Corpos que o Estado não vê

o silêncio jurídico e a ausência de políticas públicas para homens negros no Brasil

Autores

Palavras-chave:

Homens Negros, Políticas Públicas, Interseccionalidade, Racismo Estrutural, Invisibilidade Institucional

Resumo

Este artigo analisa a presença (e ausência) de menções explícitas a homens negros em documentos de políticas públicas no Brasil, buscando mapear padrões de invisibilidade institucional. A pesquisa, de natureza documental e abordagem quali-quantitativa, examinou oito documentos das áreas de Direitos Humanos, Igualdade Racial, Saúde e Educação, utilizando os termos “homens negros”, “homem negro”, “masculinidades negras” e “população negra masculina”. O referencial teórico se articula em torno de temas como: interseccionalidade (Crenshaw, 1989; Collins e Bilge, 2020), racismo estrutural (Almeida, 2019; Bento, 2002), masculinidades negras (Fanon, 1983; Connell, 1995; Hearn, 1992; Souza, 2013; Souza, 2017; Viveros, 2018) e injustiças epistêmicas (Fraser, 2001; Santos, 2000; Spivak, 2010). Os resultados revelam um padrão de silenciamento: apenas dois dos oito documentos analisados apresentam menções explícitas a homens negros — a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e uma cartilha do SUS. Ainda assim, tais menções ocorrem apenas em contextos de vulnerabilidade, especialmente em dados epidemiológicos. Os demais documentos utilizam categorias amplas como “população negra” ou “homens”, sem reconhecer as especificidades interseccionais que marcam a experiência dos homens negros. A ausência de nomeação deste grupo, mesmo em documentos voltados à promoção da igualdade racial, evidencia a fragilidade de uma abordagem verdadeiramente interseccional. Conclui-se que a invisibilidade dos homens negros nas políticas públicas expressa o racismo estrutural e as injustiças epistêmicas. Para promover justiça social, é necessário nomear explicitamente esse grupo e desenvolver políticas que reconheçam suas demandas específicas, indo além das abordagens genéricas. O silêncio institucional não é neutro: ele perpetua desigualdades e reforça o não reconhecimento político e social dos homens negros como sujeitos de direitos.

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Biografia do Autor

Guilherme da Silva Pereira, Universidade Federal do Pará

Doutorando em Educação na Universidade Federal do Pará (UFPA).

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Publicado

2025-07-04

Como Citar

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