FEMINISMO E HERMENÊUTICA FILOSÓFICA: A TRADIÇÃO COMO PROBLEMA
Cecília Mendonça de Souza Leão Santos
Resumo
Como deve uma mulher interpretar a naturalização de uma suposta inferioridade feminina em incontáveis obras clássicas da filosofia? Dentre os múltiplos desafios que confrontam filósofas, pesquisadoras e professoras comprometidas em dialogar com pensadores consagrados, talvez seja este o mais árduo. Seja para aquelas que se abstêm da discussão explícita sobre os elementos misóginos que respingam nos grandiosos sistemas filosóficos, seja para as declaradamente feministas dedicadas a enfrentá-los, a questão de como nos devemos posicionar diante da autoridade deeminentes pensadores se impõe em face do inequívoco uso do legado da tradição para legitimar e perpetuar a dominação de mulheres. Diante deste estado de coisas, minha pesquisa apresenta uma descrição de dois caminhos trilhados nas últimas décadas para lidar com os problemas intrínsecos às interpretações filosóficas do que seja o “feminino”. O primeiro caminho examinado é constituído pelo questionamento da real dimensão da hegemonia dos homens no desenvolvimento da filosofia mediante o resgate e divulgação da história da participação feminina nas atividades do espírito. Os esforços para reabilitar as contribuições das pensadoras que foram invisibilizadas pela tradição pretendem diluir ou relativizar o conteúdo de teses perniciosas sobre mulheres a fim de promover a igualdade. A segunda via, valendo-se dos préstimos de filósofos pós-modernos como Derrida, consiste na elaboração de estratégias para um pensamento feminista inteiramente independente. Esta posição é fundada, em última instância, na tese de que a própria linguagem da filosofia abriga um compromisso oculto com a supremacia masculina, inviabilizando, portanto, qualquer ensejo de reconciliação entre a filosofia tradicional e as filosofias feministas. A partir da exposição dos contrastes entre as duas atitudes perante a relação entre a tradição filosófica e as mulheres, meu trabalho discute as ambivalências da concepção gadameriana de tradição e explora, com o suporte da coletânea “Feminist Interpretations of Gadamer”, as possibilidades de uma hermenêutica filosófica pró-feminista.