edição crítica, em perspectiva genética, de um de seus textos, o conto “A Enchente”. A autora revela seu labor filológico de reconstituição da história desse texto e de sua transmissão, na tentativa de revelar a última vontade de Oliveira Telles.

Filologia e humanidades digitais dialogam no artigo Filologia e Humanidades Digitais na edição de textos modernos, no qual Débora de Souza e Rosa Borges demonstram que as práticas de edição e crítica filológica foram afetadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação, especialmente na produção de novos modelos de edição hipertextuais e/ou hipermídias, em suportes digitais. O trabalho traz como exemplo de proposta editorial digital, com possibilidade de integração de textos, paratextos e prototextos em um único arquivo eletrônico, parte da dramaturgia censurada da dramaturga e diretora baiana Nivalda Costa.

Fecha este dossiê o artigo Filologia e Direito: resgatando memórias e (re)descobrindo histórias na justiça federal de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Phablo Roberto Marchis Fachin e Ana Carolina Estremadoiro Prudente do Amaral trazem à cena as relações entre a Filologia e o Direito no trabalho com documentação manuscrita, destacando a iniciativa de um acordo de cooperação firmado em 2019 entre o programa de pós-graduação em Filologia do Português da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e a Justiça Federal da Seção de São Paulo e da Seção do Mato Grosso do Sul e o Tribunal Regional Federal da Terceira Região. Considerando o papel da Filologia como curadoria de textos antigos, o acordo envolve a implementação de um laboratório de pesquisa e de centros de documentação e memória para a realização da organização e análise filológica de documentos judiciais inéditos.

Profa. Dra. Renata Ferreira Costa (UFS)
Prof. Dr. Phablo Roberto Marchis Fachin (USP)

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Publicado

25-06-2020

Como Citar

COSTA, Renata Ferreira; FACHIN, Phablo Roberto Marchis. Apresentação. Travessias Interativas, São Cristóvão-SE, v. 10, n. 20, p. pp. 187–191, 2020. DOI: 10.51951/ti.v10i20. Disponível em: https://periodicos.ufs.br/Travessias/article/view/13946. Acesso em: 5 nov. 2024.

Edição

Seção

Dossiê 2 - Entre manuscritos e impressos