v. 5 n. 04 (2018): ISSN 2357-9145
É com prazer que apresento este Dossiê sobre História Intelectual organizado por mim a convite da Revista Boletim Historiar. Os textos apresentados aqui são frutos das discussões promovidas durante o primeiro semestre de 2018 na disciplina História Intelectual latino-americana entre os séculos XIX e XX. Esta foi ministrada por mim no Programa de Pós Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro como uma das atividades do estágio pós-doutoral que realizei nesta instituição.
O objetivo principal do curso era estimular o debate sobre as possibilidades de análise no campo da História Intelectual, sobretudo no âmbito da América Latina e Brasil e em diálogo com áreas afins. Com o mesmo intuito reuni os textos que agora apresento. Estes artigos foram elaborados por alguns dos alunos da referida disciplina a partir de uma proposta de trabalho final. Somado a estes textos, apresento também o artigo de uma colega que realiza reflexões acerca de um diálogo entre a História Intelectual e o Pensamento Social Brasileiro.
O campo da História Intelectual possui uma ampla diversidade de objetos, fontes, abordagens e de opções teóricas e metodológicas. Apresenta perspectivas de análise interdisciplinares e em um esforço de refletirmos sobre as possiblidades acarretadas pela confluência de tradições que configuram os estudos em História Intelectual, discutimos desde a influência da História das Ideias inaugurada por Arthur Lovejoy, passando pelas contribuições do linguistic turn e de uma revalorização da História Política[i] até chegar ao que alguns autores consideram uma Nova História Intelectual praticada na América Latina, resultante das inflexões teóricas ocorridas nas décadas de 1960, 70 e 80[ii].
No âmbito da produção desta Nova História Intelectual latino-americana é possível destacarmos alguns pontos. Para manter a pluralidade dos processos e dos textos históricos investigados observa-se uma alternativa metodológica que aproxima a História Intelectual da Sociologia dos Intelectuais, da História Política e da Crítica Literária. Dentre os temas privilegiados por esta historiografia encontram-se: raça, nacionalismos, independências, pensamento político latino-americano, identidade latino-americana, lutas anti-imperialistas e o conflito entre identidade e modernização[iii]. Outro ponto a ser destacado seria uma predominância dos ensaios e dos ensaístas como objeto de estudo. Este aspecto está presente no artigo de Rafael Macedo da Rocha Santos que discute a influência do pensamento de Domingo Sarmiento na formação da nação argentina.
Podemos acrescentar às características acima uma tendência de imposição de novos desafios. Neste sentido, a despeito da importância e peso dos ensaios e ensaístas para esta historiografia, trabalhos recentes têm buscado abraçar também enquanto objeto de estudo toda uma produção intelectual que circulou através de meios não tradicionais, transitando por campos relacionados à cultura popular, ao mercado, à indústria cultural e à cultura do entretenimento[iv]. Um exemplo que pode ser mencionado aqui a partir dos artigos reunidos neste dossiê é o trabalho de Stephane Ramos da Costa sobre um projeto educacional idealizado pela elite negra a frente do Renascença Clube, um espaço de sociabilidade e lazer da população negra localizado na zona norte carioca.
No que tange mais especificamente à História Intelectual produzida no Brasil há um aspecto que consideramos importante destacar: a relação e o forte diálogo com o campo do Pensamento Social Brasileiro. O campo do pensamento social brasileiro tem se dedicado desde a década de 1980 ao estudo das tradições intelectual, social e políticas brasileiras, a partir de uma dinâmica interdisciplinar. Atualmente os estudos realizados estão muito voltados para as grandes temáticas da formação da sociedade brasileira, as diferentes modalidades de produção intelectual e a própria cultura como sistema de valores[v]. A partir do artigo de Gabriela Macedo dos Reis Corrêa sobre o intelectual brasileiro Luís da Câmara Cascudo e seus registros sobre o cotidiano do povo sertanejo na construção de uma identidade nacional podemos perceber a grande área de intersecção entre os interesses e possibilidades da História Intelectual e do Pensamento Social Brasileiro.
O campo do Pensamento Social Brasileiro apresenta ainda uma ampla pluralidade de abordagens e os trabalhos mais recentes têm buscado sínteses que privilegiam tanto a análise de textos que pode ser genericamente associada à História das Ideias como a reconstrução de contextos, identificada à História Intelectual. Seguindo essa perspectiva analítica e propondo um diálogo teórico-metodológico entre História e Pensamento Social Brasileiro, apresento o artigo de Carolina Arouca G. de Brito que pensa a obra de Darcy Ribeiro no âmbito da antropologia brasileira a partir de uma análise combinada entre texto e atuação institucional que decodifica a estrutura científica e a agenda de pesquisas em torno da questão indígena do período.
De modo geral os artigos reunidos neste dossiê representam algumas das características e também dos desafios apresentados a História Intelectual latino-americana. Além dos já mencionados, destacamos ainda uma importante questão enfrentada pelo historiador que tem as ideias e pensamentos como objeto privilegiado de pesquisa: a definição de intelectual. O problema da utilização e validade deste conceito em diferentes contextos históricos, e mesmo a busca pela delimitação dos contornos deste grupo social, é uma das mais árduas tarefas deste historiador. Observa-se um esforço recente no sentido de uma concepção mais ampla de intelectual considerando as práticas de mediação e incorporando agentes voltados à produção e comunicação de ideias, direta ou indiretamente vinculados à intervenção político-social[vi]. Sendo assim, encerramos apresentando o artigo que abre este dossiê e é dedicado justamente a esta questão. Neste, Iara Andrade Senra apresenta uma breve discussão sobre o conceito de intelectual, destacando o histórico do termo, as tipologias apontadas por alguns autores e a problemática sobre a prática social dos intelectuais.
Atenciosamente
Ingrid Casazza
[i] LOVEJOY, Arthur. A grande cadeia do ser: estudo da história de uma idéia. São Paulo: Palíndromo, 2005; SKINNER, Quentin. Significado y Comprensión em la história de las ideias. Prismas: Revista de História Intelectual, n. 4, 2000, p. 149-191; LACAPRA, Dominick. Rethinking Intellectual History and Reading Texts. In: Rethinking Intellectual History: texts, contexts, language. Ithaca: Cornell University Press, 1983; SIRINELLI, Jean-François-. Os intelectuais. In: RÉMOND, René. Por uma história política. Tradução: Dora Rocha. Rio de Janeiro: UFRG/ FGV, 2003.
[ii] PALTI, Elias J. La nueva historia intelectual y sus repercusiones em América Latina. História Unisinos, 11(3):297-305, Setembro/Dezembro 2007; ALTAMIRANO, Carlos. “Ideias para um programa de História Intelectual”. Tempo Social. Vol, 17, p.9-17. 2009.
[iii] SÁ, Maria Elisa Noronha de. História intelectual latino-americana: itinerários, debates e perspectivas. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, 2016.
[iv] GOMES, Ângela de Castro; HANSEN, Patrícia Santos (Orgs.). Intelectuais Mediadores: Práticas culturais e Ação Política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016; PEREIRA, Priscila. O trabalho com revistas de humor gráfico e outros desafios para a história intelectual latino-americana, de Priscila Pereira. In.: SÁ, Maria Elisa Noronha de (org.). História intelectual latino-americana, op.cit., 2016.
[v] SCHWARCZ, Lilia Moritz; BOTELHO, André. Simpósio: Cinco questões sobre o pensamento social brasileiro. Lua Nova, São Paulo, 82: 139-159, 2011.
[vi] GOMES, Ângela de Castro; HANSEN, Patrícia Santos (Orgs.). Intelectuais Mediadores, op.cit., 2016.