CORPO, CARNE E TECNOLOGIA: UMA LEITURA DO REAL E DO VIRTUAL A PARTIR DE MERLEAU PONTY
Resumo
O avanço contínuo das tecnologias tem provocado mudanças significativas em nossa percepção e remodelado nossas experiências. Dispositivos vestíveis, próteses inteligentes e interfaces cérebro-computador suavizam as fronteiras entre o biológico e o tecnológico, impactando as capacidades humanas. Real e virtual se entrelaçam e ressignificam as noções de espaço, tempo, ausência e presença. Diante dessas transformações e interações emergentes, este trabalho busca, à luz dos conceitos de “corpo” e “carne” de Merleau-Ponty, investigar o sentido da experiência de ser no mundo. Em O Olho e o Espírito, Merleau-Ponty afirma que "toda técnica é uma técnica do corpo", destacando que as ferramentas e signos diversos derivam da própria estrutura corporal e participam ativamente do nosso modo de ser no mundo, amplificando a estrutura metafísica da nossa carne. Naquilo que consideram ser sua ontologia indireta, o fenomenólogo descreve, em O Visível e o Invisível, a emergência de um paradigma ontológico horizontal capaz de dissolver dualismos tradicionais, como sujeito e objeto, humano e não humano, e, em nosso tempo, entre o real e o virtual. Essa transformação é articulada por meio do conceito de carne, no qual se entende que os corpos partilham do mesmo estofo, formando juntos uma Gestalt, uma unidade carnal originária. Enquanto princípio que nos ultrapassa e nos integra, a carne expressa “a intersensorialidade pela qual o visível e o invisível, o dizível e o indizível se mesclam” (SILVA, 2016), dissolvendo fronteiras entre corpos e mostrando que o Ser se manifesta em uma relação contínua. Nessa dinâmica, as coisas são constituídas ontologicamente por quiasmas - cruzamentos e entrelaçamentos - que expressam a interconexão e a interdependência entre o eu, o outro e os objetos (SANTOS, 2017). Assim, o objetivo deste trabalho é mostrar que a carne, enquanto camada mais profunda do Ser e meio de dissolução de toda clivagem polarizada, tende a integrar o orgânico e o tecnológico, o material e o imaterial e formar um meio ontológico que é simultaneamente real e virtual. Essas camadas despontam, não como mutuamente excludentes, mas como tecidos que, embora distintos, expressam a mesma estrutura carnal. Embora haja uma precedência do real, o virtual, uma vez estabelecido, modula nossa experiência e abre novas possibilidades de percepção e de organização da nossa relação com o mundo. Esse dinamismo revela que o corpo, além de físico, adquire um sentido digital, isto é, se exprime tanto online quanto offline. Essa imbricação não só questiona a validade da divisão estrita entre sujeito e objeto, biológico e tecnológico, real e virtual, mas também sugere que nossa percepção é mais flexível e adaptável do que tradicionalmente pensávamos.
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