No. 10 (2015): Travessias Interativas ➭ jul-dez/2015
Caminhos, mudanças, vida nova... Travessias...
“É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”
– Fernando Teixeira de Andrade
O volume X da revista de letras Travessias Interativas sai com algum atraso, é certo, mas também com algo novo e vivo – e que é, significativamente, o motor da vida. Com algumas mudanças no corpo editorial, além de novas visões para novos(as), ou velhos(as), autores(as), a revista Travessias, neste volume, espera continuar a contribuir para a busca daquela outra margem que está aquém de nós – mas que é, de toda forma, um pouco de nós mesmos. Entre o saber e o conhecer-se, travessias...
Na primeira sessão do volume, Bruna Tella Guerra (Unicamp) nos traz uma entrevista com o professor, contista e romancista Ricardo Lísias. Finalista do Prêmio Jabuti de 2008 (com Anna O. e outras novelas) e do Prêmio São Paulo de Literatura em 2010 (com O livro dos mandarins), a literatura de Lísias parece se sustentar na tensão entre o discurso ficcional, inventivo, e, muitas vezes, o registro nu da própria autoria. Dando “um nó” não só na cabeça da crítica, mas até mesmo da própria Polícia Federal: Ricardo chegou a ser intimado a prestar depoimento no órgão da Federação por conta do seu e-book Delegado Tobias (2014). Lísias foi acusado por falsificação de documentos. Em algum lugar, sem dúvida, Kafka sorri, triunfante (e, em tempo, Flaubert emenda, também jocoso: “Delegado Tobias, c’est moi”).
No primeiro artigo, Flávio Amorim da Rocha (UFMS) analisa o espaço no romance Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios, de Marçal Aquino, buscando a relação entre este o espaço descrito e o desenvolvimento psicossocial das personagens do romance – tudo refletido pela/na busca da própria identidade.
“O jornal como tribuna: uma polêmica literária nas ‘Balas de Estalo’”, de Rodrigo Cézar Dias (UFRGS), percorre as discussões e polêmicas literárias ocorridas entre os críticos Silvio Romero e Valentim Magalhães, publicadas nos jornais Gazeta de notícias e A Folha nova, no final do século XIX, em paralelo com a paródia desenvolvida pelos pseudônimos Lulu Sênior e Zig-Zaga – respectivamente Ferreira de Araújo e Henrique Chaves – na série “Balas de estalo”.
E aproveitando as questões dos meios editoriais, “Minas e o Modernismo: a origem de uma poética moderna”, de Aline Maria Jeronymo (UNESP/Araraquara), mergulha por dentro das revistas do modernismo mineiro (A Revista, Verde e leite criôlo) afim de resgatar as questões históricas e literárias fundamentais não só para a literatura subsequente, mas também para a “mineiridade” patente que ali se disseminará, de alguma maneira, no modernismo vindouro.
Dos mergulhos à identidade, polêmicas e regionalismo, saltamos para a filosofia em “Da linguagem filosófica à ficcional: ecos de modern fiction em Mrs. Dalloway” – texto de Vagner Leite Rangel (UERJ). Num texto de fôlego, o autor (re)liga pontos substanciais da moderna literatura norte-americana através da posição fundamental da autobiografia; do sujeito cartesiano; e da posição do narrador segundo Adorno. Tudo isso através da profunda crítica e literatura de Virginia Woolf – respondendo questões e levantando outras tantas.
Ainda na literatura estrangeira, “Seus olhos viam Deus, de Zora Neale Hurston, e a construção identitária da personagem Janie”, Raquel Barros Veronesi e Carlos Augusto Viana da Silva (ambos da Universidade Federal do Ceará – UFC), analisam o processo da construção da identidade e de um viver poético, em meio à realidade objetiva e fragmentária do mundo, da protagonista Janie, do romance Seus olhos viam Deus (1937), da escritora afro-americana Zora Neale Hurston – que já é importante referência da literatura negra norte-americana e de resistência (tanto cultural, quanto de gênero e das minorias).
Inclusive, sobre resistência e gênero, em “A história de um silêncio: a insurgência da voz feminina em A manta do soldado, de Lídia Jorge”, de Audrey Castañón Mattos (UNESP/Araraquara), podemos ler o silencioso grito da escrita feminina, através do artigo e da obra literária; nas vozes explícitas e implícitas; dominantes e silenciadas; que se convergem para o rompimento dos paradigmas da autoridade masculina numa crítica a sociedade androcêntrica e patriarcal – além de uma crítica à própria literatura.
Se, portanto, a obra literária pode ser reflexo do mundo e dos seres que a cerca, em “Do outro como espelho: a construção da identidade no conto ‘Imagem’, de Luiz Vilela”, de Angélica Catiane da Silva de Freitas e Rubens Aquino de Oliveira (ambos da UFMS), rememorando Machado de Assis, Guimarães Rosa e José J. Veiga – todos autores de contos com o título de “Espelho” –, a análise sobre o texto de Luiz Vilela, “Imagem”, procura mostrar como a construção da identidade é, determinantemente, feita através da figura do outro – num infindável exercício de alteridade.
A questão da alteridade, hoje, parece ser um tema tão pertinente que até mesmo aqueles arquétipos que deveriam ser norteadores de nossas aspirações mais nobres acabam entrando em conflito. É o que podemos observar através do artigo “As representações sociais no discurso dos super-heróis: o caso Batman, o cavaleiro das trevas”, de Lorena da Silva Rodrigues e Maria Leidiane Tavares (UFC – Ceará), que vem para contribuir com uma vertente cada vez mais interessante para os estudiosos das Letras (tanto na linguística; quanto na literatura): o universo das HQ e das Graphic Novel. A consagrada obra Batman, o cavaleiro das trevas (1986), de Frank Miller, é um marco nas histórias em quadrinhos. No artigo, através da ótica da análise do discurso, podemos notar como a edificação das ações e das falas das personagens (no caso, Batman e Superman, heróis que se tornam inimigos) servem para endossar posicionamentos que vão muito além da figura idealizada do herói (ou do mito) – recaindo, portanto, na mais significativa dinâmica social.
Ainda dentro das questões sociais, “Representação social da Língua Portuguesa, mídia e ensino” Ana Miriam Carneiro Rodriguez (UninCor), Aline Macedo Silva Araújo e José Antônio de Oliveira Júnior (ambos UFOP), temos a reflexão do ensino de Língua Portuguesa e a sua relação com a Gramática Tradicional através da polêmica surgida em alguns meios depois da aprovação pelo MEC do livro didático Viver e Aprender – por uma vida melhor (2011), de Heloisa Ramos.
Por fim, “Desejos e conflitos socioculturais de Emma Bovary: o discurso feminista manifesto em pensamento”, de Aline Bruna Barbosa Araújo (AFARP), Milca Tscherne (UNESP/Araraquara) e Alice Meira Inácio (UFOP), temos um artigo pautado pelo análise semiolinguística do discurso, onde a personagem icônica de Flaubert, Emma Bovary, para a ser exemplo do comportamento imposto à mulher no século XIX – sem deixar de traçar correspondências com as posições sócio-histórico-culturais do momento em que a obra foi publicada e com o nosso próprio contexto histórico atual.
Literaturas; identidades; discursos; ensino; questões históricas, sociais, culturais.
Travessias...
Boa leitura.
Os editores,
Alexandre de Melo Andrade - Editor-chefe
Leonardo Vicente Vivaldo - Editor-adjunto
Valéria da Fonseca Castrequini - Editora-adjunta